segunda-feira, maio 22, 2006

O código de Leonardo

Na loja da Livrarias Curitiba do Shopping Curitiba há uma estante dedicada inteiramente a livros relacionados ao "Código Da Vinci" (sic). Na última vez que estive lá, no último 18 de maio, contei 32 livros dedicados a pegar carona no assunto, desde livros sobre o Opus Dei, sobre os Templários, Maria Madalena, bobagens como "O tarô de da Vinci", até, claro, livros "desmascarando" ou simplesmente "desvendando" o agora famoso "Código Da Vinci". Contudo, encontrei apenas um livro sobre Leonardo, e nem é um dos melhores. Há algo de preocupante em uma civilização que se dedica mais a teorias da conspiração do que à vida e obra do grande mestre da Toscana!

Como consolo, o Discovery Channel aproveitou a onda em torno do filme para reapresentar três especiais sobre Leonardo: "A tecnologia de Leonardo da Vinci", "O código de vida de Leonardo da Vinci" e "A vida secreta de Mona Lisa". O segundo deles não tem nada a ver com o "Código Da Vinci", mas apenas com a maneira como Leonardo via a vida. Naturalmente, o Discovery Channel também aproveitou para reapresentar o especial sobre o "Código Da Vinci", concluindo que Dan Brown é bom de ficção, mas péssimo de história.

quinta-feira, maio 11, 2006

Crise boliviana e falácias lógicas

Não há dúvidas que a Bolívia é o país mais miserável de um dos continentes mais miseráveis do mundo. Não há dúvidas que o país foi espoliado durante séculos a ponto de, mesmo sendo dono de enormes reservas de gás natural e petróleo, não ter conseguido atingir um nível de desenvolvimento superior ao do Paraguai, outro país espoliado e massacrado, inclusive pelos brasileiros. Contudo, querer nacionalizar reservas de hidrocarbonetos e expropriar instalações de empresas estrangeiras com base no argumento da espoliação é um grande exagero.

É claro que ninguém espera que um líder camponês como Morales, que cresceu plantando coca, entenda de lógica. Mesmo que a educação formal de Morales seja enormemente superior à do presidente do maior país da América do Sul, não se pode supor que ele seja capaz de grandes proezas intelectuais, ou mesmo de pequenas. Ele está apenas se vingando de uma exploração iniciada com os espanhóis, apelando fartamente para uma falácia lógica conhecida como "apelo à emoção".

O apelo à emoção funciona tanto melhor quanto mais baixo for o nível educacional dos ouvintes. O amor à nação, por exemplo, pode ser uma emoção nobre, mas usá-lo para manipular a opinião pública é intelectualmente censurável, pois se evita pensar na trabalhosa pesquisa e apresentação dos fatos, cujo entendimento depende, ainda, dos interlocutores. Esse é precisamente o caso de Morales, que subiu ao poder empurrado por camponeses revoltosos.

O apelo à emoção constitui também em uma solução de curto prazo e deveria ser evitado por verdadeiros estadistas. Morales ganhou notoriedade internacional com a nacionalização dos hidrocarbonetos, mas, depois que a tempestade passar, a Bolívia continuará tão miserável quanto sempre foi. O gás é boliviano, por certo, mas se o preço for abusivo, as indústrias brasileiras comutarão suas as fontes energéticas ou simplesmente fecharão, e a Bolívia ficará com seu precioso gás, mas sem dinheiro.

Outro detalhe é que, por mais emocional, grandiloqüente e teatral que seja o posicionamento de Morales, nada que se faça poderá reverter a espoliação sofrida pela Bolívia. O passado já passou, os custos estão afundados e a Bolívia deveria olhar para frente, como todos nós.

Sem falar que, espoliados, todos fomos e todos somos. Onde estão as toneladas de ouro, prata e pau-brasil existentes em território brasileiro antes da chegada de Cabral? Onde estão as toneladas de minério que exportamos anualmente, a preços de commodities, sendo forçados a comprar tecnologia caríssima? Onde está nosso direito de exploração da Amazônia, no momento saqueada por empresas internacionais? Vamos fazer como a Bolívia ou vamos tentar resolver a situação de maneira racional?

