segunda-feira, dezembro 29, 2008

Após o programa...

Minha primeira participação na TV veio e se foi. Não foi tão fácil, não foi tão difícil. Não foi tão bem, não foi tão mal. Para quem está lá, em frente às câmeras, o tempo passa muito rápido e não consegui falar sobre tudo o que eu queria. Na área de energia, faltou falar sobre os grandes problemas ambientais a serem enfrentados pelas hidrelétricas em construção, projeto ou planejamento, assim como o fato bem consolidado de que nossa incapacidade em construir hidrelétricas implica na construção de usinas termelétricas, mais poluentes, mas de licenciamento ambiental facilitado.

Também faltou falar que já houve, de fato, um racionamento de energia no início de 2008, mas que foi um racionamento diferente, no qual, em vez de se reduzir o consumo de energia, as usinas térmicas foram convidadas a gerar no máximo da capacidade, economizando-se água dos reservatórios por causa de uma situação hidrológica desfavorável e remetendo-se os custos de curto prazo a consumidores livres, distribuidoras e comercializadores e os custos de médio prazo aos consumidores cativos, por meio dos reajustes tarifários subsequentes.

Na área de TI, faltou falar sobre produtos 3G, inovação "cauda longa", eventos "cisne negro" e sobre a estratégia comercial da Apple, centrada em produtos geniais, mas fáceis de serem imitados pelos concorrentes.

Tratando-se de um programa que acabou focado muito mais na crise financeira internacional, ficou difícil costurar esses assuntos em meio aos demais. Fica para a próxima, mas valeu.

Programa "Com a Palavra" de hoje

Correção: o tema do programa será "o que se pode esperar de 2009" (em várias áreas, inclusive a de tecnologia). Ficou mais fácil, ficou mais difícil...

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Participação no programa "Com a Palavra", 29/12

Para quem não tiver absolutamente nada o que fazer na noite do dia 29/12 (próxima segunda-feira), fui escalado para representar a UTFPR no programa "Com a Palavra", que vai ao ar às 19h, pela TV Educativa do Paraná. O tema do programa será "Tendências e perspectivas para a área de tecnologia".

"Com a Palavra" é um programa de debates e entrevistas apresentado pela jornalista Fabíola Guimarães e vai ao ar de segunda a sexta. Os telespectadores podem participar, enviando perguntas por e-mail (comapalavra@rtve.pr.gov.br) ou telefone (0800 643 7555) durante a exibição do programa.

A TV Educativa pode ser assistida pela antena parabólica, na frequência de 1.320 MHz, polarização horizontal, ou pelo link ao vivo http://www.pr.gov.br/rtve/aovivo_tv.html.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Material da palestra "O Cisne Negro"

Para quem tiver interesse, o material da palestra "O Cisne Negro", apresentada em 01/12, está disponível em http://www.lunabay.com.br/alvaro/cisne_negro_utfpr.pdf (8,6 Mb). Qualquer dúvida, basta entrar em contato.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Palestra sobre o "Cisne Negro"

No próximo dia 01/12 irei apresentar a palestra "O Cisne Negro: ciência, filosofia, os limites do conhecimento e o impacto do altamente improvável". Será das 19h30 às 21h20, no mini-auditório do campus Curitiba da UTFPR (Av. Sete de Setembro, 3165, Curitiba, PR). Esse evento faz parte de um programa de palestras iniciado pelo Departamento Acadêmico de Eletrotécnica (DAELT) em 2008 e a entrada é gratuita.

O assunto tem a ver com nossa incapacidade de prever acontecimentos futuros e está relacionado, dentre outras coisas, à recente crise financeira mundial (um "cisne cinzento") e à intensificação da globalização (aumento da complexidade). Alguns pontos que serão abordados são:

  1. Eventos do tipo "cisne negro" e a impossibilidade de se prever o futuro.
  2. O princípio da refutabilidade de Popper e os limites do conhecimento científico.
  3. O inconsciente freudiano e a impossibilidade de se "prever" o presente.
  4. Caos e complexidade: as ciências exatas não são tão exatas assim.
  5. Os teoremas da incompletude de Gödel: nem a matemática pura escapa!
"O Cisne Negro" é um conceito inventado por Nassim Taleb no livro homônimo. Fui apresentado a esse livro pelo Clemente Nobrega (para variar), mas a palestra é apenas inspirada no livro, não sobre ele.

quinta-feira, novembro 20, 2008

"Em Busca da Empresa Quântica" - agora online

O livro "Em Busca da Empresa Quântica", escrito por Clemente Nobrega em 1996, acaba de ser disponibilizado online gratuitamente. Basta acessar o site do autor e fazer o cadastro, também gratuito: http://www.clementenobrega.com.br/. O livro está disponível em PDF (compactado) e tem menos de 1,4 Mbyte.

Descobri "Em Busca da Empresa Quântica" por volta de 1997, perambulando pelas livrarias de Curitiba na hora do almoço. Tenho que confessar que eu estava muito mais interessado em física do que em administração e marketing e fui mais atraído pelo título do livro e pelo currículo do autor (físico, engenheiro nuclear, ex-diretor da Amil). Acabei encontrando um livro interessantíssimo, muito diferente daqueles obras acadêmicos sobre marketing. Mesmo assim, o título me deixou preocupado. Metáforas quânticas são escorregadias e é muito fácil encontrar livros "quânticos" cheios de má fé ou que simplesmente mostram que o autor não entende muito de física quântica e está só se valendo da onda do momento. Um ótimo exemplo é "A Cura Quântica", livro que rendeu ao indiano Deepak Chopra o prêmio Ig Nobel de física de 1998 ("pela sua interpretação singular da física quântica aplicada à vida, à liberdade e à busca da felicidade econômica").

Escrevi para o Clemente e comentei minha preocupação. Para minha surpresa, ele respondeu e disse que, até aquele momento, poucas pessoas haviam levanatdo o problema, incluindo eu e um dos irmãos dele (ele parece ter irmãos espalhados por todas as áreas do conhecimento).

Na segunda edição de "Em Busca da Empresa Quântica", de 1999, Clemente inseriu uma introdução onde ele afirma: "É verdade que tive minha cota de problemas por causa do título". Mas ele garante que não abre mão do título, que é marketeiro, desperta a curiosidade e soa bem. De fato, se não fosse o título, talvez eu não tivesse lido o livro. Além disso, o paralelo entre a física quântica e o mundo das empresas refere-se somente à linguagem usada pela física quântica, e não à aplicação da mecânica quântica ao mundo empresarial, coisa que não faria sentido. A física quântica teve enorme sucesso em compreender o mundo microscópico por usar uma linguagem diferente da física newtoniana. Da mesma forma, precisaríamos de outra linuagem para entender o mundo empresarial moderno.

Além de física quântica, marketing e gestão, Clemente discorre também sobre a teoria da complexidade. Aqui, trata-se de mais do que uma analogia. Em 1996 a internet estava apenas nascendo e não tínhamos uma idéia muito boa de quão complexo, interconectado e não linear viria a ser o mundo apenas 10 ou 12 anos depois. Hoje, com fluxos de capitais movendo-se à velocidade da luz, informação farta e amplamente disponível, o assunto assume importância renovada. Vale a leitura dessa parte, especialmente para desmistificar o termo "teoria da complexidade", que tem em física uma interpretação um pouco diferente do que essas palavras dão a entender à primeira vista.

Desde 1996, o pensamento de Clemente mudou um pouco, como pode ser percebido em seus livros "A Ciência da Gestão", de 2004, e "Empresas de Sucesso - Pessoas Infelizes?", de 2006. Ele afirma que gostou de ter escrito "Em Busca da Empresa Quântica", mas garante que não o escreveria da mesma forma de novo e nem com as mesmas ênfases. E quase pede desculpas por ter elogiado o livro "Feitas para Durar", de Jim Collins. "Imaturidade de jovem inexperiente", diz ele.

quarta-feira, novembro 19, 2008

Nova política de comentários

A partir de hoje estou testando uma nova política de comentários deste blog, os quais passam a ser não moderados. Como antes, qualquer um pode escrever comentários, mas a exigência de uma "palavra de confirmação" deve diminuir a quantidade de spams enviados por robôs. Vamos ver se dá certo.

terça-feira, novembro 04, 2008

Eleição norte-americana: também quero votar!

Hoje é o dia da tão esperada eleição norte-americana que decidirá quem irá ocupar o cargo de POTUS(*) entre 2009 e 2012. Apesar do clima festivo e esperançoso, é uma lástima que apenas cidadãos norte-americanos possam participar desse processo que afetará a vida de milhões de habitantes do planeta.

Os Estados Unidos da América, lar dos bravos, terra dos homens livres, constitui certamente a maior experiência democrática depois da invenção da democracia ateniense. Contudo, cabem as perguntas: Por que um cargo tão importante só pode ser ocupado por norte-americanos nativos? Por que cidadãos de outros países não podem votar?

Essas perguntas não são tão descabidas quanto possam parecer à primeira vista. Afinal, os EUA influenciam a moda, a cultura, a ciência e a tecnologia de boa parte do planeta. Quando a economia americana vai bem, a economia mundial em geral vai bem. Quando a economia americana desacelara, o mesmo acontece com boa parte da economia mundial. Quando os norte-americanos escolhem o presidente errado, algumas partes do mundo são bombardeadas de maneira "preventiva". Assim, por que habitantes de outros países não poderiam participar do processo decisório norte-americano, ou mesmo se candidatar a ele?

Para quem ainda acha a proposta estranha, lembro que os três maiores imperadores romanos depois de Augusto (Trajano, Diocleciano e Adriano) não eram romanos e nem mesmo de origem latina. Trajano e Adriano nasceram e foram criados na Espanha, enquanto Diocleciano nasceu e foi criado na antiga Iugoslávia. Ora, o Império Romano não era nem mesmo uma democracia e era muito menos populoso, cosmopolita e globalizado do que são hoje os EUA. E, apesar da possibilidade cada vez mais real de um representante da minoria negra vir a ocupar a Casa Branca, aquele lugar não é permitido para representantes de outras minorias, como a mexicana, a brasileira ou mesmo a britânica. Assim, parafraseando aquela apresentadora do GNT, pergunto: isso é democracia?

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(*) President Of the United States, sigla informal ocasionalmente usada para denotar o principal cargo executivo dos EUA.

quarta-feira, outubro 22, 2008

A vida de Charles Darwin em exposição na Universidade Positivo

A partir do dia 23 de outubro, a Universidade Positivo (Curitiba, PR) recebe a exposição "Darwin: Descubra o Homem e a Teoria Revolucionária que Mudou o Mundo", que retrata a vida do naturalista inglês, autor da teoria da seleção natural.

