terça-feira, dezembro 18, 2007

O papa e os ateus

Em sua segunda encíclica, “Na esperança somos salvos” [1], Bento XVI dá mostras de continuar no ataque. Dessa vez, o culpado pelas desgraças do mundo é o ateísmo, que, segundo o papa, seria responsável pelas “maiores formas de crueldade e violação da justiça na história”. Bento XVI, que já causou algum desconforto por ter dito que a religião católica não foi imposta pela força no Novo Mundo, agora parece ter esquecido também da inquisição espanhola, só para citar um exemplo.

O papa tenta apresentar o ateísmo como uma espécie de “moralismo”. Segundo ele, ao constatarem que o mundo é injusto e cruel, os ateus não conseguem crer na existência de um Deus bondoso e ao mesmo tempo responsável por tudo isso. Consequentemente, a solução seria a negação da existência de Deus.

O problema com o argumento do papa é seu primarismo excessivo. Conheço vários ateus. Alguns deles realmente se encaixam nessa classificação de “ateu raivoso”, que, deparado com o mal no mundo, deixa de crer em Deus por estar com raiva dele. Contudo, o pensamento desse tipo de ateu também é primário e não deve ser tomado como exemplo.

A maioria dos ateus, arrisco dizer, chegou a esse posicionamento depois de um longo e tortuoso processo de reflexão, frequentemente pontilhado por leituras e discussões de temas religiosos, filosóficos e científicos. Segundo esses “ateus esclarecidos”, ou ateístas, como eles preferem, a negação da existência de Deus não deve ser feita por causa da existência do mal, mas simplesmente por causa da ausência de evidências.

O papa também afirma que um mundo que acredita ser capaz de estabelecer a justiça absoluta por si mesmo “é um mundo sem esperança”.

Essa história é velha. Em primeiro lugar, o conceito de “justiça absoluta” parece muito mais ligado à antiga Igreja Católica, que impunha sua vontade pelo fio da espada, do que ao conceito moderno, especialmente o conceito ocidental, de justiça. Tanto a justiça não é absoluta que mesmo o criminoso mais hediondo tem direito a um advogado. Não restam dúvidas de que a justiça de todos os lugares é imperfeita, mas que a justiça possa, ou deva, ser absoluta é um conceito arcaico e perigoso.

Em segundo lugar, a confusão entre esperança e existência de Deus, induzida pelo texto papal, é muito comum. Nada de novo aqui. De fato, as pessoas comuns costumam entender os ateus como gente que perdeu a esperança. Nada mais distante da verdade. O ateu pode ser visto como alguém que mantém a esperança na humanidade, apesar da constatação de que o mundo é cruel e hostil. Afinal, como costuma dizer Gore Vidal, “acreditar em Deus é fácil; difícil é acreditar no homem”.

Essa confusão também se reflete na surrada pergunta “você acredita em Deus?”. Antes de ser uma pergunta a respeito das verdadeiras crenças da pessoa, o que essa pergunta realmente quer dizer é: “você acredita em um Deus que possa mandá-lo para o inferno caso você faça algo de errado?”. Assim, quem faz essa pergunta está na verdade perguntando se a pessoa é confiável, ou se é capaz de qualquer coisa, por não crer na punição eterna. Todavia, a verdadeira moralidade e senso de justiça devem se revelar nas ações, não em uma mera declaração religiosa.

Ao comentar o ateísmo e a revolução marxista, o papa afirma também que o erro de Karl Marx foi o materialismo, que o fez esquecer do homem e da sua liberdade, além de acreditar que, se o problema da economia fosse solucionado, “tudo seria regulado”.

Na verdade, um dos grandes erros de Marx foi ter desprezado a força do egoísmo humano, fator cuja importância Adam Smith já havia reconhecido. Nesse aspecto, Marx e Bento XVI estão em pé de igualdade, pois tanto o socialismo marxista quanto o catolicismo querem transformar o homem em algo que ele jamais poderá ser. Outro erro de Marx foi ter se tornado militante da própria revolução, a qual, segundo ele, era inevitável (por causa das “contradições internas do capitalismo”) e, logo, prescindiria de militantes.

Mas é claro que a Igreja Católica não está interessada nas implicações econômicas do pensamento marxista. Se Marx tivesse sido apenas um economista, papa algum jamais o citaria em uma encíclica. Contudo, Marx foi também um historiador, um filósofo, um sociólogo, um político e o criador de um movimento capaz de mobilizar milhões, mesmo aqueles que nunca o conhecerem, que não leram seus textos ou que nem mesmo têm condições de fazê-lo. Alguma semelhança com uma religião?

Da mesma forma, a Igreja Católica jamais perdoará Marx por ter escrito, em 1844, o famoso trecho que começa pela parte mais conhecida, “A religião é o ópio do povo”, e finaliza com um chamado às armas: “É preciso combater a religião como felicidade ilusória das pessoas em nome da felicidade real”.

Marx pode ser criticado por ter acreditado demais nas forças do materialismo dialético, por ter desprezado o poder do aumento da produtividade, por ter usado de certo ilusionismo ao falar de conceitos econômicos simples (como a “mais valia”), por ter levado muito a sério a teoria do valor-trabalho, por ter proposto um sistema social impraticável, que resultaria na cassação da liberdade de milhões. Para a Igreja Católica, contudo, Marx é apenas um concorrente que deve ser combatido.

Apesar de tudo, não sou defensor do ateísmo, embora também não o condene. Não aprovo o “ateísmo radical”, que acaba se tornando apenas uma religião sem Deus, mas me sinto tão à vontade junto de ateus quanto junto de religiosos, embora os primeiros provavelmente se sintam mais à vontade junto de mim do que os segundos.

Para mim, o verdadeiro posicionamento frente ao mundo deve ser o do ceticismo. O exercício da dúvida é mais importante do que a imposição de certezas. Além disso, o cético, ao contrário dos ateus e religiosos, é o único tipo de pessoa capaz de rir de si mesma, rir da própria ignorância (ou chorar, conforme o caso), e também mudar de posição quando as evidências assim o exigirem, sem que isso signifique se tornar uma “metamorfose ambulante”.

[1] Bento XVI. Spe Salvi, 30 de novembro de 2007. Disponivel em: <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi_po.html>

quarta-feira, dezembro 12, 2007

O leilão da usina Santo Antônio, no rio Madeira

O tão esperado leilão da primeira usina do Complexo do Rio Madeira, a UHE Santo Antônio, foi vencido na última segunda-feira pelo Consórcio Madeira Energia. O preço da energia a ser vendida no Ambiente de Contratação Regulado ficou em R$ 78,87/MWh, mais de 35% inferior ao preço inicial de R$ 122,00/MWh [1].

O Consórcio Madeira Energia é formado pelas empresas Furnas (39%), Cemig GT (10%), Odebrecht Investimentos em Infra-estrutura (17,6%), Construtora Norberto Odebrecht (1%), Andrade Gutierrez Participações (12,4%) e pelo Fundo de Investimentos e Participações Amazônia Energia (Banif e Santander, 20%).

Apesar do sucesso do leilão, ainda não é certo se devemos rir ou chorar. A razão é que o baixo preço oferecido pelo consórcio vencedor contraria todas as expectativas atuais de preços de energia para o médio prazo. O consumidor desavisado pode imaginar que isso se deve à “modicidade tarifária” preconizada pelo atual modelo do setor elétrico, mas o problema é que, em finanças, não existe milagre. Assim, vale a pena fazer uma análise econômico-financeira do projeto, ainda que rápida.

De acordo com dados da ANEEL [2], a energia assegurada da UHE Santo Antônio é de 2.218 MW médios (cerca de 19,43 milhões de megawatts-hora anuais). As regras do leilão prevêem que 70% dessa energia serão vendidos no Ambiente de Contratação Regulado (ACR), destinado ao atendimento de consumidores cativos, ao preço oferecido pelos vencedores e durante um prazo de 30 anos. Os restantes 30% deverão ser vendidos no Ambiente de Contratação Livre (ACL), destinado ao atendimento de consumidores livres, por meio da livre negociação de preços e prazos.

Vamos supor que as despesas de operação e manutenção sejam de R$ 10/MWh e que a entrada em operação das 44 turbinas ocorra entre 2012 e 2015, de acordo com o cronograma previsto. Vamos supor também que o investimento total (R$ 9,5 bilhões) seja distribuido ao longo dos anos de construção (2008 a 2012) nas proporções de 10%, 20%, 30%, 30% e 10%. Algum investimento será também necessário após a entrada da primeira máquina, mas esse item não altera o retorno do projeto.

Outros fatores a considerar são a depreciação do ativo imobilizado, a ser realizada em 25 anos, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (25%) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (9%). Finalmente, consideremos que o preço médio de venda no ACL seja R$ 180/MWh.

Inserindo todos esses dados em um planilha eletrônica, o resultado é uma taxa interna de retorno (TIR) de 10,3% ao ano. Se o preço médio no ACL cair para R$ 122/MWh, que era o preço inicial do leilão, a TIR cairá para 8,7% ao ano. Em outras palavras, nas atuais circunstâncias seria melhor aplicar o dinheiro em Títulos do Tesouro Nacional, que pagam a taxa Selic de 11,18% ao ano.

Qual é a mágica, então, imaginada pelos vencedores do leilão da UHE Santo Antônio? Bem, pode haver várias. Por exemplo, o orçamento de R$ 9,5 bilhões, fornecido pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) pode estar super-estimado. De fato, esse montante resulta em um número-índice de R$ 3.015 por quilowatt instalado, compatível com usinas de muito menor porte, as quais não permitem certas economias de escala. Outra possibilidade é que os investidores, deparados com a redução dos juros e do risco Brasil, passaram a se contentar com TIRs inferiores a 10% ao ano, esperando que dentro em breve a taxa Selic irá cair abaixo desse valor. Talvez. Contudo, tomar decisões estruturais com base em dados conjunturais é sempre arriscado. Mas quem sou eu para dizer ao pessoal da Odebrecht o que eles devem fazer?

