quarta-feira, novembro 09, 2005

Hugo Chávez e a Alca

"Alca, Alca, Alca. Al carajo!"

A frase acima foi dita por Hugo Chávez durante a Cúpula das Américas. Ele não estava entre amigos íntimos nem em uma festa particular. Tudo indica também que ele não estava em elevado estado de embriaguez. A frase foi dita em um discurso público a manifestantes contrários à presença de Bush, à Alca e a tudo que não seja tipicamente latino-americano.

Um chefe de estado, mesmo que trapalhão, deve manter um mínimo de compostura. A palavra empregada por Chávez ofende a todos e o expõe ao ridículo: como não tem argumentos além de seu ultranacionalismo fanático, ele só tem a dizer "up yours, Bush!"

Se a intenção de Chávez é evitar que a Venezuela seja invadida, essa não é a melhor maneira. Basta lembrar que Bush filho mandou triturar Bagdá somente para prender o homem que havia tentado matar papai Bush...

quinta-feira, novembro 03, 2005

Uma olhadela no assustador mundo do século XXI

Imagine um personagem fictício que ficou 10 ou 20 anos em coma e que acordou, subitamente, nesse mundo do século XXI. Ele não veria espaçonaves particulares, bases em Marte e equipamentos de teletransporte, mas o espanto seria grande. Além de ver o cargo de POTUS ocupado por alguém apenas um pouco mais inteligente do que Chauncey Gardiner, último personagem de Peter Sellers, ele se depararia com Arnold Schwarzenegger governando a Califórnia, Gilberto Gil no Ministério da Cultura e Hugo Chávez presidindo uma "democracia militarizada", sem deixar de perceber, é claro, que o PT assumiu o poder e conseguiu se meter na maior confusão que esse país já viu.

O espanto seria certamente a principal emoção que nosso personagem experimentaria. Ele ficaria chocado ao saber do 11 de setembro, mas esta é apenas uma pequena faceta desse mundo novo, com a devida vênia aos parentes dos mortos em Nova Iorque, Afeganistão e Iraque. O mundo ficou pior, muito pior. Não há mais lideranças, não há mais estadistas. Em todos os lugares, desde os EUA até o Oriente Médio, com passagem pelo Brasil, os religiosos procuram influenciar decisões políticas. O Papa é retrógrado, influenciado pelo Opus Dei, organização que representa o que existe de mais atrasado na atrasada Igreja Católica. Intelectuais de direita, que não se sabe se fazem papel de assessores ou de bobos da corte, exercem sua influência nefasta, aconselhando o governo mais poderoso do planeta a despejar toneladas de fúria em países do terceiro mundo, alegando, sem provas, estarem contribuindo para a erradicação de armas de destruição em massa.

Por outro lado, nosso personagem fictício perceberia que, na verdade, não mudamos em nada. Continuamos sendo muito parecidos com os macacos carnívoros e territorialistas que caíram das árvores há cerca de quatro milhões de anos. E, embora os cientistas saibam que somos descendentes de um grupo de menos de 10 mil humanos do paleolítico, sobreviventes de uma explosão vulcânica que quase dizimou a raça humana, e embora tal fato esteja espalhado pelos textos sagrados de todas as religiões, continuamos nos tratando como se fôssemos filhos dos deuses, reencarnações dos deuses ou, no mínimo, eleitos dos deuses. Mas não somos mais do que macacos cabeçudos, o que inclui o Papa, o Dalai Lama, o Arcebispo de Canterbury e Richard Feynman (a propósito, o atual Arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, um professor, teólogo e poeta, é dono de pensamento muito mais avançado do que o da sua contraparte católica).

Mas não é só o mundo humano que nos espanta nesse início de século. Algumas vezes eu acho que Gaia realmente existe, e que está fazendo suas primeiras tentativas para mostrar que nós, humanos, somos irrelevantes.

Encerramos o ano de 2004 com Gaia dando uma lambidinha no litoral de alguns países do Oceano Índico. Do nosso ponto de vista, essa lambidinha pareceu um tsunami, e lá se foram mais de 270 mil vidas. Em 2005, Gaia tem dado mostras de que está um pouco cansada com emissões térmicas e gases de efeito estufa. Como resultado, a Grande Mãe produziu alguns deslocamentos gasosos, para estabilizar a atmosfera. Do nosso ponto de vista, os deslocamentos pareceram furacões, tão intensos que fizeram o Grande Irmão Branco tremer. Um viajante espacial talvez desse alguma atenção a esse furacões, e então prosseguiria para Júpiter, para presenciar tempestades de verdade.

Agora, quando a temporada de furacões parece encerrada, aparecem notícias de uma grande epidemia mundial de gripe aviária, também conhecida como "doença do frango constipado". Gaia deve estar se divertindo conosco, esses macacos cabeçudos. Talvez ela esteja somente com saudades dos dinossauros, que eram muito mais divertidos e econômicos.
Felizmente, Gaia não existe. Ao menos não nesse sentido de deusa mitológica. Gaia é um conjunto de modelos da geo-biosfera terrestre, que indica certo grau de organização da vida em escala planetária.