A mostra é originária do American Museum of Natural History de Nova Iorque e foi adaptada ao público brasileiro pelo Instituto Sangari. Graças a uma parceria com a empresa Monsanto, ela foi trazida para a Universidade Positivo e ocupará a Sala de Eventos do Prédio da Pós-Graduação e Extensão.

A mostra sobre a vida de Charles Darwin permanece na
Universidade Positivo até o dia 30 de novembro. A entrada custa R$10 e R$5 e é gratuita para maiores de 60 anos e para alunos e professores da rede pública (mediante agendamento pelo telefone 0300 7890002).

Um guia educational muito interessanet muito interessante pode ser encontrado em http://www.darwinbrasil.com.br/darwin/guia_educacional_darwin.pdf.

Endereço:
Universidade Positivo - Sala de Eventos do Prédio da Pós-Graduação e Extensão. Rua Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300 - Campo Comprido.
Data: De 23 de outubro a 30 de novembro de 2008.
Horários: Segunda a sexta-feira das 09h às 22h; sábados, domingos e feriados das 09h às 17h.
Obs.: A bilheteria fecha uma hora antes da exposição.

segunda-feira, outubro 13, 2008

Nobel de Economia vai para Paul Krugman

Segunda-feira atípica, ao menos pelos padrões recentes: bolsas em alta, dólar em baixa. Para completar, Paul Krugman, um economista pós-keynesiano muito conhecido, acaba de ganhar o Prêmio de Ciências Econômicas em Homenagem a Alfred Nobel, mais conhecido (incorretamente) como "Nobel de Economia". Krugman tem várias idéias interessantes, embora seja um crítico do liberalismo, em geral, e dos mercados de energia elétrica, em particular. Um exemplo recente do pensamento krugmaniano pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?v=4XhvG_fD0HA.

terça-feira, setembro 30, 2008

Palestra do professor Belmiro Wolski

Quem estiver em Curitiba amanhã, não perca a palestra do professor Belmiro Wolski: "Do Micro ao Macrocosmo (para leigos)". Data: 01/10/2008, às 19h30, no miniauditório da UTFPR. Mais detalhes em http://www.daelt.sh06.com/downloads/Palestra_Belmiro.pdf .

quinta-feira, setembro 25, 2008

Sugestões sobre como votar nas próximas eleições

Estamos a pouco mais de uma semana das eleições do próximo 5 de outubro, nas quais serão escolhidos prefeitos e vereadores, e muitos eleitores ainda não decidiram em quem votar. Ao longo dos anos, e depois de ter participado de várias eleições (sempre na condição de eleitor), acabei por desenvolver seis princípios-guia, quatro deles baseados na filosofia de Karl Popper, válidos para a votação em qualquer tipo de eleição.

Sir Karl R. Popper (1902 – 1994), filósofo austríaco, autor de “A sociedade aberta e seus inimigos”, tinha uma concepção bastante útil e clara acerca da democracia. Ele dizia que a “democracia é aquele tipo de governo que pode ser removido sem o uso da violência” (citado por Maurice William Cranston, em Freedom: A New Analysis, 1954, p. 112). Simples assim. Nada de “o governo do povo, pelo povo, para o povo”, nada de concepções metafísicas ou quase religiosas do processo democrático. A democracia, na concepção de Popper, é simplesmente aquele sistema que impede que os maus governantes se perpetuem no poder, embora não garanta que escolher bons governantes seja fácil.

A estratégia de qualquer político, no frigir dos ovos, seja no Brasil, no Iraque ou nos Estados Unidos, é permanecer o maior tempo possível no poder. Quando chega ao poder executivo, em particular, todo político deseja recriar uma versão aparentemente democrática daquele sistema que a democracia veio justamente a substituir: a monarquia hereditária. Os seis princípios a seguir podem ajudar a evitar que isso aconteça. Eles não dizem em quem votar, mas apenas em quem não votar.

1. Pense muito bem antes de reeleger um político. A reeleição é permitida no Brasil e em vários outros países e cabe a cada eleitor decidir se votará por mais de uma vez em um candidato. Todavia, o processo não pode ser banalizado, pois permitir a reeleição não significa torná-la obrigatória. Um político, sabendo que poderá vir a ser reeleito, passará pelo menos metade do primeiro mandato se preparando para a reeleição, gastando seu (nosso) precioso tempo nos palanques e não nos escritórios e salas de reunião. Além disso, se um único mandato é pouco para que se possa cumprir todo o plano de governo (essa é a alegação mais comum por parte dos governantes eleitos), mais de um mandato é exagero e aumenta o risco de que o político e sua equipe criem raízes muito profundas no poder.

2. Não vote em dinastias. A formação de dinastias de políticos, comuns em tantos estados brasileiros, é aquilo que mais se aproxima da monarquia hereditária. Se a reeleição permite a criação de raízes profundas, dificultando a remoção do governo quando necessário, as dinastias de governantes tornam tais raízes ainda mais profundas e extensas. Ocorre que, mesmo que o fundador da dinastia tenha conquistado o poder por méritos próprios e trabalho duro, seus descendentes serão geralmente políticos profissionais, que nasceram e se criaram em meio à classe política e não exerceram qualquer outra atividade produtiva na vida.

3. Não vote em extremistas. Extremistas de todos os tipos, à direita ou à esquerda, uma vez eleitos, dificilmente aceitarão deixar o poder de maneira democrática. Portanto, candidatos oriundos de movimentos extremistas devem ser evitados, pois estão geralmente contaminados por ideologias arcaicas, ultrapassadas e antidemocráticas. Candidatos que pregam mudanças revolucionárias também devem ser evitados, pois a história nos lembra que os principais beneficiários de revoluções, sangrentas ou não, são somente aqueles que se apoderaram do poder, frequentemente outorgando leis que dificultam a posterior extirpação das raízes (vide o caso da Venezuela).

4. Não vote em corruptos. Esse item parece lugar comum nos dias atuais, mas é bom lembrar que pesquisas indicam que um número surpreendente de brasileiros não se importam com a corrupção de seus governantes. O lema “rouba, mas faz” é ainda muito forte entre nós. Mas, além de drenar recursos públicos, a corrupção amplia ainda mais a extensão das raízes fincadas no poder. Afinal, o político corrupto sabe que esqueletos no armário e negociatas devem ser protegidos do conhecimento da oposição, o que só somente aumenta o desejo de perpetuação no poder.

5. Vote apenas em candidatos com nível superior. Esse princípio-guia não é popperiano e não sei se Popper concordaria com ele (Platão certamente concordaria). Nos dias atuais, propor que não se vote em um candidato sem educação superior pode ser visto como elitista e preconceituoso. Entretanto, é curioso notar que é necessário ter formação superior para realizar uma cirurgia, construir uma ponte, dar aulas ou defender um réu, mas não para governar uma cidade, um estado ou um país. Se o diploma superior não garante o sucesso do governante, pelo menos facilita o sucesso ao garantir uma visão de mundo um pouco mais ampla, resultante da leitura de pelo menos uns poucos livros e de reflexões e discussões orientadas e sistemáticas.

6. Aplique os princípios acima também para candidatos a vice e suplente. Em anos recentes o Brasil teve a infelicidade de ser governado duas vezes por vice-presidentes: uma vez quando o candidato eleito morreu antes da posse, outra quando o candidato empossado foi sutilmente convidado a deixar o poder. E, apesar do nosso histórico recente, no Brasil ninguém parece se importar com candidatos a vice e suplente. Pelo bem da democracia e de modo a evitarmos a perpetuação de maus governantes e legisladores, seria interessante que começássemos a fazê-lo.

Os princípios acima podem parecer um pouco ingênuos, mas, afinal, o que é a democracia senão uma maneira ingênua (ou seja, não planejada, não segura) de escolher nossos governantes e representantes? E, mesmo sabendo das deficiências da democracia, esse sistema é ainda muito superior e preferível ao “outro sistema”, o qual, como nos lembra Popper, é a tirania.

Alguém pode também argumentar que, se os princípios acima forem aplicados às eleições para prefeito das cidades brasileiras, em muitos casos não sobrará candidato algum em quem se votar. Nessa situação, o voto em branco é uma opção válida e servirá como sinalizador de que os eleitores estão descontentes com as candidaturas propostas.
No caso das eleições para vereadores, podemos pensar que não vale a pensa perder tempo com tanta análise. Afinal, 90% do que se passa nas câmaras municipais brasileiras é, ou totalmente dispensável, ou passível de ser executado por voluntários não pagos ou assembléias de moradores. Contudo, é bom lembrar que o desejo de qualquer vereador, de qualquer cidadezinha brasileira, é na verdade chegar à presidência da República. Assim, é bom cortar as asas dos candidatos a tirano enquanto ainda é tempo.

sexta-feira, agosto 15, 2008

Discurso de formatura - 14/08/2008

No último dia 14 tive novamente a satisfação de ser escolhido como paraninfo da turma de formandos do curso de Engenharia Industrial Elétrica, ênfase Eletrotécnica, da UTFPR. Segue abaixo o discurso proferido.
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Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Paulo Osmar Dias Barbosa, demais autoridades já nomeadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.

É uma grande honra e uma grande satisfação ser escolhido como paraninfo da turma de vocês, especialmente sabendo que os candidatos são tantos e tão ilustres. O lado bom disso é saber que eu devo estar fazendo algo de certo. O lado ruim é que eu não tenho idéia do que seja.

Mas para vocês também há um lado bom e um lado ruim nisso. O lado ruim é terem que agüentar essa última aula. O lado bom é que ela dura bem menos de 50 minutos. E, se vocês me desculparem, nesses poucos minutos eu vou falar sobre um único assunto do qual ninguém e nem eu sabe nada: o futuro.

O futuro, essa terra desconhecida, essa terra a ser desbravada.A primeira lição sobre o futuro é a imprevisibilidade. Na vida de uma pessoa, e também em várias situações físicas, o número de variáveis a considerar é tão grande e essas variáveis são tão sensíveis que em geral qualquer previsão é impossível.

Embora os exemplos disso estejam espalhados pelos jornais do mundo todo, se vocês me permitem, eu vou cometer a impertinência de contar um pequeno exemplo pessoal dessa imprevisibilidade.

Quando eu me formei, um dos meus sonhos profissionais era me tornar professor de eletromagnetismo. Bem, cada louco com sua mania. Dois anos após a formatura, finalmente o antigo CEFET-PR abriu um concurso público para o cargo que eu queria.