Por outro lado, a taxa de retorno de um projeto de investimento deve contemplar também os riscos incorridos, os quais não faltam no caso da usina Santo Antônio. A construção dessa primeira usina do Complexo Rio Madeira não será tarefa trivial e, mesmo desconsiderando-se os riscos inerentes à construção em si, bastará que uma ONG qualquer consiga uma liminar na justiça para provocar um atraso de 12 meses ou mais, impactando o retorno e o custo de geração e confirmando a famosa lei de Quéops: “nada fica pronto dentro do orçamento ou dentro do prazo previstos”.

Outra possibilidade, que está sendo divulgada com certa insistência pela mídia, é que o baixo preço do leilão poderá ser “compensado no mercado livre”. Todavia, como vimos, o preço no mercado livre deverá ser superior a R$ 180/MWh para que tal aconteça. E, ainda que esses preços sejam factíveis no momento atual, é difícil acreditar que isso possa acontecer após 2013, quando deverá haver maior oferta de energia, resultando em preços mais baixos para o mercado livre. Afinal, esse mercado responde muito bem às variações da oferta e da demanda de energia, mas muito mal a preços sugeridos pelo governo ou por associações de classe. Da mesma forma, consumidor livre algum se conformará em comprar energia a preços mais elevados com a desculpa de contribuir para o subsídio dos consumidores cativos.

Finalmente, talvez o Consórcio Madeira Energia esteja esperando vencer também o leilão da segunda usina do Madeira, a UHE Jirau, o que aumentaria a escala do projeto conjunto e melhoraria o retorno dos investimentos. Resta esperar por esse leilão, que deve ocorrer em maio de 2008.

[1] ANEEL. Central de Notícias, 10 dez. 2007. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/noticias/Output_Noticias.cfm?Identidade=2315&id_area=90>
[2] ANEEL. Leilão da UHE Santo Antônio, Disponível em: < <http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/kit%20imprensa%20site.pdf>.

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Educação e corrupção

No início da semana foi divulgado o resultado do PISA (“Programme for International Student Assessment”, ou “Programa Internacional de Avaliação de Alunos”), exame aplicado em alunos com idade de 15 anos (ensino médio) de vários países. O Brasil foi reprovado mais uma vez em matemática e leitura.

Os resultados do PISA mostram que os alunos brasileiros obtiveram médias que os colocam na 53ª posição em matemática (entre 57 países) e na 48ª em leitura (entre 56). Os dados referem-se a 2006 e os exames são aplicados a cada três anos. Em 2003, o Brasil não conseguiu resultados muito melhores do que em 2006 [1].

O país latino-americano mais bem classificado foi o Chile. Entre Brasil e Chile, aparecem Uruguai e México. A classificação do Brasil é um pouquinho melhor do que a da Colômbia e um pouco melhor do que a da Argentina [2].

Sabendo dos notórios índices de corrupção dos países latino-americanos, e dos baixos índices de corrupção de alguns dos países mais bem classificados no PISA (como Finlândia, Nova Zelândia e Canadá), resolvi fazer uma comparação entre os resultados do PISA e o Índice de Percepção da Corrupção (“Corruption Perception Index”, CPI), divulgado pela organização Transparência Internacional [3]. Os resultados são mostrados na figura abaixo, onde apenas o índice PISA de habilidade de leitura foi incluído (clique sobre a figura para ampliá-la).


O CPI mede a percepção da existência da corrupção, não a corrupção em si, e é tanto maior quanto menor for essa percepção. É por isso que a Finlândia aparece com CPI igual a 9.4, enquanto Brasil e México aparecem com 3.5. Existem vários países com CPI inferior a 3.5, mas estes não foram incluídos no PISA. Exemplos são Mianmar e Somália, que empatam em 1.4.

O gráfico deixa evidente que existe uma correlação entre educação e corrupção. Não se trata de uma correlação fortíssima, até mesmo por causa do pequeno número de países analisados (46), mas a correlação é forte o suficiente para que se diga que, caso mais países fossem analisados, a curva continuaria crescente e para a direita.

Será essa correlação um indício de ligação causal entre nível educacional e prática da corrupção? Estudos mais aprofundados poderão esclarecer essa questão, mas a resposta pode ser apontada pelo mais puro bom senso.

[1] Folha Online, 5 dez. 2007. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u351481.shtml>.
[2] PISA 2006 results. Disponível em <http://www.pisa.oecd.org/dataoecd/15/13/39725224.pdf>.
[3] Transparency International, CPI 2006. Disponível em <http://www.transparency.org/news_room/in_focus/2006/cpi_2006__1>.

quinta-feira, novembro 29, 2007

Como dizer tudo em inglês

A língua inglesa, como se sabe, não dispõe de regras rígidas para a pronúncia das palavras, embora tenha estrutura gramatical bastante simples. Isso acontece, dentre outras razões, por causa do grande hibridismo da língua, que absorveu elementos dos dialetos anglo-saxão, nortúmbrio, kentiano, mércio, além do latim, francês, espanhol e outras línguas modernas. Para o falante do português, as diferenças de pronúncia entre palavras de grafia semelhante são um tanto enigmáticas, como acontece com “country” (país, nação, campo) e “county” (distrito, condado).

Felizmente, nessa era de websites gratuitos e comunicação instantânea, não é necessário fazer um curso de inglês com um professor nativo para aprender a pronunciar palavras inglesas. Basta ter um acesso à internet e uma placa de som.

Um website que oferece muitas dicas de pronúncia é o TheFreeDictionary.com, um verdadeiro poço sem fundo para o estudante da língua inglesa. Nesse site, é possível verificar o significado e pronúncia de várias palavras, incluindo alguns nomes próprios e de lugares. As dicas de pronúnica de muitas palavras, tradicionalmente maltratadas pelos brasileiros, podem ser rapidamente encontradas lá, como é o caso de Yorkshire, country, Monroe, dynamic e várias outras. Basta clicar no pequeno alto-falante que aparece ao lado da palavra.

O TheFreeDictionary.com também oferece, em sua página inicial, vários jogos para aprimorar o conhecimento da língua inglesa, como Hangman, Spelling Bee, Match Up e Scrabble. O Spelling Bee, em particular, é muito interessante, pois treina o ouvido e a grafia simultaneamente. Vale a pena uma visita diária.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Brian May, o magnífico

Brian May, ex-guitarrista do Queen, a maior banda de rock depois dos Beatles, é indiscutivelmente um dos maiores guitarristas que já existiu. Embora a revista Rolling Stone [1] o coloque apenas na 39ª posição dentre os 100 maiores guitarristas de todos os tempos, May consegue tirar sons únicos de sua guitarra “Red Special”, fabricada por seu pai. Agora, esse guitarrista de 60 anos acaba de realizar um feito memorável para alguém que passou mais de 30 anos afastado do mundo acadêmico: tornar-se reitor de uma universidade.

Brian May graduou-se em astrofísica no Imperial College London e chegou a iniciar seus estudos para obter o Ph.D. Contudo, o sucesso alcançado pelo Queen no início da década de 70 forçou o guitarrista a abandonar os estudos para se dedicar exclusivamente à carreira musical.

Mesmo tendo largado temporariamente os estudos, May nunca se afastou muito da astronomia. Prova disso é que, em outubro de 2006, ele publicou um livro sobre o assunto (“Bang! – The Complete History of the Universe”, em co-autoria com Patrick Moore e Chris Lintott). Além disso, em outubro último, May finalmente defendeu sua tese de doutorado, intitulada “A Survey of Radial Velocities in the Zodiacal Dust Cloud” (ou “Uma Pesquisa por Velocidades Radiais na Nuvem Zodiacal de Poeira”), tornando-se o primeiro guitarrista da história a envergar um título de Ph.D.

Em 23 de novembro, Brian May foi apontado reitor (ou “chancellor”, título usado no Reino Unido) da Universidade John Moores, em Liverpool [2]. Se May será considerado um roqueiro-cientista ou um cientista-roqueiro, é questão que depende do ponto de vista de cada um. Da minha parte, já ficarei satisfeito se os fãs de Brian May, o guitarrista, conseguirem entender que a tese de Dr. May, o cientista, não tem nada a ver com astrologia.

[1] Rolling Stone. Aug, 2007. Disponível em:
<http://www.rollingstone.com/news/story/5937559/the_100_greatest_guitarists_of_all_time>.
[2] LJMU. News Update. <http://www.ljmu.ac.uk/NewsUpdate/index_92016.htm>.

sexta-feira, novembro 16, 2007

O blog de Clemente Nobrega

O blog do Clemente Nobrega está no ar desde o último dia 9 e pode ser acessado em http://www.ideiaseinovacao.globolog.com.br/ .

Sou fã do Clemente desde 1997, pouco depois do lançamento de seu primeiro livro. Escrevi para ele e ele respondeu. Desde então, tenho lido quase todos os livros dele, faltando apenas o mais recente (“Empresas de Sucesso, Pessoas Infelizes?”), por absoluta falta de tempo. Também tento comparecer às palestras dele, as quais são sempre inspiradoras (um vídeo de palestra recente dele pode ser encontrado em http://endeavor.isat.com.br/linksespeciais/?palestra=299).

Clemente Nobrega é um grande entusiasta da inovação e do empreendedorismo como fatores de desenvolvimento econômico. Infelizmente, as políticas públicas ora em voga não visam a inovação, mas apenas a volta a um passado fracassado. É pena. O tempo mostrará que deveríamos ter ouvido mais pessoas como Clemente e menos pessoas como Emir Sader, por exemplo.

Todavia, se a mensagem de Clemente é inspiradora, nem sempre é do agrado de todos, especialmente daqueles adeptos do “Estado Ama Seca”. Por exemplo, a respeito da política de cotas para afro-descendentes nas universidades públicas, Clemente diz:

Nasci no dia 20 de novembro (aniversário de Zumbi, me informam), sou negro, e tenho um interesse - como direi? - epidérmico, nessa questão; mas não contem comigo para promover besteiras. Para mim, preto que se preza não aceita cota. Preto que se preza não choraminga nem “reivindica” com base em “brancos e negros”. Preto que se preza não usa camisetas em que se lê “100% negro”, pois isso, como diz Magnoli, legitimaria o surgimento de camisetas “100% branco”. Pode parecer uma orgulhosa afirmação de identidade, mas é apenas manifestação de rebeldia pouco informada e pouco inteligente.”