De acordo com os proponentes da teoria da "Gaia forte", como James Lovelock e Lynn Margulis, Gaia se comportaria como um único organismo vivo de dimensões planetárias, responsável pela criação e perpetuação de um ambiente favorável à vida. Lovelock propõe que vejamos a vida terrestre como um sistema cibernético, capaz de realimentação homeostática e operado de maneira inconsciente e automática pelos biotas. Hipótese radical.

Seja como licença poética, seja como modelo científico de vanguarda, é impossível negar que esse ano de 2005 está sendo assombrado por Gaia. Mesmo longe de furacões e tsunamis, as variações de temperatura foram percebidas em todos os lugares, até mesmo em Curitiba. Como serão os anos vindouros? Não sei, mas imagino que o cenário mais assustador possa ser esse: Lula e Bush se reelegem, a gripe aviária chega ao Brasil, um tsunami atinge o Rio de Janeiro, que submerge, um furacão tropical atinge Santa Catarina e, finalmente, neva de verdade em Curitiba! E, claro, para espanto final do nosso personagem fictício, Hugo Chávez detona um artefato nuclear de pequena potência, apenas como teste.

terça-feira, novembro 01, 2005

Halloween, dia do saci e outras bobagens

Parece que tudo começou na cidade paulista de São Luís do Paraitinga, em 2003. Indignados com a crescente presença da cultura norte-americana entre as crianças, os vereadores da cidade instituíram o Dia do Saci, comemorado em 31 de outubro. Vereador serve para isso mesmo: para instituir leis de elevada importância para o bem-estar da população.

Pouco depois, Aldo Rebelo pegou carona no projeto. O ilustre deputado, que já propôs a criação de uma lei que proibiria a "importação" de palavras, sugeriu a criação de um dia nacional do saci, como alternativa à celebração do Halloween. A justificativa seria que o Halloween faz parte do plano dos americanos para dominação do mundo por meio da imposição cultural (que, nesse caso, nem é deles, mas emprestadas dos celtas). Assim, em vez da imposição da cultura norte-americana do Halloween, Rebelo oferece a imposição da cultura africana, que transformou o saci, inicialmente uma espécie de curumim de duas pernas, em um menininho negro que havia perdido uma das pernas lutando capoeira.

Mas talvez Rebelo esteja certo. Devemos nos livrar de uma vez por todas dessas influências estrangeiras que deturpam a alma nacional. Depois de instituído o dia do saci, sugiro também inventarmos um feriado nacional para colocar no lugar do Natal. Afinal, o Natal nada tem de brasileiro e é apenas uma invenção do cristianismo primitivo para abafar a celebração das saturnálias, festas pagãs em honra ao deus romano Saturno. As saturnálias começavam no dia 17 de dezembro e prosseguiam até o dia 25, dia do solstício de inverno na época (atualmente, dia 21). Além disso, os mitraístas, adeptos do mitraísmo, religião popular entre os soldados romanos, também celebravam em 25 de dezembro o renascimento do "deus sol invicto". Constantino, que tinha muito mais poder do que Aldo Rebelo, e que havia sido devoto de Mitras antes de sua conversão ao cristianismo, decidiu acabar com a bagunça, e instituiu 25 de dezembro como o dia do nascimento de Jesus de Nazaré. Um feriado sintético, assim como o dia do saci.

Também deveríamos acabar com o carnaval. Se os cristãos primitivos ficavam escandalizados com as saturnálias, o carnaval, que era aparentado destas festas, não lhes causava menor pavor. Alguns papas fizeram de tudo para acabar com o carnaval, que era um período de licenciosidade e afrouxamento da moralidade. Outros, contudo, eram patrocinadores da festa. Mesmo com o fim do império romano, quando o mundo ocidental ficou mais sério e mais chato, o carnaval continuou liberado aos cristãos, desde que estes cumprissem 40 dias de mortificação e abstinência depois de cair na farra, em uma espécie de compromisso entre o paganismo e a nova religião mais bem comportada.

É verdade que o carnaval é muito mais brasileiro do que o Natal, mas há pelo menos uma razão para que Rebelo acabe também com ele: há uma teoria segundo a qual o carnaval era celebrado no início da primavera, como forma de espantar maus espíritos, o que era feito por meio de procissões, com os participantes usando máscaras horripilantes e fazendo bastante barulho. Alguma semelhança com o Halloween?

Indo um pouco mais longe, podemos propor também a proibição da realização de festivais japoneses, como o Haru Matsuri, celebrado no início da primavera. Quem sabe isso não faz parte do plano de dominação do mundo pelos japoneses? É bom não arriscar, pois eles já tentaram isso antes!

O que os nacionalistas não percebem é que nada é tão puro quanto pensamos. Nós vivemos em uma terra que foi arrancada a força de outros povos, falamos uma língua que não é nossa e nos deliciamos com pratos que são mistura de tradições africanas, indígenas, árabes, italianas, portuguesas, etc. Ser brasileiro, se é que existe esse ser mitológico, é ser uma mistura de tudo o que existe. Propor uma festa para abafar a realização de outra é, assim, algo que vai contra o espírito nacional.

Trick or treat?