Contudo, aquele foi um concurso um pouco diferente. Em vez de valer somente para eletromagnetismo, ele valia também para máquinas elétricas e assim havia doze pontos a se estudar: seis de eletromagnetismo, seis de máquinas elétricas. Como eu achava que entendia também de máquinas elétricas, fiz a inscrição. Mas hoje sei que não sabia de nada.

No dia da prova escrita, o chefe da banca, que era o professor Patrício, sorteou um dos doze pontos e lá estava ele: fluxo elétrico, um assunto de eletromagnetismo. Passei na prova escrita e me classifiquei para a prova didática.

No dia do sorteio do ponto para a prova didática, dei sorte de novo. O ponto sorteado foi indutância e lei de Faraday, outro assunto de eletromagnetismo. Resultado: fiquei em segundo lugar, com o professor Colla em primeiro, que foi contratado imediatamente. Eu, por outro lado, deveria aguardar até que uma segunda vaga fosse aberta.

Vocês podem achar que foi uma tremenda sorte que os dois assuntos sorteados tenham sido exatamente aqueles que eu dominava. E foi sorte mesmo. Mas, por outro lado, eu havia feito outro concurso público antes, para o Departamento de Física, e no qual fui reprovado de maneira retumbante. Foi assim que descobri a primeira lei da vida: “é preciso continuar tentando, e tentar de várias maneiras diferentes, até que a sorte apareça”.

Um ou dois meses depois, recebi um telefonema do professor Joaquim, avisando que havia uma vaga para professor de Conversão II, uma disciplina que trata de máquinas elétricas.

Então, perguntei: “Quando devo dar a primeira aula?”. E o professor Joaquim respondeu: “Amanhã!”

E eu devo ter perguntado: “dá para tomar uma Kaiser antes?”

Bem, por causa da urgência, pedi uma folga na empresa onde eu trabalhava na época e passei um dia inteiro me preparando para a aula. E naquela noite devo ter dado a pior aula de máquinas elétricas de todos os tempos e lugares! Caso vocês não acreditem, perguntem para o professor Walenia, que está aqui ao lado e foi uma das vítimas da época.

Quatro ou cinco anos depois, finalmente consegui assumir duas turmas de Eletromagnetismo, abandonando Conversão 2. Aparentemente, meu sonho na UTFPR estava se realizando. Mas só aparentemente.

Um ou dois anos depois aconteceu uma coisa estranha. Eu havia passado muito tempo perturbando cada coordenador de curso que entrava, insistindo que eu deveria lecionar somente Eletromagnetismo, que aquilo era minha vida, que eu havia me preparado muito, etc. Mas, quando isso finalmente aconteceu, passei a sentir falta de Conversão 2.

Eu simplesmente não havia previsto essa parte. Foi daí que descobri a segunda lei da vida: “quando você passar a fazer apenas aquilo de que gosta, você passará a gostar de outra coisa”.

E hoje, mesmo tendo que apagar incêndios ocasionais em outras disciplinas, eu sou basicamente um feliz professor de máquinas elétricas.

Assim, o futuro só é previsível nos filmes de Hollywood e nos livros de auto-ajuda. Na vida real, não adianta tentar prevê-lo. John Lennon deixou isso claro em uma canção de 1980, na qual ele escreveu um verso que pode ser entendido como a terceira lei da vida: “a vida é aquilo que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos”.

Esse verso se tornou tragicamente verdadeiro poucos meses após sua publicação, quando Lennon foi covardemente assassinado.

Se o futuro é imprevisível, o melhor que podemos fazer é desenvolver cenários mentais de vários futuros possíveis, e nos prepararmos da melhor maneira para cada um deles. Isso vale para vocês, que estão iniciando a vida profissional, e também para nós, que continuamos com a missão de preparar os engenheiros do futuro.

No que diz respeito aos engenheiros do futuro, embora o futuro em geral seja imprevisível, vou arriscar uma previsão das linhas gerais de um evento que vai ocorrer daqui a pouco menos de cinco anos.

Escrevam aí: no dia 18 de fevereiro de 2013, na primeira segunda-feira após o carnaval, a UTFPR vai receber um aluno muito especial. Eu não sei quem será ele. Não sei se será torcedor do Atlético ou do Coxa, os únicos dois times da capital que existirão nessa época. Talvez esse aluno já esteja até mesmo nesse auditório. Mas eu sei que no primeiro semestre de 2013 nós iremos receber esse aluno especial, o primeiro a ter nascido quando a internet já existia.

Esse aluno saberá mais sobre computação e internet do que qualquer um de seus professores. Ele estará mais acostumado a resolver problemas por meio de simulação computacional do que por meio de cálculos analíticos.

Para ele, coisas como Google, Orkut e YouTube parecerão ter sempre existido. Para ele, e-mail será “coisa de velho” e ele se comunicará muito mais via programas de mensagem instantânea, como MSN e Skype, ou por meio de redes sociais online, como o Orkut.

Esse aluno, uma vez formado, irá trabalhar em áreas que hoje nem mesmo existem.

Esse futuro é fácil de ser previsto, pois, se ele é o futuro de um calouro ou caloura do ano 2013, ele hoje é o presente de um adolescente de 12 ou 13 anos. E é assim que são os adolescentes de hoje em dia: digitais.

A não ser que aconteça uma catástrofe mundial, esse cenário de uma universidade composta quase totalmente por alunos digitais, que já nasceram globalizados, parece bastante provável. E temos pouco menos de cinco anos para responder a pergunta: o que iremos fazer com eles?

A principal mudança, que já começa a acontecer, será a de que o professor não poderá mais agir como se fosse o único dono do conhecimento. De fato, o conhecimento hoje não é mais propriedade de um pequeno número de iniciados, mas pode ser acessado por qualquer um que tenha uma conexão com a internet.

Um tipo de professor em particular está com os dias contados: aquele que não consegue avaliar seus alunos a não ser por meio da indução ao erro. Esse professor é como o Paraná Clube: já morreu, mas ainda não sabe disso.

Em vez de ser um mero retransmissor de conhecimentos, o professor deverá passar a ser um orientador, um facilitador, um coach. Em vez de ser visto como um disciplinador severo, ele deverá passar a ser visto como um “primus inter pares”, o primeiro entre iguais.

Esse professor-coach deverá se comportar como um técnico de futebol, de vôlei ou de outro esporte coletivo. Ele deverá se comprometer com a equipe e se conscientizar de que o sucesso de seus alunos é o sucesso dele também, e que o fracasso de seus alunos é o fracasso dele também. Ele deverá torcer pelo sucesso de seus alunos, antes e depois da formatura, mas sem tratá-los como prima donas. E ele jamais dirá “pede pra sair!”

É claro que existem várias formas de se medir e definir o sucesso. Sucesso financeiro é importante e nós gostamos dessa definição porque ela é preto no branco. Muitos de vocês terão grande sucesso financeiro. Alguns irão abandonar a área de engenharia por causa disso, mas não se preocupem. O que importa é que qualquer coisa que vocês possam vir a fazer ficará mais fácil de ser feita com esse diploma em mãos, do que sem ele.

Mas sucesso de verdade não é só financeiro. Sucesso de verdade é deixar uma contribuição. De vez em quando o sucesso é até mesmo muito sutil. Por exemplo, o professor Darcy Ribeiro, que foi antropólogo, escritor, Ministro da Educação, criador da Universidade de Brasília, membro da Academia Brasileira de Letras, certa vez disse:

Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer o Brasil se desenvolver autonomamente e fracassei. Mas os meus fracassos são as minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar daqueles que me venceram.”

Finalizando, meu maior desejo não é só que vocês se tornem pessoas de sucesso, mas também pessoas de valor, e que sejam capazes de deixar uma contribuição. Mas, se vocês tiverem que fracassar da maneira que fracassou o professor Darcy Ribeiro, então vocês podem ter certeza de que terão sido um grande sucesso.

Obrigado pela atenção e pela paciência. Vida longa e próspera!

quarta-feira, julho 23, 2008

"A Arte de Ensinar", de Jay Parini

Jay Parini é um professor e escritor norte-americano, nascido em Scranton, na Pensilvânia. Após uma passagem de sete anos por Dartmouth, ele se estabeleceu como professor de Língua Inglesa no Middlebury College, em Vermont, Estados Unidos, vindo a escrever cinco livros de poesia, seis romances e três biografias. Após 30 anos dedicados ao ensino universitário, Parini decidiu escrever um pouco sobre essa nobre arte, produzindo “A Arte de Ensinar”, um livro leve e sem o menor toque daquele ranço pedagógico das obras usuais sobre o assunto.

“A Arte de Ensinar” não é um livro de dicas sobre ensino, aproximando-se muito mais de uma autobiografia intelectual. Parini discorre sobre aspectos do relacionamento com os estudantes, sobre o comportamento em sala de aula e fora dela e até mesmo sobre a maneira de um professor se vestir ou se comportar quando surgem questões excessivamente pessoais. Nada de regras, nada de conselhos. Parini assume posições absolutas apenas quando se posiciona contra os sistemas de ensino baseados em provas rígidas e contra os “jogos de poder”, freqüentes entre professores e alunos, mas os quais ele julga antieducacionais. Ele também se posiciona definitivamente contra os critérios de efetivação (“tenure”) atualmente em voga nas universidades norte-americanas e em boa parte do mundo, baseados no famoso adágio “publish or perish”. Esse último aspecto, contudo, não afeta muito os professores universitários brasileiros.

Segundo Parini, a viagem essencial na profissão de professor é a do autoconhecimento. “Não há nada natural sobre ensinar”, diz ele, concluindo que a naturalidade em sala de aula é na verdade o produto de uma prática sem fim. Ele também sustenta que o professor é um ator que deve experimentar diversas máscaras durante a vida, nunca cessando de se aperfeiçoar.

O termo “máscara” (ou “persona”), aqui, não tem o tom negativo atual, mas tem muito mais a ver com as máscaras envergadas pelos atores do teatro romano antigo, através das quais as vozes dos atores soavam (per+sona). Um professor deve assim experimentar várias personas ao longo da vida profissional, descartando aquelas que não se adaptam e adotando aquelas que mostram melhor resultado. Esse fenômeno, explicitado com maestria por Parini, é na verdade conhecido por todo bom professor, que já ouviu frases como “Uau, como você fica diferente em sala de aula!”, ou “Você se revela ao entrar em sala, hein?”.