Vale a pena ler um sujeito com opiniões tão fortes como essa.

sexta-feira, novembro 02, 2007

Copa de 2014: o atestado definitivo de um país incapaz de se levar a sério

Tenho dificuldades em acreditar que um país pobre, deficiente em infra-estrutura, monumentalmente desigual, à beira do colapso energético, assolado pela violência urbana, vivendo uma crise mal resolvida no setor aéreo e onde nem mesmo o leite presta, irá gastar vários bilhões de reais para organizar um campeonato esportivo que será encerrado, como de praxe, com uma disputa entre batedores de pênaltis.

O orçamento para a Copa de 2014 ainda não é conhecido, mas, de acordo com Joelmir Betting [1], que cita pesquisa da Revista Máquina do Esporte, o custo total poderá chegar a R$ 18 bilhões, a maior parte advinda do setor público. Valerá a pena? Talvez sim, mas o risco é enorme.

De acordo com o banco holandês ABN AMRO [2], os dados históricos indicam que o vencedor de uma Copa do Mundo experimenta um ganho médio adicional de 0,7% do PIB em relação ao ano anterior. Por outro lado, o segundo colocado experimenta uma perda média de 0,3% do PIB em relação ao ano anterior.

Supondo um crescimento médio de 5% durante os próximos sete anos (estimativa otimista), chegaremos em 2014 com um PIB de R$ 2,974 bilhões. Logo, se ganharmos o campeonato, o crescimento adicional de 0,7% corresponderá a R$ 20,8 bilhões, o que dará para pagar as contas, com alguma sobra.

O problema é se perdermos! Em outras palavras, estamos colocando um investimento bilionário nas mãos (ou nos pés!) de um reduzido número de jogadores, os quais são historicamente incapazes de suportar a pressão psicológica e nem mesmo moram no Brasil. E, no caso de mais uma final decidida por pênaltis, que tenha o Brasil como finalista, o destino do investimento será decidido por uma mera loteria.

Apesar de tudo, cabe lembrar que o crescimento adicional de 0,7% apontado pelo ABN AMRO indepente do país sediar a copa. Assim, não seria melhor, embora um pouco oportunista, deixarmos que outro país pagasse as contas, tentarmos ganhar a copa assim mesmo e investirmos o dinheiro em outras áreas? Vale a pena arriscar tanto dinheiro somente para nos desforrarmos da humilhação de 1950?

É claro que, mesmo que não se vença o campeonato, há alguns benefícios em um país sediar uma Copa do Mundo, tais como melhorias nos sistemas de transporte e de telecomunicações, reformas urbanas, melhorias no setor de hotelaria, etc. Todavia, tais melhorias e reformas poderiam, e deveriam, ser feitas a despeito da Copa do Mundo, não por causa dela. Ou será que, depois de 2014, teremos que esperar outros 64 anos para que alguém perceba que investimentos em infra-estrutura são importantes?

Se o Brasil fosse um país capaz de estabelecer suas prioridades de maneira racional, deveríamos investir todos esses bilhões de reais nos verdadeiros fatores de crescimento econômico, como saúde, educação, ciência e tecnologia. Para crescer, precisamos de inovação, não de pão, circo e futebol.

[1] BETTING, Joelmir. Secos & Molhados, 23 out. 2007. Disponível em: <http://www.joelmirbeting.com.br/noticias1.asp?IDgNews=3>. Acesso em: 02 nov. 2007.

[2] ABN AMRO. Soccereconomics 2006, mar. 2006. Disponível em: <http://www.abnamro.com/pressroom/releases/media/pdf/abnamro_soccernomics_2006_en.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2007.

segunda-feira, outubro 29, 2007

O pavoroso inglês dos aeroviários

Depois de um longo período sem viajar de avião, tive de enfrentar aeroportos seis vezes nas últimas duas semanas. Meu último vôo havia sido em julho do ano passado, quando da realização do SBSE 2006. Depois disso, só precisei viajar dentro do Paraná e de Santa Catarina, em trajetos mais adequados a uma viagem de carro. Assim, não sofri com a crise aérea recente, a qual dizem ainda não ter acabado.

Descobri que agora os aeroportos solicitam que o passageiro retire o laptop da mala e o passem individualmente pelo aparelho de raios X. Também me solicitaram que eu retirasse carteiras de cigarro, caso houvesse alguma. Respondi que nunca sofri dessa praga e perguntei a razão. “É que as carteiras de cigarro têm um papel metálico que confunde o raio X”, disse a funcionária.

Interessante, pensei, como esses aparelhos de hoje em dia são sensíveis.

Então passei a minha mala pelo raio X, dentro da qual havia uma calculadora, um molho de chaves, uma caneta metálica e um tubo de desodorante em aerosol, igualmente metálico. O raio X não se confundiu. Na verdade, nem mesmo se deu conta desses itens tão perigosos à segurança nacional.

Fora isso, não percebi maiores modificações nos procedimentos aeroportuários. O Galeão estava daquele jeito decrépito de sempre, com painéis da década de 80 e aquela locutora falando com uma voz de quem está tendo orgasmos múltiplos. Viracopos, recentemente reformado, não mudou muito. Apenas teve uma “praça de alimentação” acrescentada, uma certa mudança no visual e um certo aumento do espaço físico. No andar superior, persiste a placa que anuncia para breve mais uma franquia da Telefônica.

E o Afonso Pena, é claro, continua como sempre foi, o que não é de todo mal. O aspecto realmente ruim desse aeroporto é que, ao passar pela porta de saída, a qualquer hora do dia ou da noite, você é imediatamente atingido por uma lufada de fumaça fétida, pois os funcionários e passageiros usam aquela área como “fumódromo”.

Outra coisa que não mudou foi a qualidade do inglês falado por pilotos e comissários de bordo, que continua abaixo de qualquer nível desejável. Deve haver uma competição secreta entre aeroviários e o pessoal da TI (de todas as empresas) para ver quem é capaz de falar o inglês mais cucaracha possível. Mas há um agravante no caso dos aeroviários: o texto deles é lido!

Só para dar um exemplo, voltei do Rio de Janeiro a bordo de uma empresa cujo lema é algo como “a companhia aérea mais simpática do Brasil”. Antes da decolagem, os comissários de bordo executaram aqueles procedimentos de sempre, nos quais ninguém presta atenção. Por um lado, quem voa sempre não aguenta mais aquilo. Por outro lado, quem é novato em vôos civis, ou quem tem medo de voar, deve entender que é uma tremenda falta de sensilidade falar em procedimentos de emergência durante a decolagem.

De qualquer forma, o avião entrou em velocidade de cruzeiro e o chefe de equipe passou a descrever algumas coisas sobre o vôo. Não me lembro de quase nada do que ele disse, mas o texto em português foi encerrado com o lema da empresa. Fiquei levemente curioso para saber como eles iriam traduzir a palavra “simpática” e tentei acompanhar o texto em inglês até o fim. Eles optaram pelo termo “friendly”, mas o comissário pronunciou essa palavra de uma maneira totalmente abstrusa: “fráindly”.

Estou acostumado com bordoadas no ouvido, mas essa foi demais! Estou acostumado com “Gâgou” no lugar de Google, “Yorkcháire” no lugar de Yorkshire, “frequêncy” no lugar de frequency, “exange” no lugar de exchange. Contudo, adotar “fráindly” como pronúncia de friendly é indicação de que o sujeito não passou nem mesmo pelos cursos mais elementares de inglês, nos quais se aprende a falar coisas como “This is Bob. Bob is my friend”.

É claro que nenhum mal resultou da pronúncia descuidada do comissário de bordo. Infelizmente, os pilotos não demonstram melhor domínio da língua de Shakespeare. E, quando os pilotos devem se comunicar em inglês com torres de controle estrangeiras, a pronúncia descuidada pode ser perigosa, muito perigosa. Ainda assim, a solução é simples e relativamente barata. Afinal, quanto custa um jato comercial de passageiros? Quanto custam as vidas a bordo? E quanto custa um curso de inglês?

Como paliativo enquanto não se melhora a situação, as empresas de aviação poderiam ao menos complementar aquele famoso texto: “Atenção, senhores passageiros, observem os avisos de não fumar, apertem os seus cintos de segurança e preparem os seus tampões auditivos!”

sábado, outubro 27, 2007

Comentários sobre o XIX SNPTEE

O XIX SNPTEE – Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica – foi realizado no Rio de Janeiro, entre 14 e 17 de outubro. Somente agora encontrei tempo para escrever algo sobre esse evento, considerado por muitos como o maior encontro de profissionais do Setor Elétrico Brasileiro.

O local escolhido para o seminário foi o Rio Centro, na Barra da Tijuca, um lugar amplo e afastado dos cartões portais tradicionais do Rio de Janeiro, como o Corcovado, o Cristo Redentor, favelas gigantes e balas perdidas. Como cortesia da Electra, que financiou pouco mais de metade da minha participação no SNPTEE, fiquei hospedado em um hotel também na Barra da Tijuca, de frente para o mar, uma verdadeira tristeza. O nome do hotel era Tropical Barra Hotel. Por alguma razão estranha, os donos de hotel têm essa mania de escrever os nomes na ordem inversa, como se estivessem em um país de lingua inglesa. Coisas do Brasil.

Ao chegar ao hotel, na tarde de 14/10, um domingo, percebi o primeiro sinal de que eu estava realmente no Rio de Janeiro. Desci do taxi, entrei no saguão do hotel e parei em frente ao funcionário do balcão, na intenção de fazer o check-in (uma palavra que se espalhou como praga e que é agora usada no lugar de “registro” ou “despacho”). Não havia mais ninguém no saguão, mas ainda assim o funcionário demorou mais de cinco minutos para olhar para mim.

Finalmente, depois de fazer todo o processo de registro sem ao menos olhar para mim, o funcionário me entregou o cartão de acesso ao quarto (ou “apartamento”, como eles insistem). Subi ao nono andar, abri a porta e entrei. Fiquei olhando por um ou dois segundos para a cama, perfeitamente arrumada, mas sobre a qual estava depositado um um crucifixo. Alguma coisa dentro de mim adora essa sensação que surge quando nos depararmos com o inesperado, à qual chamo informalmente de “choque epistemológico”. Afinal, não se espera encontrar um crucifixo sobre a cama de um hotel brasileiro! Meio segundo depois, olhei para o lado e notei uma mala e algumas roupas. Eles haviam me dado a chave de um quarto ocupado!

