A produção de energia elétrica no Brasil é garantida por uma multiplicidade de usinas, as quais podem ser divididas, grosso modo, em hidrelétricas, termelétricas (carvão, gás, diesel e óleo combustível), nucleares (Angra I e II) e renováveis. Estas últimas incluem centenas de pequenas usinas, tais como hidrelétricas de pequena potência (CGHs - Centrais Geradoras Hidrelétricas, com capacidade menor ou igual a 1 MW, e PCHs - Pequenas Centrais Hidrelétricas, com capacidade entre 1 MW e 30 MW) e ainda usinas de cogeração qualificada, a biomassa e eólicas.
Uma diferença fundamental entre as usinas de grande potência, com capacidade igual ou acima de 50 MW, e as pequenas usinas, com capacidade abaixo de 50 MW, dentre as quais se encontram as renováveis, é que as usinas de grande potência são "despachadas" pelo ONS, enquanto as pequenas não o são. Em outras palavras, por razões de otimização da geração global, é o ONS quem determina quando irão gerar e quanta energia irão produzir as usinas de grande porte. As usinas de pequeno porte, por outro lado, entram em operação sempre que estiverem disponíveis, tanto do ponto de vista operacional quanto do ponto de vista da disponibilidade de água, combustível ou vento, de acordo com suas respectivas fontes primárias de energia. Isso poderia nos levar à conclusão, em uma análise grosseira, que, livre das restrições do ONS, a geração das pequenas usinas seria sempre próxima ou superior à prevista. Todavia, não foi isso que aconteceu em 2010.
Como apontado pela PSR [1], a produção de energia das fontes renováveis em 2010 foi de 2.760 MW médios, contra os 4.360 MW médios previstos, uma diferença de 37%. Antes que se diga que não devemos nos preocupar com tal redução, por se tratar "apenas de pequenas usinas", devemos nos lembrar que essa diferença (1.600 MW médios) corresponde à garantia física de uma hidrelétrica com capacidade instalada de 2.909 MW, se considerarmos um fator de capacidade de 55%. Para fins de comparação, trata-se de uma capacidade 73,6% superior à da UHE Governador Bento Munhoz da Rocha Neto ("Foz do Areia"), a maior usina do rio Iguaçu.
Mesmo não excluindo as possibilidades de superestimação intencional das garantias físicas das usinas renováveis ou de que 2010 tenha sido um ano excepcionalmente "azarado" em termos de vazões e ventos, a PSR aproveita para nos lembrar de uma terceira explicação possível para a redução da geração: a "maldição do otimizador", fenômeno previsto por Smith e Winkler em 2006, em um célebre artigo sobre análise decisória [2].
A construção de usinas, especialmente no caso de pequenas usinas, é essencialmente um problema de seleção de projetos: uma equipe de técnicos elabora estudos detalhados das várias usinas possíveis de serem construídas pela empresa e as elenca de acordo com algum critério de rentabilidade. A seguir, de acordo com a estratégia adotada pela empresa, uma equipe executiva decide quais usinas serão enviadas para os leilões do ACR ou construídas para suprimento de consumidores livres no ACL. Os executivos são geralmente mais avessos ao risco do que os técnicos e tendem a analisar os projetos de forma mais cética e isenta. Sendo assim, seria razoável supor que, na média, algumas usinas apresentariam desempenho maior do que o previsto e que outras apresentariam desempenho menor.
Contudo, isso não acontece e, de fato, o resultado será usualmente menor do que o esperado, mesmo que os decisores (os quais, em última análise, incluem também a EPE e a ANEEL) atuem de maneira isenta. Esta é a "maldição do otimizador". A explicação para este fenômeno pode parecer um pouco complicada, mas não muito.
Considere um problema decisório no qual existem n alternativas, cada uma com valor esperado nulo. Suponha também que o erro de cada estimativa do valor esperado tenha média nula e desvio padrão unitário. Isso significaria que, na prática, o desapontamento médio em relação aos projetos seria 50%, pois metade dos projetos teria desempenho negativo. Contudo, como os decisores tendem a selecionar alternativas com maior valor esperado, haverá um favorecimento das estimativas mais otimistas e, quando o número n de alternativas selecionadas aumentar, aumentará também a probabilidade de que alternativas cada vez mais otimistas sejam selecionadas. Tal seleção, por outro lado, tenderá a aumentar o desapontamento médio em relação aos projetos. Em resumo, o problema de se construir uma única usina que gere 900 MW médios é bastante diferente, e não só do ponto de vista da engenharia, do problema de se construir 60 usinas, cada uma gerando 15 MW médios.
Considerando que o desapontamento ocorre por causa do processo de decisão em si, e não por causa de uma predisposição ou falta de isenção dos decisores, a cura para a "maldição do otimizador" reside em mudar o processo de decisão. A PSR sugere, por exemplo, que a certificação de vazões e ventos seja realizada por uma agência independente, e não pelos próprios agentes ou por auditores contratados por eles. Além disso, devemos aprender a gerenciar melhor os desapontamentos, de preferência de forma não punitiva. O que não pode ocorrer é abandonarmos o investimento em fontes renováveis por causa de desapontamentos decorrentes delas.
[1] PSR, Por que a produção das renováveis está abaixo do esperado? Market Report, Ed. 55, julho de 2011. Disponível em
http://bit.ly/nqBbu6 (só para assinantes).
[2] SMITH, James E, WINKLER, Robert L. The optimizer's curse: skepticism and postdecision surprise in decision analysis,
Management Science, v. 52, n. 3, March 2006, p. 311-322.