O melhor desse livro sobre ensino, escrito por um poeta e romancista, é a sinceridade que escorre por todas as páginas. Por exemplo, eu jamais havia lido ou ouvido descrição melhor da prática de ensino do que aquela que Parini faz na página 90:

“Poucos fora da profissão de ensinar entendem a coragem necessária para entrar em uma sala de aula, usar uma máscara que você sabe ser uma construção, escondendo-se por trás dela, deixando-a dar forma e substância às suas formulações, deixando a máscara tornar-se a sua face. Requer uma certa bravura, mesmo uma certa selvageria, deixar que os alunos o vejam em tal estado, à mercê de um texto ou idéia imperfeita, tentando formular uma resposta para o texto, dar corpo à idéia em uma linguagem que uma faixa diversificada de alunos possa assimilar. Eu sempre me sinto um pouco assustado quando saio do meu escritório e começo a longa caminhada para a sala de aula, meus braços sobrecarregados de anotações e textos, minha cabeça abarrotada de idéias as quais não tive tempo de formular adequadamente. Fico me indagando que diabo acontecerá quando a aula começar. Vou conseguir fazer sentido? Os alunos vão reagir adequadamente? Vou parecer e soar como um idiota? Estou bem barbeado? Minha braguilha está aberta? Conseguirei passar esses 50 ou 60 minutos sem me sentir um completo imbecil?"

Imagino que essas perguntas tenham ocorrido a um grande número de professores, em todos os tempos e lugares. Imagino também que muitos se protejam delas, ou das respostas a elas associadas, construindo em torno de si uma couraça impenetrável de sabedoria e poder. Isso pode ser um erro. Afinal, adverte Parini, a noção do professor ideal deve ser a de um primus inter pares. Em outras palavras, o professor é o principal aluno, alguém que está sempre aprendendo, sempre se aperfeiçoando, sempre evoluindo.

E esse é um dos principais atrativos dessa profissão exibicionista que atrai tanta gente tímida: é sempre possível fazer melhor na próxima vez, no próximo semestre, no proximo ano. Talvez não exista outra profissão que guarde dentro de si tamanha dose de esperança de que as coisas possam vir a ser melhores.

quinta-feira, junho 12, 2008

Leandro Vieira: Carta Aberta aos Estudantes de Administração

A partir deste post, Leandro Vieria, criador e editor do Portal Administradores, passa a ser considerado colaborador oficial do blog Rabiscos Aleatórios. As idéias dele sobre Administração, Educação e outros assuntos são sempre valiosas e tenho certeza de que todos irão gostar. Confiram abaixo algumas dicas do Leandro a estudantes de Administração, as quais serão úteis também a estudantes de Engenharia.
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Que tipo de administrador a sua instituição de ensino deseja que você se torne? Não se preocupe se não souber responder: a maior parte das faculdades brasileiras de Administração ainda não parou para pensar no assunto.

A coisa funciona mais ou menos da seguinte forma: cada instituição reúne um grupo bastante eclético de professores, cada qual com sua especialidade e com características bastante peculiares que o distingue dos demais. Dessa heterogeneidade e diversidade de pensamentos é que vem a riqueza de sua formação. Você aprende a extrair de cada mestre as melhores lições. O outro lado da moeda é que raramente existe algum consenso quanto ao perfil de administrador que a instituição deve formar, e aí quem sai perdendo é você.

Muitas instituições, ao contratarem seus docentes, apenas lhe entregam uma caderneta, um plano de ensino feito por outro professor, explicam os procedimentos burocráticos básicos (“você deve bater o ponto até cinco minutos antes de começar a aula, deve preencher o diário de classes com o conteúdo apresentado, deve colocar exatamente um pontinho no quadradinho referente ao dia, deve fazer três avaliações por semestre, blábláblá...”), e boa noite e boa sorte. Nenhum comentário sobre a missão da instituição, ou o que eles esperam do professor. A ausência de uma visão compartilhada acaba bagunçando todo o coreto. Os alunos ficam à mercê do perfil individual de cada professor. Às vezes, dão sorte de encontrar um professor pra frente, vocacionado, com aulas dinâmicas e ótimo conteúdo. Outras, dão o azar de topar com um profissional desmotivado, desatualizado e que não compreende a amplitude de seu papel como educador.

Falamos tanto em gestão do conhecimento, mas me responda uma coisa: o seu professor de Administração Financeira sabe o que você está vendo nas aulas de marketing?

Pois é... Parece que a comunicação não anda fluindo muito bem em boa parte dos cursos de Administração de nosso país. Ensina-se uma coisa, pratica-se outra. Mas podemos contornar esses problemas, e você pode exercer um papel importante nesse processo de mudança.

Talvez você não saiba o tipo de administrador que a sua instituição deseja que você se torne, mas VOCÊ, pelo menos, deve saber.

Primeira dica: não se restrinja, jamais, a fazer apenas ao que lhe é cobrado. É muito comum encontrarmos professores “light”, que não exigem o suficiente e são condescendentes com os alunos. A turma adora, não aprende nada e acaba passando com nota boa. Na verdade, desperdiçam uma ótima oportunidade para adquirir conhecimento e desenvolver competências. Administração, no geral, é um curso fácil, enquanto que administrar é extremamente complicado. Se você não aproveitar a faculdade para desenvolver realmente as habilidades que um administrador precisa ter, terá dificuldades para ingressar no mercado posteriormente ou dar respostas na organização que vier a trabalhar. Apresentar um trabalho em grupo, por exemplo, é uma oportunidade ímpar para aprimorar sua capacidade de comunicação, trabalhar em equipe, exercer liderança e de superar expectativas. Administradores são obrigados a fazer isso o tempo o todo.

Segundo: aproveite todas as oportunidades que a instituição oferece. A coisa não se restringe à sala de aula. Muitas instituições oferecem programas de iniciação científica e de monitoria, por exemplo. O aluno que participa dessas atividades aprende a pesquisar, escrever, fica mais inteligente e, acredite, isso conta pontos lá na frente, depois da faculdade.

Terceiro: participe de uma empresa júnior. Essa é a melhor forma de aprender na prática tudo aquilo que um administrador precisa saber. Acompanho de perto o trabalho de muitas empresas juniores e, devo admitir, muitas delas não deixam nada a desejar às empresas de consultoria profissionais. Normalmente, os participantes de uma empresa júnior têm carreiras brilhantes, pois já saem da faculdade com experiência, auto-confiança e com uma bela rede de contatos.

Quarto: leia bastante. Faça da leitura um hábito. É um erro pensar que apenas praticando é que se aprende. Essa é uma meia verdade. Você deve ter um excelente embasamento teórico e saber aplicá-lo na prática.

Quinto: corra, Lola, corra! Procure formas de se aprimorar sempre. Faça cursos de extensão, aproveite seus fins de semana para aprender algo novo, viaje e, por favor, não esqueça de aprender outros idiomas. Inglês é fundamental, mas saber outras línguas além dessa, com certeza, irá lhe abrir mais portas.

Sexto: seja legal. Já escutei algumas vezes em sala de aula algum aluno falar que ali são “todos concorrentes”, pois irão competir por um lugar ao sol mais na frente. Besteira. Sei que o mundo é extremamente competitivo, mas as pessoas cooperativas são muito mais queridas - e acabam levando vantagem sobre os individualistas e mesquinhos. Inclusive, algumas organizações, como o Google, já aplicam diversas técnicas em seus processos de seleção para identificar – e descartar – os malas de plantão.

Por fim, lidere movimentos de mudança em sua instituição. Não fique esperando melhorias do tipo top-down (de cima para baixo). Muitas instituições de ensino estão apenas enroscadas no catatau de processos burocráticos que criaram ao longo dos anos. Os paradigmas estão aí para serem quebrados. Lembre-se de que você é parte da instituição. No fim das contas, você, os seus professores, coordenadores e diretores, estão no mesmo barco. Qualquer um pode dar sua contribuição e deixar seu legado. Foi-se o tempo em que as melhores estratégias saíam apenas das cabeças do presidente ou dos membros iluminados do conselho. Muitas das grandes idéias que revolucionaram o mundo partiram de pessoas envolvidas diretamente com o processo. Se você consegue identificar falhas e – o mais importante – consegue enxergar soluções para os problemas identificados, você pode ser um importante agente de mudança. Todo mundo irá ganhar com isso, inclusive você.

Pronto para começar?

Rubem Alves e o vestibular

A revista Ler & Cia, da Livrarias Curitiba, publicou há algum tempo uma curta reportagem sobre as opiniões de Rubem Alves, onde esse grande educador discorre brevemente sobre o vestibular, que ele considera um “tumor maligno”. Para resolver o problema da injustiça promovida pelo vestibular, Alves sugere que as vagas nas universidades sejam ocupadas por meio de sorteio, não por meio de provas, como feito atualmente. “Continua sendo injusto”, diz ele, “mas menos do que o sistema atual, com provas injustas, cotas injustas e conteúdos injustos. Isso pelo menos retiraria a sombra que o vestibular cria em cima das escolas, que poderiam ensinar o que realmente importa.

Com todo respeito a Rubem Alves, tremo só de pensar no dia em que eu tiver que dar aulas a alunos que foram escolhidos por sorteio. Se esse “vestibular randômico” daria maior flexibilidade aos professores do ensino médio, certamente transformaria a vida dos professores universitários em um inferno. Em pouco tempo os alunos perceberiam que não vale à pena se preparar para o vestibular e passariam a ser admitidos sem os pré-requisitos necessários. Os professores dos primeiros semestres dos cursos universitários passariam então a dedicar um tempo enorme para preencher as lacunas na formação dos alunos, já enormes no sistema atual, e os professores dos semestres seguintes passariam a perder mais tempo ensinando aquilo que os professores dos primeiros semestres deveriam ter ensinado. O incentivo perverso criado com o “vestibular randômico” produziria uma grande bola de neve, que seria passada de um semestre a outro, aumentando a evasão escolar e reduzindo a qualidade do ensino universitário.

O vestibular não é um tumor. Ele é apenas um dos muitos desafios que os alunos deverão enfrentar ao longo de uma vida que viverão no mundo real, não no mundo dos contos de fadas. A alma do povo brasileiro se revolta tão freqüentemente contra o vestibular porque ele representa algo que vai contra o igualitarismo a todo custo sempre pregado nesse grande país ensolarado: a meritocracia. Se os ensinos fundamental e médio são tão ruins que não permitem que a maioria tenha mérito, então são esses níveis de ensino que devem ser melhorados. Mas não é com uma solução rósea e romântica que a melhoria virá. Afinal, como dizia Arthur C. Clarke, “não existe problema complicado que não tenha uma solução simples, atraente e... errada!”

terça-feira, junho 03, 2008

Administração: como vincular a teoria com a prática (e vice-versa)?