Naquele momento, para o bem ou para o mal, não havia ninguém no quarto. Imagino a sensação que deve ser entrar em um quarto de hotel e se deparar, por exemplo, com um casal “fazendo cosinhas”, ou outra coisa qualquer que as pessoas fazem em quartos de hotéis.

Voltei ao saguão e reclamei com o funcionário, que me garantiu que o quarto estava desocupado. Só para curtir um pouco mais com a minha cara, ele ainda acrescentou que ele mesmo havia feito o check-out do hóspede anterior, etc. e tal. Mas, só por via das dúvidas, ele me deu a chave de outro quarto.

Então subi novamente ao nono andar, despejei minhas coisas no armário, tomei um banho, liguei a televisão e ar condicionado, abri uma cerveja (R$ 4,50 a lata!) e comecei a procurar as duas coisas que não podem faltar em um quarto de hotel de turismo de negócios: um cofre para guardar o laptop e uma conexão à internet. Encontrei ambas as coisas, mas ambas mostram que a hotelaria na Barra da Tijuca (naquele hotel, pelo menos) ainda tem muito o que progredir.

Em primeiro lugar, não havia instruções nem de como usar o cofre, nem de como se conectar à internet. O cofre era de um modelo moderno, com combinação eletrônica programável e no qual cabia um laptop inteiro, e era chumbado solidamente à parede (já vi cofres de hotel que ficavam presos à parede por meio de uma simples corrente metálica!). Telefonei para a recepção e perguntei qual o procedimento para programar o cofre. O funcionário me disse que iria enviar alguém para me explicar como fazer. Estou esperando até hoje.

Felizmente, depois de algumas tentativas, descobri como programar o cofre e digitei nele minha senha secreta, que é 4567.

Feito isso, telefonei novamente para a recepção, tentando me informar sobre a internet. O funcionário me informou que havia uma conexão sem fio (ou “wireless”, como dizem aqueles que não falam português). O procedimento para cadastrar a conexão era simples, mas o custo de acesso era R$ 0,20 por minuto.

Senhoras e senhores, vinte centavos por minuto de acesso é uma taxa que nem os provedores de internet da Camorra têm coragem de cobrar! Mas, se você está na Barra da Tijuca, imagino que tenha que pagar o preço, mesmo que não haja instruções escritas sobre formas de pagamento ou, na verdade, instruções sobre coisa alguma.

Apesar de tudo, os outros serviços do hotel eram razoáveis, embora impessoais. O café da manhã era bom, os travesseiros não tinham os usuais trinta centímetros de altura, o ar condicionado não fazia muito barulho, o chuveiro funcionava decentemente e as toalhas eram bastante limpas, pelo menos a olho nu. A televisão, contudo, não oferecia mais do que uma dúzia de canais por assinatura, sem contar aqueles canais abertos, que ninguém mais agüenta.

Todavia, não tive muito tempo de assistir televisão. Na noite de domingo, tive que preparar minha apresentação para a tarde de segunda-feira, e, na noite de segunda-feira, tive que preparar minha apresentação para a tarde de terça-feira (sim, eu deixei tudo para a última hora!). Na noite de terça-feira, aproveitei para relaxar e acabei de ler “A arte de escrever”, de Arthur Schopenhauer. Recomendo.

Na dia seguinte, cheguei ao local do seminário com a certeza de que a UTFPR ainda não teria feito o pagamento da minha taxa de inscrição. Inacreditavelmente, deu tudo certo. Embora a inscrição ainda não estivesse paga, eles me deixaram entrar sem fazer comentário algum.

A exposição anexa ao XIX SNPTEE foi organizada praticamente como um clone da exposição análoga de dois anos antes, realizada em Curitiba e patrocinada pela Copel. Os expositores eram os mesmos (Siemens, Furnas, Eletrobrás, Copel, Cemig, Areva, etc), os boxes foram organizados de maneira semelhante e até mesmo a falta de apelo comercial foi a mesma de sempre.

Isso é que me deixa intrigado em relação ao SNPTEE.

No evento de 2005, realizado no Estação Embratel Convention Center, anexo ao Shopping Estação, em Curitiba, todos os participantes estavam bem perto de livrarias, farmácias, cinemas, lanchonetes e restaurantes. Entretanto, isso ocorreu por causa do local do evento, não por causa dos organizadores. Nesse evento do Rio Centro, a falta de visão comercial ficou mais evidente: havia apenas um “Cyber Café”, e mais nada. Nada de livrarias, nada de lanchonetes, nada de farmácias. Aparentemente, no Setor Elétrico ninguém fica com dor de cabeça, ninguém sente fome fora de hora e, claro, ninguém lê!

Será que nenhuma livraria do Rio de Janeiro se propôs ou foi convidada a instalar um box durante o evento? Nenhuma franquia de cachorro-quente ou de maria-mole percebeu o potencial de um seminário pelo qual circularam mais de duas mil pessoas? Estranho.

É também estranho que durante um seminário desses você possa comprar isoladores de alta tensão, equipamentos de telecomunicações, máquinas elétricas, possa contratar consultoria e assessoria de diversos tipos, iniciar e fechar negócios, mas não consiga comprar uma simples aspirina!

De qualquer forma, não assisti muitas palestras durante o primeiro dia. Bem que tentei, mas não consegui me concentrar, por causa da expectativa para a minha primeira palestra, que seria realizada às 15h50, após o intervalo para o café da tarde. Horário pior do que esse, só mesmo quarta-feira depois da feijoada.

De fato, o horário era tão impróprio e o tema da minha primeira palestra (“Uma visão dos cursos de Tecnologia como produtos disruptivos: sugestões para estruturação e gestão”) atraiu tão pouca atenção que tive que iniciar com um público de menos de 10 pessoas, as quais ocuparam esparsamente os mais de 50 assentos do lugar. Além disso, talvez houvesse dentre os presentes apenas uma ou duas pessoas com uma boa noção do que é um curso superior de Tecnologia. Todos os demais pareciam interessados em assuntos relacionados a pesquisa e financiamente de atividades de pesquisa e consultoria. Talvez eu deva levar o assunto ao próximo Cobenge, em 2008.

Minha palestra da terça-feira (“Custos de transação e forças propulsoras: uma visão estratégica da desverticalização no Setor Elétrico”) foi um pouco melhor, mas não muito. É difícil apresentar dois assuntos desconhecidos em apenas quinze minutos e, de fato, as duas perguntas feitas revelaram que não fui totalmente bem sucedido. Infelizmente, o Edvaldo Alves de Santana, diretor da Aneel, que entende de custos de transação mais do que muita gente no Setor Elétrico, só conseguiu chegar na quarta-feira, e não tenho certeza se ele assistiria minha palestra mesmo que chegasse antes. Da mesma forma que no trabalho anterior, talvez eu deva levar esse trabalho a um forum mais especializado, como o encontro nacional de economia da Anpec.

O SNPTEE continua sendo um evento mais estatal do que privado, pois as empresas de geração e transmissão são estatais em sua maior parte. Uma pena. Mas as coisas não vão bem para todas as estatais. A Copel, por exemplo, enviou cerca de 70 funcionários, quase todos eles de ônibus, pois o setor de RH teve dificuldades para estimar de maneira correta as vantagens em se enviar todos de avião. Eles fretaram dois ônibus e fizeram todos perderem dois dias na estrada, contando ida e volta. A mensagem que a empresa envia a seus funcionários é: despesas com passagens de avião são preto no branco, mas as horas de trabalho perdidas por vocês realmente não nos interessam. Coisas do Brasil.

Ao final dos três dias do encontro, não consegui assistir a todas as palestras que pretendia, mas consegui assistir a quase todas as palestras de colegas e ex-alunos. Também consegui assistir à seção técnica especial, com palestras do Edvaldo, da Aneel, e do Dorel, diretor da Bandeirantes e professor da USP, ambas muito boas. O Dorel, uma das cabeças mais brilhantes do Setor Elétrico e que já transitou pelas áreas de geração, transmissão e distribuição, mostrou-se um pouco hostil ao Mercado Livre, o que talvez se justifique pelo cargo que ele ocupa atualmente em uma distribuidora. Uma pena.

Essa 19ª edição do SNPTEE teve alguns pecadilhos em sua organização, mas foi encerrada de forma triufal, com um jantar no Copacabana Palace, ao qual não pude comparecer, por causa de uma reunião na manhã de quinta-feira, em Curitiba.

A próxima edição do SNPTEE será realizada em Recife, em 2009, e terá a Chesf como empresa anfitriã. Se tudo der certo, estarei lá. Aos futuros organizadores, ficam duas sugestões: (a) um tablado é essencial aos palestrantes que não gostam de falar a partir de um púlpito; (b) o pessoal contratado para trabalhar nas mesas de som, etc, deve estar preparado para responder com mais do que meros monossílabos; se eles conseguirem evitar aquela expressão de sono e desprezo, melhor ainda.

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[1] Constatações Técnicas do XIX SNPTEE. Disponível em : <http://www.xixsnptee.com.br/snptee/Constata%E7%F5es%20T%E9cnicas%20XIX%20SNPTEE_Plen%E1rio_1.ppt>.

[2] Relação de trabalhos premiados no XIX SNPTEE. Disponível em: <http://www.xixsnptee.com.br/snptee/Relação%20dos%20ITs%20Premiados%20por%20Grupo%20de%20Estudo.doc>.

terça-feira, outubro 23, 2007

23 de outubro: aniversário do mundo!

Cidadãos do Universo, regozijai-vos! Hoje é aniversário do mundo, criado há exatos 6.010 anos, às 14h30 de um belo domingo.

O autor dos cálculos, que ficarão para sempre no rol das maiores asneiras jamais ditas por um ser humano, foi o irlandês James Ussher (1581 – 1656), arcebispo de Armagh e primaz de toda a Irlanda.