Infelizmente, nessa crise da nacionalização dos hidrocarbonetos, choveram falácias também do lado brasileiro. Depois daquela reunião em Puerto Iguazu, de onde Lula saiu cabisbaixo, humilhado e tendo que concordar com as razões de Morales, a imprensa não tardou a comentar que a atitude do governo brasileiro foi tépida demais. O Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, comentou então que a o Brasil não usaria a "política do porrete", perdendo a chance de perceber que existem infinitas possibilidades entre a humilhação internacional e a invasão militar da Bolívia.

Míriam Leitão deve ter sido a primeira jornalista a perceber que o ministro caiu na famosa falácia da "falsa dicotomia", que ocorre sempre que as possibilidades de atuação são reduzidas a apenas duas ("ou você está comigo, ou está contra mim", por exemplo). O Brasil certamente não precisaria "baixar o porrete" na Bolívia, usando a terminologia elegante do ministro, mas também não precisava ter concordado com Morales, sem divulgar sequer uma nota afirmando a insatisfação do governo brasileiro em ter sido surpreendido pela invasão das instalações da Petrobrás na Bolívia. Afinal, o gás pode ser boliviano, mas a Petrobrás é nossa (pelo menos até que seja privatizada).

Lula, talvez se lembrando de seu tempo de sindicalista, quando paralisava empresas e causava prejuízos gigantescos, concordou que a Bolívia também tem direito de chutar esses imperialistas, esquecendo-se que o investimento da Petrobrás na Bolívia é do povo brasileiro, não do governo FHC. É claro que exigir lógica de Lula, que freqüentemente tem que recorrer a metáforas futebolísticas para ilustrar seus pontos de vista, já seria demais. O problema é que, enquanto Lula se aferra a sua ideologia ultrapassada, Morales percorre o mundo, dizendo que a Petrobrás é contrabandista, que atua ilegalmente na Bolívia e que o Brasil comprou o Acre, em 1900, dando um cavalo em troca.

A esperança é que Lula, que costuma comparar as relações internacionais a um jogo de truco, tenha alguma carta escondida na manga.

sábado, maio 06, 2006

O petróleo é nosso, mas o gás é boliviano!

Deve ser difícil ser um país mais pobre do que o Brasil. Se aqui já falta de tudo, de água a energia elétrica, de comida a saneamento básico, de hospitais a políticos honestos, em vários lugares a situação é ainda pior. E, medido pelo IDH, existem 114 países nessa condição.

Pior ainda deve ser viver no país que ocupa a 113ª posição no IDH. Esse país, habitado por uma população menor do que a da cidade de São Paulo, com renda per capita de míseros US$ 3.000, não fica em um lugar remoto da África ou da Ásia, mas faz fronteira com o Brasil e, até fins do ano passado, mantinha relações razoavelmente boas conosco, embora fôssemos ocasionalmente chamados de gringos imperialistas.

Agora a situação mudou bastante e esse país miserável, a Bolívia, nos chama o tempo todo de imperialistas e acaba de dar o maior tiro no pé que um país latino-americano já deu desde a revolução cubana.

A Bolívia, país conhecido nos meios internacionais pela amável expressão "asno sentado em uma mina de ouro", tem a segunda maior reserva de gás natural da América do Sul, perdendo apenas para a Venezuela, mas não tem mercado para o produto. Qualquer país razoável deveria se contentar, nessas condições, em vender o gás para os países vizinhos e ficar com o dinheiro. Por razões históricas, contudo, isso que o mundo inteiro conhece como "comércio", os bolivianos chamam de "exploração". Mesmo que fosse, os bolivianos parecem se esquecer da terceira lei de Newton das relações internacionais: "toda ação corresponde a uma reação em sentido oposto e com o dobro da intensidade".

Os próximos meses mostrarão à Bolívia que é mais fácil plantar coca do que fazer papel de rato que ruge. De fato, a história mostra que todo país que fechou sua economia teve que recuar cedo ou tarde.

Enquanto isso, vamos tocar nossos projetos de bioeletricidade, pois o gás não existe mais, ou ficará caro demais em futuro próximo.