O editor do Portal Administradores, Leandro Vieira, realizou um bate-papo com o Prof. Walter Nique, da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e da Ecole Supérieure de Commerce de Troyes. Para o Prof. Nique, o ensino da Administração requer vivência anterior em organizações públicas ou privadas: “aqueles que entrarem em uma sala de aula com as mãos abanando em termos de experiência, serão ejetados rapidamente do sistema”, afirma.

Embora eu seja um engenheiro, não um administrador, decidi publicar a entrevista aqui, autorizado pelo Leandro, pois a mesma toca em assuntos que me interessam: educação, administração e conflitos entre a academia e o "mundo lá fora".

Administradores: Muitos alunos de Administração se queixam que o curso é muito teórico e carece de prática. O senhor concorda?

Prof. Nique: Sim, concordo plenamente. A prova disso é que minhas aulas estão estreitamente vinculadas à realidade. Penso que QUALQUER matéria ou disciplina - e mesmo as mais árduas como estatística, matemática, entre outras - podem e devem ser vinculadas à realidade. Lembro-me que, no início de minha vida acadêmica, lecionava a disciplina Pesquisa Operacional para as turmas de engenharia da UFRGS. No programa, constavam as medidas de tendência central e de dispersão (que são os primeiros passos da estatística). Para criar o link entre a teoria e a prática, eu mandava os alunos medir e buscar a altura média dos porto-alegrenses (homens e mulheres) e saber qual a percentagem de cada sexo costumava ir aos estádios de futebol para que, de posse desses dados, eles projetassem arquibancadas onde quase ninguém (97% das pessoas) que estivesse sentado à frente de alguém atrapalhasse a visão do jogo. Este é um típico exemplo que comprova que se pode ajustar qualquer disciplina para que os alunos façam o amálgama realidade/teoria.

Administradores: No Brasil, é muito comum a academia e mercado torcerem o nariz um para o outro. O que se produz na academia (inclusive na área de Administração) permanece restrito ao meio acadêmico. O que perdemos com isso?

Prof. Nique: Isso acontece, e é um grande absurdo. Se a nossa missão como universidade é capacitar os nossos alunos para poderem atuar como executivos e empreendedores no mercado (99% dos alunos da graduação vão para as empresas enquanto apenas 1% se dirige ao ensino e à pesquisa), como abstrair-se deste mesmo mercado? Essa prática, que até admito que existam alguns professores que assim agem, é o mesmo do que tomar veneno e esperar que o inimigo morra.

As pontes de aproximação entre a academia e o mundo dos executivos existem, mas elas não são utilizadas. Os bancos de dados de teses, trabalhos, monografias, etc. estão à disposição por internet e vários outros meios. Por algumas razões, até de desconhecimento, os executivos não possuem a reação de vasculhar o que se fez para não ter que inventar a roda novamente. Aliás, eles pensam que o caso deles é específico e único - como muitas vezes fazemos quando nossos filhos nos preocupam. No fundo, a academia é como um Manual de Instruções que ninguém lê...

Administradores: É muito comum entre aqueles que optam por seguir a carreira acadêmica seguirem a seguinte trajetória: graduação>mestrado> doutorado. Entre a graduação e o mestrado, não têm nenhuma experiência no mercado e, após o mestrado, começam logo a dar aulas. Como você encara isso?

Prof. Nique: Em relação e esse percurso clássico de formação de professores (graduação/mestrado/doutorado), aqueles que entrarem em uma sala de aula com as mãos abanando em termos de experiência nas organizações serão ejetados rapidamente do sistema. Aliás, toda a formação dos professores está centrada na pesquisa, que é a busca do conhecimento da realidade, o que necessariamente implica em atuar nas organizações - tanto no conhecimento da realidade com um quadro teórico para o entendimento, como para realizar trabalhos de consultoria, por exemplo. O sujeito que não percorre este caminho está por fora da realidade, é um alienado sem chances de sucesso em qualquer universidade digna deste nome. O tripé da formação de professores de Administração é o ensino, a pesquisa e a consultoria, portanto sempre em contato estreito com a realidade.

Administradores: Em resumo: Para ensinar a administrar é necessário saber administrar?

Prof. Nique: Penso que sim. Administrar é tomar decisões - e tomar decisões necessita um processo de aprendizagem que tem necessariamente uma dupla entrada: a teoria e a prática. Muitas vezes, quando se hierarquiza alternativas para decisão, é muito fácil, na sala de aula ou teoricamente. Entretanto, quando chega o momento real de decidir nas organizações, a conversa é um pouco diferente, pois nunca se leva em conta todos os aspectos políticos (e política é a arte da relação) internos e externos. Isso é fundamental. Tratar com seres humanos requer muita prática, observação e perspicácia.

Administradores: O senhor disse que é possível fazer o vínculo da teoria com a prática em qualquer disciplina do curso de Administração. Como o senhor faz esse link em suas aulas?

Prof. Nique: Vou citar o exemplo da disciplina Pesquisa em Marketing, na qual a turma constrói na prática – do começo ao fim – uma pesquisa de marketing. Essa disciplina que desenvolvemos na Escola de Administração da UFRGS tem um método pedagógico bastante diferente em relação à forma como é ministrada em outras Escolas de Administração do Brasil e mesmo do exterior. Tenho plena convicção de que, se o aluno não consegue ver os resultados nos processos desenvolvidos em sala de aula, ele perde completamente o interesse na matéria. Além disso, o que é pior, no exercício de sua profissão, ele terá preconceitos em relação àquela área. O conhecimento, para mim, é um processo solitário que cada indivíduo desenvolve conforme suas capacidades, valores pessoais e objetivos de vida. A construção deste conhecimento é necessariamente uma mescla dinâmica da teoria com a práxis.

No primeiro encontro com os alunos, discutimos o processo que teremos durante o semestre e proponho que eles discutam possíveis temas que serão o objeto da pesquisa que irão realizar durante o semestre. Duas coisas que faço questão de salientar: o tempo dispensado à disciplina e a característica de utilização dos resultados pela comunidade (no caso, sempre se passa em Porto Alegre. por problemas de aplicação em outras áreas geográficas). Em relação à primeira, eles sabem que no mínimo, os mesmos quatro créditos (60 horas) eles terão de trabalho fora da sala de aula. A sala de aula é o espaço para o desenvolvimento teórico e para as perguntas e dúvidas que necessariamente surgirão. No que diz respeito ao segundo item, não vejo sentido algum um grupo de pessoas dispensar gratuitamente uma enorme energia para satisfazer necessidades comerciais de uma ou outra organização cujo fim é o lucro. A UFRGS é uma universidade pública e gratuita e, portanto, aqui vemos uma oportunidade de fazer um gesto à comunidade que, através de seus impostos, financia o ensino que os estudantes estão usufruindo.

Após dois ou três encontros, definimos o tema a ser abordado e começamos a definição do(s) objetivo(s) da pesquisa. Os alunos se dividem em grupos para racionalizar o processo de pesquisa. Saliento que não existe nenhuma indicação por parte do professor, e os alunos decidem participar em quantos grupos se lhes aprouver. Há um grupo coordenador, um grupo que montará a busca e seleção dos dados secundários, um outro que montará o grupo motivacional ou “focus group”. A partir destes dados, haverá a construção de um questionário que é tarefa de outro grupo. Paralelamente, existe um grupo para preparar o processo amostral que, necessariamente, será aleatório, e todos os procedimentos operacionais de aplicação do questionário. Depois de pré-testar o instrumento de coleta de dados, TODOS os alunos aplicam 20 questionários, o que nos faz uma amostra de umas 600 respostas. Cada estudante digitaliza seus 20 questionários, depois de haver participado de três aulas de manejo do software SPHINX (específico para pesquisas de marketing), e existe um grupo que fará a consolidação do banco de dados e a análise dos dados. Terminada a análise e discussão com o conjunto dos alunos, os coordenadores dos grupos reúnem-se com a coordenação para a construção do relatório de pesquisa que será disponibilizado através do site da disciplina e, às vezes, entregue a autoridades que se achar pertinente. Finalmente, este último grupo responsável pelo relatório, faz uma síntese (máximo de 10 páginas) apoiado por uma apresentação em “power point”, para divulgar para toda a turma em sala de aula. Faz-se um documento também para os meios de comunicação, de maneira a dar a maior visibilidade possível aos resultados obtidos. Seguidamente, os alunos são convidados a participar de programas inteiros de televisão ou de paginas inteiras de reportagens de jornais de grande circulação do Rio Grande do Sul. A discussão inicial do tema tende a privilegiar os assuntos mais na moda e, por conseqüência, tem espaço garantido na mídia.

No final, gosto muito de ressaltar, nesta disciplina não existe “copiar/colar”, prática bastante comum em algumas disciplinas do curso... Nesta disciplina, eles criam conhecimento que não existia anteriormente. E todos ficam realmente muito orgulhosos em ver seu conhecimento sendo entregue à coletividade.

Administradores: Muito interessante! De que forma isso impacta diretamente na formação dos alunos, futuros administradores?

Prof. Nique: Posso citar alguns resultados bastante evidentes. Vários alunos desenvolveram projetos de criação de empresas de Pesquisa em Marketing e de Consultoria. Cito, por exemplo, a Focal, desenvolvida pelo Gustavo Campos (), e a Destaque, criada pelo Marcelo Godói, duas grandes referências de pesquisa no Rio Grande do Sul.Em termos de feed-back, vários ex-alunos me mencionaram que, apesar de não haver feito mais pesquisas como a desenvolvida na disciplina, eles contratam, nas organizações onde atuam hoje em dia, serviços de empresas especializadas, e esta formação contribui enormemente para discutir cada projeto de pesquisa bem como fazer a crítica dos resultados. Este conhecimento é particularmente útil quando da decisão de adquirir esses serviços entre várias empresas/projetos.

Administradores: Quais metodologias adotadas em outros centros de excelência no ensino da administração do mundo que poderiam servir de referência para as instituições brasileiras?

Prof. Nique: Em termos de métodos de ensino adotados no ensino da administração, além do clássico de Harvard com seus estudos de caso, eu gostaria de salientar um curso que julgo ser o melhor (e medi bem as minhas palavras quando disse “o melhor”) curso de administração da América. Trata-se do curso Gestão para a Inovação e Liderança da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Desde logo, ressalto que sou professor da UFRGS, e não mantenho vinculos empregaticios com a UNISINOS, o que fortalece a minha legitimidade em fazer esta afirmação.