Posteriormente, tendo inventado a Guinness e a Maureen O’Hara, os irlandeses se redimiram frente ao mundo, apesar de uma recaída recente com a invenção do Bono Vox.

Quem me lembrou dessa data tão importante a todos nós foi o Alexandre de Medeiros, da SBCR.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Everthon Sica arremata o Grande Prêmio SNPTEE!

O SNPTEE – Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica – foi realizado no Rio de Janeiro, entre 14 e 17 de outubro. Foram apresentados 510 trabalhos, divididos em 16 grupos temáticos. Como usual, os participantes escolheram por votação o melhor trabalho de cada grupo. Dentre os 16 finalistas, um deles foi escolhido por sorteio para receber o Grande Prêmio SNPTEE: uma passagem de ida e volta para Paris, além de ajuda de custo, para participar do próximo encontro do Cigré, em 2008.

Nessa 19ª edição do SNPTEE, o vencedor foi Everthon Taghori Sica, que apresentou o trabalho “Planejamento integrado dos recursos hídricos para geração de energia elétrica, considerando múltiplos critérios e a dinâmica do capital natural”.

O autor é atualmente pesquisador do Laboratório de Planejamento de Sistemas de Energia (LabPlan), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e é prata da UTFPR e da UFSC: formou-se no curso técnico em Eletrotécnica em 1994 e em Engenharia Industrial Elétrica, ênfase Eletrotécnica, em 2000, ambos pela UTFPR, vindo posteriormente a concluir, pela UFSC, uma graduação em Ciências Sociais e um Mestrado e um Doutorado, ambos em Engenharia Elétrica.

Parabéns ao Everthon. Aos poucos, nossos alunos estão conquistando o Brasil e o mundo!

sexta-feira, outubro 19, 2007

Licença-maternidade e incentivos econômicos

Em seu livro The Economist's View of the World, o economista Glen Whitman conta uma historinha muito boa, embora provavelmente apócrifa. A cidadezinha italiana de Abruzzi sofria com uma grande infestação de cobras venenosas. Preocupados, os legisladores locais instituiram uma recompensa por cobra eliminada, a ser paga em dinheiro.

Alguns meses depois, o número de cobras capturadas havia batido todos os recordes possíveis, mas a infestação havia aumentado. De fato, as pessoas começaram a criar cobras secretamente, para então “vendê-las” à prefeitura local.

A historinha acima mostra o que pode acontecer quando se fornece os incentivos errados às pessoas. Os legisladores de Abruzzi podem ter imaginado que, após implantada a recompensa, todos os cidadãos iriam se comportar da maneira “correta”. Afinal, era do mais estrito interesse da cidadezinha que as cobras fossem mortas, não criadas aos montes. Só que os legisladores não perceberam que o problema a ser resolvido era reduzir o número de cobras à solta, não aumentar o número de cobras capturadas. Não percebendo tal diferença, permitiram que as pessoas se comportassem de maneira oportunista.

Dentro de alguns anos ficará evidente que a licença-maternidade de seis meses, recentemente aprovada pelo Senado Federal, fornece o incentivo econômico errado às futuras mães brasileiras. Não tenho dúvidas de que a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), autora do projeto, está imbuída das melhores intenções. Contudo, boas intenções apenas não bastam.

A licença-maternidade atualmente em vigor é de quatro meses, remunerada integralmente pelo Governo. A adesão aos dois meses adicionais de licença será voluntária, tanto para a empresa quanto para a trabalhadora. O incentivo para a adesão das empresas será puramente fiscal: insenção total do imposto de renda sobre o salário pago durante os dois meses adicionais de licença.

É claro que as empresas terão outros custos além do imposto de renda, tais como salários e encargos sociais, sem falar nos dois meses não trabalhados. A essa hora, esses custos já devem ter sido precificados pelo mercado de trabalho, resultando em um inescapável efeito adverso: a redução do salário médio das novas trabalhadoras brasileiras (mesmo daquelas que não pretendem ter filhos). As empresas, mesmo devendo aderir voluntariamente ao programa de licença-maternidade de meio ano, entenderão que tal licença representa um risco adicional. E, cedo ou tarde, todo risco acaba descontado pelo mercado.

Outro efeito adverso poderá ser um aumento da taxa de natalidade. Da mesma forma que os legisladores de Abruzzi, os proponentes da nova licença-maternidade devem ter imaginado que o recado enviado às trabalhadoras é: “fiquem tranqüilas, pois, caso vocês tenham filhos, estarão protegidas por mais dois meses”. Todavia, o recado entendido pelas trabalhadoras poderá ser apenas “tenham mais filhos, pois o Governo está pagando”.

O projeto de lei segue agora para a Câmara dos Deputados. Se aprovado, o presidente Lula poderá ainda vetá-lo, mas duvido que o faça. Será muito mais seguro deixar que os legisladores e presidentes futuros façam o trabalho sujo de cancelar a lei, quando tiver ficado evidente que as trabalhadoras e empresas não se comportaram da maneira como deveriam ter se comportado.

domingo, outubro 07, 2007

Formatura, mais uma vez

A formatura do curso de Engenharia Industrial Elétrica da UTFPR, turma do segundo semestre de 2007, foi realizada na última sexta-feira, 5 de outubro. Os alunos, mais uma vez, cometeram a temeridade de me escolher como paraninfo. Segue o discurso de formatura que eles tiveram que aguentar.
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Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Paulo Osmar Dias Barbosa, demais autoridades já mencionadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.

Parabéns a todos pela conquista. Parabéns por terem sobrevivido a tantos desafios, por terem enfrentado com sucesso tantas dificuldades. E parabéns também a todos os pais, familiares e amigos, que tornaram essa conquista possível.

É uma satisfação e uma grande honra ter sido escolhido como paraninfo da turma de vocês. É também uma grande surpresa ser lembrado. Digo isso porque os erros que eu cometi no início da minha carreira de professor foram tantos e tão grandes que os alunos provavelmente queriam me esquecer bem rapidinho, de preferência bem antes da formatura.

Um fato do qual eu nunca me esqueço ocorreu por volta do meu quinto ano aqui na UTFPR.

Eu estava chegando ao campus quando me dei conta de que havia esquecido as notas de aula. Pior do que isso: eu havia esquecido também os meus livros e até mesmo o crachá, que me permitiria emprestar um livro da biblioteca. Para piorar, nenhum dos meus colegas presentes tinha um livro que eu pudesse usar como guia.

Em uma situação dessas, o melhor que um professor razoavelmente inteligente poderia fazer seria dar uma aula de exercícios ou cancelar a aula. Mas eu resolvi prosseguir com uma aula expositiva.

Entrei na sala apenas com giz, apagador e adrenalina. Afinal, o pior que poderia acontecer era apenas um desastre completo. Então, aconteceu uma coisa fantástica: ao começar a falar, descobri que eu não precisava de notas de aula. Todo o conteúdo me veio à mente automaticamente, como seu eu tivesse feito aquilo durante toda a vida, não durante apenas cinco anos.

Naquele tempo, as aulas de Conversão 2 começavam às 19h30. Tínhamos duas aulas de 50 minutos, fazíamos um intervalo e voltávamos para mais uma aula de 50 minutos. Durante as duas primeiras aulas, enchi o quadro negro com gráficos, diagramas e equações. Foi incrível. Consegui expor toda a matéria sem que os alunos percebessem que eu quase havia cancelado a aula. Foi um show.

Durante o intervalo, fiquei olhando para o quadro negro e me admirando por ser tão esperto.

Então, os alunos começaram a voltar do intervalo. Um deles veio falar comigo e me perguntou como seria a primeira prova. Eu disse que a prova seria baseada no conteúdo exposto em sala de aula.

“Mas nós vamos fazer exercícios?” – perguntou ele.

Eu disse que sim, e ele continuou:

“É que eu conversei com o pessoal durante o intervalo e eles estão todos preocupados”.

Eu perguntei o porquê da preocupação e ele respondeu:

“É que ninguém entendeu nada da aula”.

Assim, as minhas piores expectativas haviam se concretizado: a aula havia sido realmente um desastre completo.

Eu devo ter demorado mais outros cinco anos para entender o que havia acontecido de fato naquela noite, e isso certamente aconteceu em várias noites antes e depois.

Durante muito tempo, eu planejara as minhas aulas tendo em mente um tipo particular de aluno: um aluno que seria muito parecido comigo mesmo. Na verdade, esse aluno seria eu mesmo. Em minha defesa, tenho que acrescentar que esse tipo de comportamento é muito comum e esperado em seres humanos.

Tanto isso é verdade que os psicólogos dizem que a coisa mais bonita que existe é o espelho.

Não sei se sou hoje um professor melhor do que há 10 anos. Espero que sim. De qualquer forma, o problema da educação sempre me interessou e sempre me preocupou.

Na década de 80, quando eu era aluno do curso técnico, eu ouvi falar pela primeira na Coréia do Sul, quando um professor comentou sobre a receita sul-coreana para o desenvolvimento: investimentos maciços em educação e saúde.

Os dados históricos mostram que a Coréia do Sul investiu antes e cresceu depois. Nós, brasileiros, com essa ânsia latina pelo imediatismo, tentamos fazer tudo ao mesmo tempo.

Hoje, a Coréia do Sul tem uma população de 49 milhões de habitantes e renda per capita de US$ 24.500 (a 34ª maior do mundo).

O Brasil, com uma população de 190 milhões, tem uma renda per capita de US$ 9.500.

A Coréia do Sul é a 12ª economia mundial. O Brasil é a 10ª economia mundial, mas nós temos que dividir um bolo apenas um pouco maior do que o coreano por uma população quase quatro vezes maior.

Mas não é suficiente investir em educação. Não é suficiente ter professores e alunos brilhantes. É preciso investir na direção certa. É preciso estimular a iniciativa individual e o respeito a ela. É preciso valorizar o espírito empreendedor, que é o verdadeiro motor de uma economia moderna.

Um exemplo disso, mais uma vez, vem da Coréia do Sul.

Certa vez uma delegação sul-coreana esteve em visita às instalações da Electrolux, aqui em Curitiba. Como os coreanos não falavam português, e os brasileiros não falavam coreano, a língua usada para comunicação era o inglês. Ou uma coisa tão parecida como o inglês quanto possível.