Este curso está concebido sobre duas colunas principais. A primeira é o tipo de abordagem, pois ela se diferencia da tradicional que é sob forma de disciplinas e estuda os fatos dos diversos prismas presentes. Por exemplo, vamos falar em renascença e, portanto, a “aula” será coordenada por um economista, um historiador, por um cientista político e por algum professor de arte. Todos os professores, isto é em conjunto na mesma sala, discutirão e apresentarão a realidade da renascença desde sua perspectiva. Posteriormente, os alunos vão às organizações (eu disse organizações por ser muito mais amplo que empresas) ver os vínculos com aquilo que foi discutido em aula. Este é um método absolutamente congruente com a realidade pós-moderna do hiper-espaço e totalmente inovador. A segunda coluna, decorrente da primeira e aflorada há pouco, é a prática sistemática nas organizações daquilo que é discutido em classe. E estas são em todos os sentidos e hierarquias e geografias... O assunto pode ser ligado ao processo produtivo que pode ser comparado entre o que existe no Rio Grande do Sul, na Argentina e no Uruguai, ou em outros estados do Brasil. Os alunos vão para os países citados, além do Chile, Canadá e Estados Unidos para estágios curtos de duas ou três semanas observando, trabalhando, discutindo nos diversos níveis funcionais da administração. Eu sou um grande entusiasta deste curso e lastimo não haver podido fazer um benchmarking aqui na Escola de Administração da UFRGS.

segunda-feira, junho 02, 2008

CPMF: bicho feio e difícil de matar

Após ter sido solenemente morta e enterrada pelo Congresso Nacional, a CPMF está em vias de viver sua segunda encarnação, agora rebatizada de CSS (Contribuição Social para a Saúde) e em versão menos agressiva (0,1% em vez de 0,38%). A criação da CSS foi proposta por causa da possível aprovação da chamada “Emenda 29”, que amplia em pouco mais de R$ 20 bilhões os recursos anuais para a saúde. Existem dois projetos de lei que regulamentam a Emenda 29: um na Câmara e outro no Senado. Do ponto de vista do governo federal, se o Congresso quer aumentar as verbas para a saúde, então que diga de onde sairá o dinheiro. Daí a proposta de ressurreição da CPMF, um imposto de padrasto e sem atestado de paternidade.

A propósito desse tão combatido imposto, é sempre bom lembrar um fato pouco comentado: se a CPMF arrecadava R$ 40 bilhões por ano, e se nossa carga tributária é de aproximadamente 40% do PIB, então, no fim de 2008, quando o dinheiro antes destinado à CPMF tiver retornado integralmente ao mercado consumidor, transformando-se em renda, outros R$ 16 bilhões adicionais terão sido arrecadados via outros impostos. Assim, o buraco deixado pela CPMF seria de "apenas" R$ 24 bilhões, não R$ 40 bilhões como diz o governo. Somando a isso os outros R$ 20 bilhões possíveis de serem arrecadados acima da meta do Tesouro, falta pouco para cobrir o buraco. Um mero aperto no cinto já daria conta do recado. Uma gestão mais adequada dos recursos existentes melhoraria ainda mais a situação.

É claro que, do ponto de vista exclusivo do governo, a CPMF, em qualquer de suas encarnações, tem ao menos dois grandes méritos. Primeiro, o esforço arrecadatório é mínimo: o contribuinte deposita seu dinheiro no banco, o banco desconta a alíquota correspondente e envia os recursos e informações para a Receita Federal. O governo tem apenas que fiscalizar os bancos, coisa que já faz com rigor, e não uma infinidade de pessoas físicas e jurídicas.

O segundo mérito é o tão propalado efeito fiscalizador do imposto. É óbvio que o esforço fiscalizador deve ser levado muito a sério, mas, para cumprir seu papel nessa área, a alíquota da CMPF poderia ser calculada de maneira que o imposto fosse, digamos, R$ 1,00 ao ano, ou ainda menos, para os contribuintes de menor renda. Digamos ainda que esse contribuinte receba um salário mínimo mensal, correspondendo a R$ 5.533 anuais (deixando de fora os descontos do IR, INSS e outros, mas incluindo décimo-terceiro e férias). Esse dinheiro, ao cair no mercado, gera CPMF. Assim, para arrecadar anualmente R$ 1,00 desse contribuinte, seria suficiente uma alíquota de 0,021%, ou seja, quase cinco vezes menor do que a alíquota da CSS atualmente proposta pelo governo.

Um efeito adverso mais assustador da CPMF, sempre ressaltado por economistas e tributaristas e que torna esse bicho tão feio, é a questão da base real do imposto. Ora, se a CPMF arrecadava R$ 40 bilhões anuais, e se a alíquota do imposto era 0,38%, então a base de cálculo era igual a R$ 40 bilhões divididos por 0,38%, que resulta em R$ 10,5 trilhões anuais. Esse número impressionante equivale a 4,9 vezes o PIB brasileiro nominal! Implantada a CSS, a situação não mudará muito: a alíquota diminuirá para 0,1%, mas a arrecadação prevista é de R$ 10 bilhões anuais, resultando em uma base de cálculo igual a 4,7 vezes o PIB nominal. Esse efeito é fácilmente explicável: quando o trabalhador tem seu salário depositado em uma conta bancária, a CPMF não é descontada; contudo, ao usar o dinheiro para comprar pão, por exemplo, o trabalhador transfere parte de sua renda ao padeiro, que depositará o dinheiro em outra conta e originará um desconto da CPMF; ao pagar seus fornecedores, o padeiro usará o dinheiro já tributado uma vez, mas que será tributado uma vez mais quando for depositado na conta dos fornecedores; esses fornecedores pagarão seus próprios fornecedores e assim por diante. Em resumo: a moeda circula e a CPMF (ou CSS) circula junto com ela. É por isso que o governo reluta em se livrar desse imposto que quase nenhum país adota atualmente: ele sabe que é impossível replicar tal nível de arrecadação, sem falar no baixo esforço arrecadatório, por meio de impostos convencionais. O bicho é feio, mas paradoxalmente irresistível!

Apesar de tudo, o ressurgimento da CPMF ainda não é certo, pois a feiura do bicho é tão grande que nem mesmo os deputados governistas, proponentes da Emenda 29, querem ver seus nomes associados a ele. Isso pode colocar o governo em uma situação difícil: se a Emenda 29 for aprovada, mas a CSS não, o presidente Lula terá a difícil missão de vetar o aumento dos repasses à saúde, por mera falta de recursos, coisa difícil de se fazer em qualquer época, mas especialmente difícil em ano eleitoral.

Ao contribuinte menos afeito à matemática fica o consolo de que o tributo tem ares de inocência. Afinal, uma arrecadação adicional de 0,1% não matará ninguém e talvez até salve, supondo-se que os recursos venham a ser de fato aplicados na saúde. Mas a todos fica a esperança de que algum dia uma desoneração fiscal possa durar mais de um ano no Brasil.

segunda-feira, maio 12, 2008

Aos 90 anos de nascimento de Richard P. Feynman

Richard P. Feynman (1918 – 1988), que teria feito 90 anos ontem, foi possivelmente o maior físico norte-americano do século XX. Alguns poucos brasileiros tiveram contato com ele nas vezes em que ele esteve por aqui, outros ficaram sabendo dele através das "Feynman Lectures on Physics", um conjunto de três volumes sobre física introdutória, e a maioria o conheceu quando a Editora Gradiva, de Lisboa, publicou a tradução de sua autobiografia "Surely You’re Joking, Mr. Feynman", em 1988.

Autobiografias de grandes homens são sempre perigosas. Einstein, ao escrever suas “Notas Autobiográficas”, foi criticado por ter se concentrado excessivamente na física, deixando os detalhes pessoais de lado. Feynman, por outro lado, foi criticado por ter se concentrado excessivamente nos detalhes de sua vida pessoal, deixando a física de lado. Na época do lançamento da edição original de "Surely You’re Joking" (1985), um editorial do American Journal of Physics o descreveu como “um gigante com pés de barros”, por causa de seus hábitos pouco acadêmicos: freqüentava bares de strip-tease, tocava bongô em todos os lugares por onde passava, não se preocupava em interagir com “gente comum”, desfilou no carnaval do Rio de Janeiro e participou de experiências psicológicas sobre “estados alterados”, as quais envolviam a imersão em tanques de privação dos sentidos e, de vez em quando, como ele confessou em sua autobiografia, o uso de um pouco de maconha.

Não sei se Feynman tinha pés de barro, mas ele certamente tinha pés humanos e não se esforçava em esconder essa humanidade e o desapego ao formalismo, como deixa transparecer nos “dados biográficos” fornecidos por ele na introdução de “Surely You’re Joking”:

Alguns fatos sobre minha vida: nasci em 1918, numa cidadezinha chamada Far Rockway, nos arredores de Nova Iorque, perto do mar. Vivi lá até 1935, tinha então 17 anos. Freqüentei o MIT durante quatro anos e depois fui para Princeton, por volta de 1939. Enquanto estive em Princeton comecei a trabalhar no Projeto Manhattan e fui finalmente para Los Alamos em abril de 1943, até as alturas de outubro ou novembro de 1946, quando fui para Cornell.

Casei-me com Arlene em 1941 e ela morreu de tuberculose enquanto eu estava em Los Alamos, em 1946.

Estive em Cornell mais ou menos até 1951. Visitei o Brasil no verão de 1949 e passei lá meio ano em 1951, indo depois para o Caltech, onde tenho estado desde então.

Estive no Japão umas semanas em 1951 e voltei lá passado um ano ou dois, logo depois de ter casado com a minha segunda mulher, Mary Lou.

Agora estou casado com Gweneth, que é inglesa, e temos dois filhos: Carl e Michelle.


Há duas omissões importantes nesses curtos dados autobiográficos: a menção aos trabalhos de Feynman em eletrodinâmica quântica, que lhe renderam o Nobel de física de 1965, e a menção à conquista do próprio prêmio Nobel. Também é curioso que ele tenha omitido o Nobel, mas citado o Brasil.

Feynman falava português com certa fluência. Ele conta ter conhecido o físico brasileiro Jaime Tiomno (n. 1920) em um seminário de física em Nova Iorque, no final dos anos 1940. Pouco depois, Tiomno conseguiu uma colocação para Feynman no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio de Janeiro, onde ele viria a passar um semestre em 1951, tentando ensinar física aos estudantes brasileiros.

As observações de Feynman sobre a educação brasileira não são nem um pouco agradáveis. Por exemplo, ele ficou particularmente irritado quando descobriu que os alunos estavam acostumados a decorar tudo, mas não eram capazes de aprender nada. No fim do ano letivo, ao dar uma palestra sobre suas experiências de ensino no Brasil, ele comentou: “o principal objetivo da minha palestra é mostrar que no Brasil não se ensina ciência alguma!”. Pode-se imaginar a confusão causada com tal declaração. Todavia, ele tinha argumentos consistentes e, no final da palestra, os professores e autoridades presentes acabaram por concordar com ele.

Há outro detalhe no conflito entre Feynman e a educação brasileira: ele insistia que o valor que damos a definições dicionarísticas de conceitos (palavras em termos de outras palavras) era exagerado. Em vez disso, deveríamos valorizar o real aprendizado dos conceitos, pois as palavras podem ser expressas em muitas línguas, enquanto os conceitos são universais. Só para citar um dentre inúmeros exemplos, grande parte de nossos estudantes de engenharia elétrica aprende que o termo “correto” a ser usado é “tensão elétrica”, e não “voltagem”. Contudo, esses mesmos estudantes muitas vezes falham ao serem solicitados a diferenciar “força eletromotriz” de “diferença de potencial”. As palavras corretas são importantes, especialmente quando os alunos forem escrever seus próprios artigos técnicos, mas os conceitos são muito mais importantes.

Em defesa dos professores brasileiros, vale ressaltar que o ensino da física no Brasil, por volta do início da década de 1950, estava em seu início. O CBPF havia sido fundado somente em janeiro de 1949, por Jaime Tiomno, César Lattes e José Leite Lopes. Antes disso, a física no Brasil era largamente ensinada por engenheiros ou por pesquisadores formados em outros países. Albert Einstein, por exemplo, quando esteve por aqui em 1925, foi recebido por matemáticos, não por físicos. Hoje, pouco menos de 60 anos depois da passagem de Feynman por aqui, já estamos em condições de exportar cérebros, não somente de importá-los. Também já temos inúmeros professores e pesquisadores capazes de ensinar no “estilo Feynman”. Contudo, o resto do mundo também evoluiu e melhorou, de forma que o caminho à frente ainda é longo em todas as áreas do conhecimento.

Quando visitou o Brasil, Feynman ainda estava a uma década e meia de se transformar na lenda viva que viria a ser. Por causa de sua personalidade exuberante e de sua grande capacidade didática, Feynman tornou-se muito mais conhecido do que os outros dois físicos com os quais dividiu o Nobel de 1965: Julian Schwinger (1918 – 1994) e Sin-Itiro Tomonaga (1906 – 1979). É por essa razão que quem quiser conhecer Feynman não encontrará grandes dificuldades, pois há muitos livros dele e sobre ele, traduzidos ou escritos diretamente em português. Para quem quiser conhecer o trabalho dele, por outro lado, o melhor caminho é começar pelas "Feynman Lectures on Physics", recentemente traduzidas pela editora Artmed sob o título “Lições de Física”. Os artigos técnicos de Feynman são em geral inacessíveis aos leigos, mas as "Lectures" continuam legíveis, atuais e instigantes, 42 anos depois de seu lançamento em língua inglesa.

quinta-feira, maio 08, 2008

As "Feynman Lectures" em português

Com apenas 42 anos de atraso, as Feynman Lectures on Physics acabam de receber uma tradução para o português, sob o título “Lições de Física”. A editora é a Artmed e o preço de lançamento é R$ 248 (apenas um pouco mais salgado do que o original em inglês, que custa US$ 133, cerca de R$ 224 ao câmbio do dia, frete incluso). A edição da Artmed é baseada naquela que recebeu o subtítulo “Edição Definitiva”, contendo os três volumes originais e mais 176 páginas de “dicas de física”.

As Feynman Lectures são o resultado de um curso introdutório de física, lecionado por Richard Feynman (1918 – 1988) no Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech). O curso foi oferecido uma única vez, entre 1961 e 1963. Posteriormente, entre 1964 e 1966, as Lectures foram editadas por Robert Leighton e Matthew Sands e publicadas em forma de livro. Em 1965, Feynman, já uma lenda da física aos 47 anos, dividiu o prêmio Nobel de Física com Julian Schwinger e Sin-Itiro Tomonaga, por seus trabalhos sobre eletrodinâmica quântica.

Feynman foi possivelmente o maior físico norte-americano do século XX. Tive sorte de descobri-lo bem no iníco da minha vida universitária, quando encontrei os dois primeiros volumes das Lectures on Physics na biblioteca do CEFET-PR. A diferença entre aquilo que os professores de física ensinavam e o conteúdo das Lectures era realmente impressionante e temo que a situação não tenha mudado. Foi um choque, mas, a muito custo, consegui acabar a leitura dos dois primeiros volumes (Mecânica Clássica e Eletromagnetismo) e ainda uma parte do terceiro (Mecânica Quântica), que consegui emprestado de outra biblioteca.

Vamos esperar que os estudantes brasileiros de engenharia e de física possam se beneficiar dessas Lições de Física da mesma forma que os leitores da língua inglesa até então. Assim, respirem fundo, pois são 1798 páginas!

terça-feira, abril 29, 2008

Chuva, trânsito ruim e contingências múltiplas

O trânsito em Curitiba está cada vez pior, como pode atestar facilmente qualquer um que tenha caído por esses lados nos últimos meses. Mas, com uma ajudinha do tempo e do governo, em qualquer de suas esferas, não há nada tão ruim que não possa ser piorado.

Na última segunda-feira, 28 de abril, o tempo ofereceu sua módica contribuição ao despejar, em um único dia, 70% da precipitação mensal esperada. Desse percentual, pelo menos um quarto deve ter caído entre as 18 e as 19 horas, quando eu estava no trânsito, a caminho das minhas aulas de segunda-feira.

Meu trajeto era simples: eu deveria sair da Av. Sete de Setembro, n° 4476, e ir até o n° 3165 da mesma avenida, onde fica a UTFPR. São apenas nove quadras, que, em dia de sol, podem ser percorridas em menos de quinze minutos de caminhada. Único problema para quem vai de carro: a Sete de Setembro é uma das famosas avenidas cortadas por aquelas abiloladas canaletas dos ônibus expressos, as quais já foram símbolo de arrojo, desenvolvimento e planejamento urbano, mas que hoje nada mais são do que um empecilho ao tráfego.

Por causa da canaleta, a solução ideal de virar à esquerda, indicada até mesmo pelo Google Maps (cujos idealizadores não têm idéia do que se passa na mente criativa dos planejadores urbanos) é impossível. Então, tive de virar à direita, dar uma volta inteira na quadra, com o céu desabando sobre mim, e finalmente tomar a Av. Silva Jardim, paralela à Sete, que deveria me levar rapidamente à UTFPR. O Google Maps, otimista, indica que o percurso pode ser feito em três minutos, mas, mesmo em condições normais de temperatura, pressão e precipitação ("CNTPP"), isso levaria dez minutos.

Os curitibanos estão acostumados a dar essas voltas na quadra, a ponto de já tê-las incorporado ao estilo de vida. Deve ser como desviar de balas perdidas no Rio de Janeiro ou ser empurrado para dentro de um vagão do metrô de Tóquio. O problema é que as condições estavam longe das "CNTPP". A chuva aumentou e, com ela, o congestionamento. Depois de ouvir três canções do McCartney sem ter me movido mais de duas quadras ao longo da Silva, cheguei à conclusão de que iria me atrasar pelo menos cinco minutos para a minha aula. Tudo bem. Caso necessário, meus valorosos alunos seriam capazes de esperar até o dobro desse tempo, embora não muito mais do que isso. Mas a chuva intensa foi apenas a primeira contingência.

Em dada altura, faltava apenas uma quadra para que eu pudesse virar à esquerda na Marechal Floriano Peixoto, andar mais uma quadra, tomar finalmente a Sete de Setembro e deixar o carro no estacionamento de sempre. Então, eis que aparece à minha frente aquela praga tão presente em temporais curitibanos: o carro quebrado! Lá estava ele, com seus pisca-alerta reluzentes, movendo-se a 0,01 quilômetros por hora e bloqueando metade da rua. A cada piscadela, as luzes dessa segunda contingência anunciavam que meu tempo não valia nada. Nesse momento, a chuva atingiu aquela intensidade da qual nem mesmo a limpador de parabrisa mais veloz consegue dar conta. Com algum esforço, um pouco de sorte e visão quase nula, consegui desviar do carro quebrado. Mais um pouco de sorte e eu conseguiria deixar o carro no estacionamento, atravessar a rua a pé e chegar à sala de aula levemente atrasado e apenas um pouco encharcado. A prefeitura de Curitiba, todavia, sempre reserva uma surpresa ou duas aos incautos.

Ocorre que a Marechal Floriano é mais uma dessas ruas anacrônicas com canaletas de ônibus expresso. Para piorar, por razões que ninguém conhece ao certo, a prefeitura resolveu esburacá-la ao longo de várias quadras, inclusive a quadra que eu precisava usar. Os planejadores chamam os buracos de “obras de melhoria”. Assim, aparentemente para proteger a integridade das obras, a URBS, empresa de urbanização de Curitiba, posicionou um nobre guardinha na esquina, cuja função era impedir que os veículos normais entrassem na Marechal, e que ajudava a tornar mais miserável o trânsito daquele entardecer chuvoso em Curitiba.

O trecho que eu precisava percorrer, embora esburacado aqui e lá, era totalmente trafegável, como ficará evidente em mais um ou dois parágrafos. Tentei argumentar com o guardinha, que se mostrou irredutível. Eu disse que só precisava deixar o carro no estacionamento da quadra de cima, e que já estava atrasado para a aula, mas ele disse que ninguém a não ser os ônibus podiam passar. Eu disse que eles estavam de brincadeira comigo, e ele respondeu: “Aqui não tem ninguém brincando, não”. Não adiantava espernear, não adiantava brigar, não havia a quem recorrer. Quando se depara com a autoridade constituída, o cidadão pagador de impostos só tem a lamentar.

Resignado com essa derradeira contingência, e quase perdendo a primeira das cinco aulas da noite, não me restava outra alternativa a não ser percorrer mais quatro quadras Silva Jardim abaixo, fazer o contorno à esquerda e retornar pela Sete de Setembro, percorrendo as mesmas quatro quadras no sentido inverso. Esperançoso, imaginei que eu ainda conseguiria chegar à sala de aula apenas vinte minutos atrasado, a tempo de pegar um aluno ou outro que não tivesse conseguido escapar.