Um dos gerentes brasileiros da Electrolux era o Paulo Roberto Ross, irmão de um colega meu, e que ficou conhecido entre os coreanos com “Mita Lóss”, que significa “Mister Ross” em inglês coreano.

Um belo dia, Mita Lóss percebeu que um dos coreanos havia faltado. Ao preguntar por ele, o chefe da degação respondeu que o moço tinha aproveitado para dar um pulinho na Bolívia e tentar vender alguns refrigeradores.

“Mas ele fala inglês?” – perguntou Mita Lóss.

“Não. Ele não fala nadinha de inglês” – respondeu o coreano.

“Então ele fala espanhol?” – continuou Mita Lóss.

“Não. Nada de espanhol também” – respondeu o coreano.

“Alguma coisa de português, então?” – arriscou Mita Lóss.

“Não. Ele fala menos português do que espanhol” – respondeu mais uma vez o coreano.

“Então, como ele vai fazer para vender refrigeradores na Bolívia?”

E o coreano respondeu:

Ah, Mita Lóss, veli dificult, veli dificult!

Mas os coreanos não queriam nem saber das dificuldades. Eles estavam no Brasil, a milhares de quilômetros de casa, e simplesmente não podiam perder uma oportunidade de aproveitar ao máximo a viagem.

O resumo da história é que não adianta ter a melhor educação do mundo, a tecnologia mais avançada e os melhores empregos. É preciso também ser um pouco maluco.

Esse lado empreendedor meio amalucado é uma das razões do sucesso econômico da Coréia. As maiores empresas sul-coreanas são internacionalmente conhecidas:, como Hyundai, Samsung, LG, SK.

Por causa da educação de primeira e desse espírito empreendedor, a Coréia do Sul ocupa hoje o 30° lugar no índice de facilidade em se fazer negócios.

O Brasil ocupa o 122° lugar.

A facilidade em se fazer negócios e o excelente nível educacional produzem também outros efeitos: a Coréia do Sul ocupa hoje o 42° lugar no índice de percepção da corrupção.

Nessa classificação, o Brasil ocupa um 72° lugar não muito honroso. Pelo menos estamos à frente da Argentina...

O espírito empreendedor, esse lado amalucado que é necessário ao desenvolvimento econômico, já havia sido ressaltado por Joseph Schumpeter, economista que viveu entre 1883 e 1950.

Schumpeter era uma figura difícil e tinha apenas três ambições na vida: ser o maior amante da Europa, ser o maior cavaleiro do mundo e ser o maior pensador econômico que já existiu. Modesto, o moço.

Schumpeter teria algo a dizer sobre o fracasso do modelo econômico da Coréia do Norte, país que compartilha muitas coisas com a Coréia do Sul, como tradições, cultura e língua, mas que fez escolhas históricas diferentes. O fato é qualquer governo que suprima a iniciativa individual e a liberdade, acaba por suprimir também os incentivos econômicos e decreta o próprio fim.

Schumpeter também ressalta que empreendedorismo exige apetite para o risco. E risco implica na possibilidade de fracasso.

Mas risco é com vocês mesmos. Afinal, vocês se arriscaram no vestibular e continuaram se arriscando várias vezes durante cada um dos semestres do curso. Disso tudo ficou a lição de que assumir riscos não é loteria. É necessário estar preparado, é necessário estudo, é necessário planejamento.

Alguns fatos e acontecimentos no Brasil indicam que podemos estar no caminho correto. Nosso investimento em educação já é de 4,5% do PIB, mesmo nível dos investimentos sul-coreanos antes do milagre econômico. Talvez possamos chegar a 7% nos próximos anos.

Além disso, temos coisas que os coreanos não tinham na década de 80, quando aquele país começou a emergir como potência econômica. Temos tecnologia mais avançada, temos mais gente, mais universidades, mais empresas inovadoras e temos duas seleções de futebol muito melhores do que as dos coreanos.

E, acima de tudo, temos uma coisa com a qual os coreanos não podiam contar. Temos vocês. Assim, continuem firme nessa corrida, pisem fundo no acelerador e vamos fazer desse país uma potência. Não por bravata, mas simplesmente porque não existe alternativa.

Obrigado a todos pela paciência. Vocês são ótimos. Vida longa e próspera!

sexta-feira, setembro 28, 2007

Frase do dia - 28/10/07

"O aspecto mais triste da vida atual é que a ciência acumula conhecimento mais rápido do que a sociedade acumula sabedoria."

Isaac Asimov (1920 - 1992)

Autor de ficção científica e de
divulgação científica.

quarta-feira, setembro 26, 2007

O ataque da aranha marrom

Curitiba, capital do estado do Paraná, é também a capital nacional da aranha marrom. Basta entrar no Google com as palavras "aranha marrom" e "Curitiba" para se obter centenas de links. Os alunos da Universidade Federal do Paraná já publicaram várias dissertações de mestrado e teses doutorado sobre o assunto e o aracnídeo é bastante pesquisado por aqui (dentro das possibilidades financeiras atuais). Existem, por exemplo, pesquisas que utilizam clonagem molecular [1], pesquisas sobre os hábitos das aranhas [2] e pesquisas em busca de vacinas [3].

Os acidentes por picadas de aranha marrom em Curitiba somaram 2.483 casos em 1995, aumentando para 3.741 casos em 2004 e caindo para 2.400 em 2006. O ano de 2007 certamente será encerrado com mais de 1.000 casos. No Paraná, ao contrário do que ocorre em outros estados, os acidentes com aranhas correspondem a 35% dos casos de envenenamento [4]. Os ataques são mais numerosos durante a primavera e o verão, quando as aranhas se tornam mais ativas, mas ocorrem em algum grau durante o ano todo.

A aranha marrom mais comum em Curitiba (Loxosceles intermedia) foi identificada por Mello-Leitão em 1964. Em outros estados do sul e do sudeste também são comuns as espécies Loxosceles laeta e Loxosceles gaucha. A aranha marrom não é agressiva, mas ataca quando se sente ameaçada, especialmente quando comprimida contra a pele, o que pode acontecer quando as pessoas se vestem ou se calçam. A picada não é particularmente dolorida e após algumas horas o local pode ficar avermelhado. Contudo, entre 12 e 24 horas após a picada, a região atacada pode ficar arroxeada, evoluindo nos dias seguintes para necrose (morte do tecido). Em vários casos é necessária a realização de cirurgia plástica reparadora [5].

As toxinas presentes no veneno também podem causar insuficiência renal, principal causa de morte por picada de aranha marrom. Felizmente, os casos fatais são raros. Em Curitiba, o Centro de Controle de Envenenamentos (CCE) do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), opera um serviço gratuito pelo telefone 0800-41-0148. O serviço funciona 24 horas por dia e orienta a população a respeito dos acidentes com aranha marrom. O atendimento aos acidentados é feito também por meio de 107 unidades municipais de saúde. Em todas as unidades 24 horas é possível fazer tratamento com soroterapia.

Em caso de suspeita de picada por aranha marrom, recomenda-se que a vítima beba bastante líquido, não manuseie nem coloque soluções caseiras sobre a ferida e procure rapidamente uma unidade de saúde, à qual se deve retornar diariamente durante os próximos dois ou três dias, para fins de acompanhamento. Dependendo da quantidade de veveno injetada, da idade e condições de saúde da vítima, o acompanhamento pode se estender por trinta dias.

Atualmente não existe veneno eficaz contra a aranha marrom, mas algumas providências podem ser tomadas para minimizar o aparecimento do animal. A primeira delas é manter a casa em boas condições de limpeza. A aranha gosta de se esconder detrás de papeis, quadros, cantos escuros, móveis, etc. Não é suficiente limpar. É necessário limpar e manter limpo. É claro que isso dá trabalho e é mais fácil de falar do que de fazer, mas não há alternativa. A segunda providência é verificar se as aranhas não estão presentes em roupas, antes de vestí-las, e em sapatos, antes de calçá-los. A terceira providência é tentar conseguir algumas lagartixas. Isso é difícil, pois algumas pessoas têm medo de lagartixas e esses animais são difíceis de se encontrar. De fato, o desaparecimento das lagartixas no meio urbano é uma das possíveis razões para a proliferação de aranhas e insetos.

Sendo eu um morador de Curitiba, minha convivência com a aranha marrom vem de longa data. Esse peçonhento aracnídeo esteve presente nos três lugares onde morei. Comia de graça, não pagava aluguel e reproduzia-se de maneira promíscua e incestuosa. Dois desses lugares eram casas, mas um deles era um apartamento relativamente novo e fácil de limpar. Ainda assim, a aranha marrom estava por todos os cantos. Mata-se um punhado delas e outras aparecem no dia seguinte. Na minha residência atual, contabilizei 23 aranhas no último verão, após uma única noite de matança. No dia seguinte, voltei a encontrar algumas sobreviventes. É por esse motivo que um conhecido professor da UTFPR costuma dizer que a aranha marrom é o único animal conhecido que se reproduz por geração expontânea. Desconfio que, se Pasteur fosse curitibano, ele teria ficado em dúvida sobre o assunto!

As fotografias que ilustram esse post não são para estômagos fracos e foram retiradas da referência [6], embora estejam espalhadas por vários sites. Não sei porque a vítima demorou três dias para procurar ajuda médica e nem se ela teve problemas renais. Há alguma evidência de que a picada tenha se originado de uma Loxosceles reclusa (brown recluse spider), nativa dos Estados Unidos e presente desde o Meio-Oeste até o Golfo do México. A vítima em questão seria um residente do Texas e foi sumbetida posteriormente a uma cirurgia reparadora, com enxerto de pele retirada da região abdominal [7]. Há alguma dúvida se as lesões exibidas se devem realmente à picada de uma loxosceles [8], pois na internet não se pode ter certeza sobre a veracidade de algumas informações. De qualquer forma, a julgar por imagens encontradas em outros lugares [3], essas fotografias podem muito bem ser reais. Assim, se seu dedo começar a necrosar e, especialmente, se ele começar a se desgrudar do resto da sua mão, não tarde em buscar ajuda médica!


[1] http://www.aenoticias.pr.gov.br/modules/news/article.php?storyid=15784
[2]http://www.jornaldoestado.com.br/index.php?VjFSQ1VtUXlWa1pqU0ZKUFVrZDRUMWxYZUZaTlJsSjFZMFZLYVZadVFsWlVWVkpUVkRGV1ZVMUVhejA9
[3] http://www.jornalcomunicacao.ufpr.br/node/411
[4]http://www.jornaldoestado.com.br/index.php?VjFSQ1VtUXlWa1pqU0ZKUFVrZDRVRlZyVlhkbFZsSldWVzAxYVZadVFsWlVWVkpIVkd4V1ZVMUVhejA9
[5] http://www.butantan.gov.br/materialdidatico/numero9/numero09.pdf
[6] http://www.evangelicosaude.com.br/publicador/site/noticia.asp?ncod=59
[7] http://kcfac.kilgore.cc.tx.us/mobleypageap1/brown_recluse.htm
[8] http://www.snopes.com/photos/bugs/brownrecluse.asp

Frase do dia - 26/09/07

"Os grandes navegadores devem sua reputação aos grandes temporais e tempestades."

Epicuro (341 a.C - 270 a.C.), filósofo
grego, apud Joelmir Beting, 18/04/2002.

quarta-feira, setembro 19, 2007

SBSE 2008 – Simpósio Brasileiro de Sistemas Elétricos

O SBSE 2008 – Simpósio Brasileiro de Sistemas Elétricos – será realizado em Belo Horizonte, entre 27 e 30 de abril de 2008. Os trabalhos poderão ser submetidos entre 21 de setembro e 15 de novembro. Apenas trabalhos completos serão aceitos.

O SBSE sucedeu os Encontros Nacionais de Engenharia de Alta Tensão – ENEAT, realizados nos anos de 1995, 1997 e 2000. O SBSE 2006 foi realizado em julho de 2006, por iniciativa da Universidade Federal de Campina Grande, com apoio da CHESF. A edição de 2008, que será sediada pela Universidade Federal de Minas Gerais, certamente consolidará esse evento como um importante forum de debates sobre assuntos do Sistema Elétrico Brasileiro.

Os temas para o SBSE 2008 são os seguintes:

  • Engenharia de Alta Tensão e suas aplicações.
  • Estabilidade Eletromecânica e de Tensão.
  • FACTS e Aplicações de Eletrônica de Potência.
  • Geração e Fontes Alternativas de Energia.
  • Planejamento da Expansão.
  • Planejamento da Operação.
  • Monitoramento e Diagnóstico.
  • Qualidade de Energia e Compatibilidade Eletromagnética.
  • Sobretensões e Coordenação de Isolamento.
  • Técnicas de Ensaio e Medição.
  • Proteção, Automação e Controle.
  • Eficiência Energética.
  • Mercados de Energia Elétrica.
  • Métodos Probabilísticos e Otimização.
  • Inteligência Computacional Aplicada a Sistemas Elétricos.
  • Modelagem, Simulação e Análise.
  • Ensino e Mercado de Trabalho.
  • Normalização e Regulamentação.

Mais informações podem ser encontradas no site do evento.

terça-feira, setembro 18, 2007

Preparativos para o XIX SNPTEE

As inscrições para o XIX SNPTEE – Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica continuam abertas. Para não sócios do Cigré, o preço é R$ 930 (é caro, mas é só uma vez a cada dois anos).

O XIX SNPTEE será realizado entre 14 e 17 de outubro de 2007, no Riocentro, o melhor centro de convenções da América do Sul, recentemente modernizado por ocasião do Pan-Americano. O evento é promovido pelo Cigré-Brasil e coordenado por Furnas Centrais Elétricas S.A.

A grade dos trabalhos a serem apresentados já está disponível e pode ser acessada em http://www.xixsnptee.com.br/SNPTEE/65449-54124-grade_prog_XIX_SNPTEE.pdf . A UTFPR e a Electra Energy comparecerão com quatro trabalhos de três autores diferentes. Também estarão presentes os trabalhos de pelo menos quatro outros egressos e um ex-professor da UTFPR.

sábado, setembro 15, 2007

UNIOESTE-PR realiza concurso público

A Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Unioeste-PR, informa que abriu concurso público para professor efetivo em diversas áreas. São 48 vagas para os campi de Cascavel, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Marechal Cândido Rondon e Toledo, a maioria para 40 horas e Dedicação Exclusiva. Mais informações no site da Unioeste.

terça-feira, setembro 11, 2007

Mais um pouco sobre dublagem de seriados: os “cristais delirantes” de Star Trek

Um colega que leu o meu post anterior, e que trabalha com tradução profissional, acredita que o erro de tradução de “circuit board” tenha sido acidental, algo como dizer “quente água”. Talvez. Ele também comenta que o erro dos tradutores do seriado “24 Horas”, que traduziram “circuito de placa” em vez de “placa de circuito”, não se compara “às legendas das batalhas espaciais de Babylon 5, ao fato se de referirem a aviões de combate sempre como ‘naves’, naqueles programas que passam na quinta à noite no The History Channel ou, o que talvez seja o caso mais clássico de todos, os 'cristais delirantes' do primeiro filme de Star Trek”.

“Cristais delirantes”! Da mesma forma que muita gente da minha geração, eu assisti ao primeiro filme de Star Trek incontáveis vezes, nas versões legendada e dublada, mas confesso não ter percebido essa tradução criativa de “dilithium crystal” [1]. Contudo, me lembro claramente da tradução de “warp” como “arqueada”, termo que deixa claro que os tradutores não tinham idéia do que se passava no filme.

Por coincidência, ontem à noite o SciFi Channel estava exibindo o episódio “Elementary, Dear Data” [2], do início da segunda temporada de “Star Trek: The Next Generation”. No início do episódio, Data está conversando com La Forge e comenta algo sobre as habilidades do engenheiro, dentre as quais estaria a capacidade de trabalhar com “reguladores de delírio”.

Para quem tem que cumprir prazos e metas, deve ser realmente fácil confundir “dilithium” (uma palavra que existe também no mundo real) com “delirium” ou “deliriant”. Ainda assim, será que os tradutores não perceberam que o resultado, com o perdão do trocadilho, ficou delirante demais?

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[1] WIKIPEDIA. Dilithium (Star Trek). Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Dilithium_%28Star_Trek%29>.
[2] STARTREK.COM. Elementary, Dear Data. Disponível em: <http://www.startrek.com/startrek/view/series/TNG/episode/68364.html>.

sábado, setembro 08, 2007

O fantástico “Circuito de Placa” do seriado 24 Horas

No início de julho de 2007, o canal Fox passou a exibir toda sua programação dublada em português, em substituição ao tradicional som original com legendas. Na época, a assessoria de imprensa do canal declarou que o novo sistema era experimental e que pretendia avaliar a rejeição ou aprovação por parte dos telespectadores [1].

Três meses depois, há indícios de que a medida pode ter sido desastrosa. De acordo com um relatório divulgado pelo Ibope, entre junho e julho a Fox caiu da oitava para a décima posição na classificação dos canais da TV paga [2]. Os números ainda precisam ser melhor avaliados, pois a métrica que o Ibope divulga para a TV paga é o “alcance” (número de telespectadores que sintonizam determinado canal durante pelo menos um minuto), e não a “audiência” (média de telespectadores que sintonizam um canal ou programa durante um intervalo maior de tempo). Mesmo assim, trata-se de uma evidência de que o novo sistema não está dando certo.

Particularmente irritados ficaram os fãs do seriado “24 Horas”, cuja sexta temporada está sendo exibida pela Fox. Não é preciso dizer o quão radicais os fãs de seriados podem ser quando deparados com mudanças em aspectos que consideram intocáveis. Para piorar a situação, a dublagem de “24 Horas” não é apenas uma traição àqueles que acompanham o seriado desde o início. A dublagem é também ruim. Prova disso é a tradução dada ao termo “circuit board”, citado a partir do 18° episódio da sexta temporada [3].

Mesmo aqueles que têm um conhecimento apenas elementar da língua inglesa sabem que a tradução correta de “circuit board” é “placa de circuito”. As placas em questão são construídas com fibra de vidro ou fenolite e contêm os caminhos elétricos que ligam os diversos componentes de um circuito eletrônico. A rigor, deveríamos dizer “placa de fiação impressa”, pois os componentes eletrônicos também fazem parte do circuito, mas não são impressos na placa. Apenas a fiação é impressa. Contudo, os termos “placa de fiação”, “placa de circuito”, “fiação impressa” ou “circuito impresso” são tradicionalmente usados. O termo “placa” também é frequentemente usado, desde que o contexto deixe claro do que se trata. E, em geral, o contexto é tão claro que a mera citação da palavra “placa” não deixará dúvida alguma em um engenheiro eletrônico.

Apesar disso, os tradutores de “24 Horas” resolveram usar o termo “circuito de placa”, que realmente dói no ouvido. Uma rápida pesquisa no Google teria evitado o vexame.


[1] UOL Televisão. 05 jul. 2007. Disponível em: <http://televisao.uol.com.br/ultnot/2007/07/05/ult4244u230.jhtm>.
[2] Folha Online. 31 ago. 2007. Disponível em:
< http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3108200704.htm>.
[3] 24 Episode Guide. Season 6. Disponível em:
< http://www.fox.com/24/episodes/11pm.htm >.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Addio Luciano!

Luciano Pavarotti, um dos tenores mais conhecidos do mundo, faleceu ontem, aos 71 anos. Nascido em Modena, terra natal de Enzo Ferrari, Pavarotti fora diagnosticado com câncer de pâncreas em 2006, submetendo-se a uma cirurgia de remoção. Em agosto de 2007, a saúde de Pavarotti começou a deteriorar, indicando que a cirurgia não havia sido bem sucedida.

A carreira de Pavarotti começou em 1961, com a ópera La Bohème, no papel de Rodolfo. Embora bem sucedidas, as primeiras apresentações não deram ao tenor o reconhecimento de que viria gozar anos mais tarde. O reconhecimento mundial veio na década de 90, quando a gravação de Pavarotti da ária Nessun Dorma, da ópera Turandot, de Puccini, foi usada pela BBC durante a cobertura da Copa do Mundo de 1990, na Itália. Na mesma época, a apresentação dos “Três Tenores” (Pavarotti, Domingos e Carreras), no final da Copa do Mundo, ampliou ainda mais o reconhecimento.

Nessun Dorma fez parte dos esforços de Pavarotti para levar o canto lírico ao grande público. Esses esforços, nem sempre bem compreendidos pelos amantes da ópera, também incluiram uma certa fusão entre música erudita e música pop, por meio de parcerias com Bono, Sting, Suzane Vega, Brian May, Bob Geldof e outros.

O funeral de Pavarotti, que será realizado amanhã em Modena, cidadezinha de 180 mil habitantes, deverá ser acompanhado por mais de 200 mil pessoas.

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[1] FOLHA ONLINE. Tudo que já foi publicado sobre Pavarotti. Disponível em <http://busca.folha.uol.com.br/search?q=%22Pavarotti%22&site=online&src=redacao>.

quinta-feira, setembro 06, 2007

VI SPMCH - Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais Hidrelétricas

O VI Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais Hidrelétricas (SPMCH) será realizado em Belo Horizonte, entre os dias 21 e 25 de abril de 2008.

O evento é organizado pelo Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB) e o temário proposto é o seguinte:

  • Tema 21 - Aspectos Políticos, Legais, Institucionais e Planejamento e Gestão.
  • Tema 22 - Aspectos Ambientais e Qualidade.
  • Tema 23 - Projeto, Construção e Montagem.
  • Tema 24 - Auscultação, Manutenção e Segurança.
  • Tema 25 - Operação, Recapacitação e Descomissionamento.

Os autores têm até 31 de outubro de 2007 para enviar os trabalhos, que devem ser elaborados de acordo com o modelo disponível em http://www.cbdb.org.br/texto/modelo_trabalhos.dot.

Demais instruções podem ser obtidas na página do evento: http://www.cbdb.org.br/destaques/familias.asp?codigo=47.

quarta-feira, setembro 05, 2007

O ser humano é uma besta quadrada (*)

Da Rússia chegou-nos em fevereiro último mais uma notícia sobre o antigo debate entre religião e ciência. Uma adolescente de 16 anos, de nome Maria Schreiber, abriu uma ação judicial alegando que o livro-texto de biologia usado na escola que freqüenta é ofensivo aos crentes, e que os professores deveriam oferecer uma alternativa à teoria da evolução de Darwin. A corte russa rejeitou a ação, mas a estudante e seu pai afirmaram que iriam recorrer da sentença [1].

Esse é um daqueles casos em que não sabemos se devemos rir ou chorar. O único ponto positivo é que o fato ocorreu na Rússia, não no Brasil, e não iremos nos tornar, ao menos dessa vez, objeto de chacota internacional.

Não tenho certeza que parte da teoria da evolução os crentes entendem como ofensiva, mas imagino que seja aquela que afirma que o homem e os macacos atuais compartilham de um ancestral comum, o qual começou a se diversificar há 40 milhões de anos. Esse fato é geralmente expresso pela frase “o homem descende do macaco”, com a ressalva obrigatória de que se trata de um macaco primitivo, não de um macaco atual. Homens, gorilas, chimpanzés, orangotangos, etc., são, portanto, primos genéticos.

A afirmação de que o homem evoluiu de um ancestral primitivo não me ofende em nada, embora eu não tenha certeza sobre o que os chimpanzés pensam dela. Particularmente, tive a sorte de ser muito jovem da primeira vez em que ouvi meu pai, sempre muito esclarecido, dizer que “o homem veio do macaco”. Tão jovem e ingênuo que me lembro de ter pedido a que ele que me mostrasse uma fotografia da época em que ele era macaco... Aos cinco ou seis anos, eu já era um cético.

Infelizmente, o termo “evolução”, em seu sentido biológico, não significa “melhoramento”, mas apenas “modificação”. Não somos melhores do que chimpanzés, gorilas e orangotangos, mas apenas diferentes deles. Somos mais pelados, mais cabeçudos e temos uma cultura mais refinada, mas não somos melhores do que nossos parentes peludos. Talvez sejamos mais inteligentes, mas apenas no sentido muito humano que atribuímos ao conceito de inteligência. Mas não somos mais éticos, não somos mais divinos, não somos mais santos. Não existe melhor prova disso do que as notícias que nos chegam o tempo todo da África, lar de três das quatro espécies de grandes símios.

O gorila da montanha é provavelmente a subespécie mais conhecida desse magnífico animal. Um gorila macho típico pode pesar 180 kg e atingir até 1,7 m, quando totalmente ereto. A força muscular de um gorila é tão superior à humana que, se você for atacado por um deles, o melhor conselho é fechar os olhos e torcer para que tudo acabe rapidamente. Contudo, a não ser que você se comporte de maneira muito tola, isso dificilmente acontecerá. Os gorilas são pacíficos e vegetarianos e, apesar da força descomunal e dos caninos pronunciados, mesmo os grandes machos dominantes preferem resolver as disputas por meio da intimidação e da demonstração de força, não por meio de lutas mortais [2]. Os únicos inimigos dos gorilas são os homens e os leopardos. Mas, mesmo dos leopardos, eles têm pouco a temer.

Em agosto deste ano, seis meses depois da russa Maria Shreiber ter manifestado sua indignação acerca de seus ancestrais biológicos, nove gorilas da montanha foram covardemente assassinados no Parque Virunga, no Congo. De acordo com a reportagem da revista Veja [3], o massacre teria sido organizado por ordem de madeireiros locais, os quais não conseguiram entrar na reserva para derrubar árvores.

Os mais radicais dentre os defensores dos direitos humanos certamente dirão que as condições de vida dos camponeses africanos não são muito melhores do que as dos gorilas, e que os humanos africanos só conseguem sobreviver à custa da exploração do mercado negro de animais selvagens. Talvez. Todavia, existem mais de 60 milhões de seres humanos no Congo, mas menos de 400 gorilas da montanha. Dentro de 30 anos não haverá mais gorilas andando pelas montanhas, mas os seres humanos continuarão numerosos e famintos.

Talvez seja apenas azar dos gorilas, bem como de tantos outros animais, terem co-evoluído com a espécie mais beligerante que já habitou o planeta. Mas o azar é nosso também. Afinal, talvez alguns se lembrem do massacre em Ruanda, que faz fronteira com o Congo, no qual um milhão de humanos foram mortos em 1994, sem que país algum protestasse. Se não conseguimos evitar nem mesmo o massacre de seres humanos, que esperança haverá para os gorilas da montanha?

Assim, Maria Schreiber não deveria se ofender por descender de símios primitivos ou por ser prima de gorilas e orangotangos e prima-irmã de chimpanzés. Nenhum desses animais, por selvagem que seja, pratica o genocídio.

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(*) Frase freqüentemente citada pelo professor Newton da Costa, matemático e lógico brasileiro, reconhecido internacionalmente por suas pesquisas em lógica paraconsistente, área do conhecimento que ele ajudou a criar. Detalhes adicionais em
< http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/newtondacosta_biografia.html>.

[1] ESTADÃO. Justiça russa se recusa a proibir ensino da evolução. 21 fev 2007. Disponível: <http://estadao.com.br/ciencia/noticias/2007/fev/21/252.htm>.

[2] Berggorilla & Regenwald Direkthilfe. Acesso em: 05 set. 2007. Disponível em: <http://www.berggorilla.org/english/frame.html>.

[3] Veja. E ainda nos julgamos superiores. 02 set. 2007. Acesso em: 05 set. 2007. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/290807/p_126.shtml >.

terça-feira, setembro 04, 2007

UTFPR, campus Ponta Grossa, lança programa de mestrado profissional

A CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, aprovou, no último dia 27 de julho, a criação do segundo programa de mestrado do campus Ponta Grossa da UTFPR, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. A novidade é que agora se trata de um curso de mestrado profissional, que difere do tradicional mestrado acadêmico em vários aspectos.

Os cursos de mestrado profissional começaram a aparecer no Brasil em 1998, quando foram criados pela CAPES [1]. Atualmente, existem 229 desses cursos no Brasil, mas apenas 9 no Paraná [2].

Nos Estados Unidos e em outros países, os mestrados profissionais já existem há tempos. Por exemplo, enquanto o MSc (Master of Sciences) corresponde ao nosso mestrado acadêmico, existem também o MA (Master of Arts), o MEng (Master of Engineering), o MBA (Master of Business Administration) e vários outros. A duração típica desses cursos é de dois anos, com a segunda metade do curso dedicada à preparação de uma dissertação. Alguns deles exigem dedicação exclusiva, outros não.

No Brasil, muitos mestrados profissionais têm a carga horária concentrada em horários que podem ser freqüentados por alunos que não conseguem dispensa das empresas onde trabalham. Nesse aspecto, tais cursos são semelhantes a muitos cursos de pós-graduação lato sensu. A vantagem é que os mestrados profissionais são strictu sensu, conferem o grau de mestre (e não de especialista) e, ao contrário dos cursos lato sensu (o que inclui os nossos famosos MBA Executivos), são avaliados pela CAPES.

O programa de mestrado da UTFPR/Ponta Grossa deve ter início no primeiro semestre de 2008. A área de concentração é Ciência, Tecnologia e Ensino, em duas linhas: (a) construção do conhecimento e linguagem no ensino de ciência e tecnologia; (b) ciência e tecnologia no contexto do ensino-aprendizagem. As inscrições devem ter início em janeiro próximo, mas os horários das aulas ainda não estão definidos. Mais detalhes deverão estar brevemente disponíveis em [3].

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[1] UNIVERSIA. Conhecendo o mestrado profissional. 29 out. 2004. Disponível em: <http://www.universia.com.br/html/materia/materia_ffgf.html>.
[2] CAPES. Perfil da pós-graduação. 03 set. 2007. Disponível em: <http://servicos.capes.gov.br/projetorelacaocursos/jsp/regiaoDet.jsp>.
[3] UTFPR – campus Ponta Grossa. Disponível em: < http://www.pg.cefetpr.br/>.