Muitas canções do McCartney depois, consegui chegar ao cruzamento da Sete com a Marechal. Eram 19h, mas havia mais uma surpresa: o trânsito da Marechal havia agora sido liberado a todos! Tudo indica que, no tempo que eu levei para dar aquela volta toda, o expediente diário do guardinha havia se encerrado, ele havia batido o cartão-ponto, liberado a pista e ido embora sem maior peso na consciência. Aquele trecho que, quinze minutos antes, “sem brincadeira”, era proibido ao tráfego, agora estava totalmente liberado a veículos de qualquer natureza!

Deixei o carro no estacionamento e, como a chuva já havia miraculosamente amenizado e minha primeira aula já havia definitivamente ido para as cucuias, resolvi andar até o lugar onde o guardinha deveria estar, só para confirmar o paradeiro do sujeito. De fato, ele havia ido embora, levando consigo a capa de chuva e a cara-de-pau. No fim, fiquei até com pena dele. Afinal, como os nazistas em Auschwitz, ele estava apenas cumprindo ordens.

Desnecessário dizer que meus alunos já haviam sumido há tempos e não mais retornaram. Segundo a assistente de ensino, eles nem mesmo esperaram pela dispensa oficial e simplesmente pegaram o caminho da rua. Talvez tenham ido encontrar o guardinha da URBS em um bar qualquer das imediações, onde teceram planos para me fazer atrasar também na próxima segunda-feira. Afinal, em tempos de contingências múltiplas, nunca se sabe.

quarta-feira, abril 16, 2008

(Des)Atendimento ao Cliente *

Por Leandro Vieira**

Domingo à tarde, nada melhor que passear com a família no shopping. Lá estava eu, olhando as vitrines, completamente de bobeira e sem compromisso. Entro na livraria – meu destino favorito – e paro, primeiramente, na seção de revistas. Em menos de dez segundos, uma atendente me aborda com um grande sorriso nos dentes: “Boa tarde, senhor! Está procurando alguma coisa específica?”. Educadamente, respondi com o tradicional “estou apenas olhando, obrigado”. A atendente se coloca à disposição e me entrega uma fichinha com o seu nome e um código, algo de extremo mau gosto (a moda nessa livraria é entregar essas fichas para que as vendas sejam computadas ao atendente, independente dele prestar um atendimento ao cliente ou não).

Seleciono três revistas, e me dirijo à seção de livros de negócios. Ao me ver, a mesma atendente me aborda novamente: “chegaram muitas novidades essa semana! Está procurando algum título específico?”. Começo a pensar que ela é dotada de algum tipo de radar, ou sensor de movimento. Dispenso outra vez a sua ajuda com a mesma cordialidade, e inicio a leitura da contra-capa de um livro de marketing. “Quer uma cestinha pra colocar as revistas?”, quase grita no meu pé do ouvido, sempre sorrindo. “Isso não pode estar acontecendo”, penso eu. Mais uma vez, agradeço a atendente, e me dirijo ao fundo da livraria, com a intenção de me esconder e poder ler em paz a sinopse do livro. “Agora eu me livro dela”, falo com os meus botões.

Encontro uma confortável cadeira, sento-me e cruzo as pernas. Acho fantástico esse ambiente que as livrarias modernas inventaram para nos deixar bastante à vontade. O livro de marketing não era lá essas coisas. Começo a folhear as páginas de um almanaque dos anos 80 que alguém havia deixado na mesa à minha frente. Que interessante! Tinha o Bozo, o Ploc Monster, a Turma do Balão Mágico... “O SENHOR JÁ VIU O ALMANAQUE DOS ANOS 70?”, me desperta do transe nostálgico a maldita sorridente. “Não, obrigado!”, respondo já sem paciência.

Pior do que a falta de atenção ao cliente, só o excesso de atenção ao cliente. As empresas acreditam que impondo metas ou cotas de vendas a seus atendentes irão vender mais. Ledo engano. Fazendo isso, só conseguem transformá-los em chatos de galochas. É preciso deixar um espaço para os clientes respirarem. O processo de compra não é algo linear que começa com “Olá! Posso ajudá-lo?” e termina com “Muito obrigado e volte sempre!”. Envolve variáveis tão desconexas quanto lembrar da infância (eu estava quase comprando o almanaque dos anos 80!), ou imaginar o que a turma da faculdade vai achar do “meu novo computador”. Empresas, aprendam de uma vez: deixem seus clientes à vontade!

Fim da história: despistei a atendente sorridente, deixei as revistas e o almanaque dos anos 80 em uma prateleira e saí da loja de mãos abanando.

* Esse episódio é verídico e ocorreu em uma loja de uma grande rede nacional de livrarias, que recentemente foi comprada por outra rede maior ainda.

**Leandro Vieira é Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Administrador de Empresas pela UFPB e bacharel em Direito pelo UNIPÊ. Tem MBA em Marketing, pelo Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM) e Certificado em Empreendedorismo pela Harvard Business School. Foi professor da Escola de Administração da UFRGS. Criador e Editor do Portal http://www.administradores.com.br/.

sexta-feira, abril 11, 2008

O fim do mundo está próximo!

Acabo de tentar acessar o Google, como faço dezenas de vezes ao dia. Não consegui. Se alguém pensar que é mentira, é só dar uma olhada na figura ao lado (clique para aumentar), que mostra minhas tentativas de dar um "ping" em http://www.google.com/ . Também não consigo acessar via web.

Isso só pode significar uma coisa: o mundo está acabando!
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P.S.: aparentemente, o problema foi ocasionado por um defeito no link da Embratel. Assim, usuários que acessam a internet por outro link não foram prejudicados, pois o site do Google em si não foi atacado. Ainda não foi dessa vez.

quinta-feira, abril 10, 2008

O que querem os criacionistas?

Antigamente, lá pelos idos dos anos 20, os fundamentalistas cristãos, especialmente nos Estados Unidos, faziam oposição ferrenha à teoria da evolução, como sempre fizeram, mas não ofereciam uma teoria alternativa. Somente em 1929 o biólogo adventista Howard W. Clark propôs que a mera oposição não era suficiente e introduziu o termo “ciência do criacionismo”, que também ficou conhecida como “criacionismo científico”.

É claro que não basta anexar o adjetivo “científico” a uma disciplina para que esta se torne de fato científica, mas os criacionistas se aproveitam dessa confusão e usam o velho ditado “se nada como pato, voa como pato, grasna como pato, então só pode ser pato”. Da mesma forma, se você for um cientista profissional, falar como cientista, se comportar como cientista e usar termos científicos, então os desavisados tenderão a pensar que o assunto em discussão só pode ser científico.

É isso que acontece com o “design inteligente”, a mais nova dentre as cinco vertentes do criacionismo científico, surgida em 1989, com a publicação do livro “Of pandas and people”. Meu interesse pelo assunto (ou contra ele) foi renovado por causa do lançamento do documentário “Expelled: no intelligence allowed” (“Expulsos: nenhuma inteligência é permitida”), previsto para ocorrer no próximo dia 18. Em resumo, o filme, ao qual ainda não assisti e que é a mais nova frente de batalha dos criacionistas, afirma que os proponentes do design inteligente estão sendo perseguidos por causa de suas crenças de que existem indícios de “projeto inteligente” na natureza (daí o nome design, de vez em quando traduzido impropriamente como “desenho”).

Um dos principais conceitos da teoria do design inteligente é a “complexidade irredutível”. De acordo com Michael Behe, bioquímico norte-americano criador do conceito, um sistema é irredutivelmente complexo quando é formado por várias partes intercaladas e interdependentes, as quais contribuem para determinada função básica, e que param de funcionar quando ao menos uma das partes é removida.

Um exemplo citado por Behe é o de uma ratoeira: composta por várias partes interdependentes (mola, haste, lâmina, etc), a ratoeira não funciona se ao menos uma dessas partes for removida. Behe então prossegue afirmando que a natureza não seria capaz de criar sistemas irredutivelmente complexos, pois as várias partes interdependentes do sistema deveriam evoluir em conjunto, fenômeno que seria muito complicado e raro.

Exemplos biológicos de complexidade irredutível seriam o olho, o sistema imunológico e a cascata de coagulação sangüínea. A conclusão de Behe e de outros proponentes do design inteligente é que uma inteligência superior (não necessariamente Deus) seria a responsável pela criação da complexidade irredutível. Fora dos círculos criacionistas, todavia, nenhum cientista aceitou esse argumento e não há qualquer periódico científico “peer reviewed” que o defenda. Aliás, as idéias de Behe foram publicadas em um livro (“A caixa preta de Darwin”) e não em um periódico científico, como recomenda a boa prática.

Ao depor em um famoso julgamento de 2005 (Kitzmiller versus Escola Dover), Michael Behe afirmou que a ciência nunca seria capaz de encontrar uma resposta evolutiva para o sistema imunológico. Ele foi então apresentado a cinquenta e oito artigos de publicações “peer reviewed”, nove livros e vários capítulos de livros-texto versando sobre a evolução do sistema imunológico. A reação de Behe, claramente dogmática, foi afirmar que aquilo tudo ainda não era suficiente.

O caso Kitzmiller versus Escola Dover foi iniciado quando onze pais de alunos da escola Dover, na Pensilvânia, processaram os dirigentes por causa de uma declaração que deveria ser obrigatoriamente lida em sala cada vez que a teoria da evolução das espécies fosse ensinada. Essa declaração afirmava que a evolução das espécias era “apenas uma teoria” e oferecia o design inteligente, tal como exposto no livro Of pandas and people, como alternativa. O caso foi encerrado de maneira desfavorável aos proponentes do design inteligente, o qual foi considerado não científico e de origens claramente religiosas. Pela primeira vez na história dos EUA um tribunal de justiça considerava o design inteligente como uma forma de criacionismo e concluía que o ensino de ambos em escolas públicas norte-americanas era inconstitucional. O filme “Expelled: no intelligence allowed” cita esse caso como exemplo da “perseguição” sofrida pelos criacionistas.

É evidente que não se precisa recorrer a um tribunal para refutar o design inteligente, pois a maior fragilidade da teoria é evidente a qualquer um: deixar para Deus a responsabilidade da criação da complexidade irredutível. Alguns proponentes, tentando dar um caráter menos religioso à teoria, afirmam que não é necessário que o criador seja Deus, podendo ser também uma inteligência superior e incognoscível (um extraterrestre?). Mas daí vêm as inevitáveis perguntas: quem criou essa inteligência? Quem criou Deus?

Tais perguntas não podem ser respondidas de maneira científica e aos criacionistas resta o caminho da fé. Porém, se eles têm uma fé que lhes dá todas as respostas, por que precisam de uma teoria científica? E, se eles precisam de uma teoria científica para mostrar que Deus existe, por que precisam da fé? Finalmente, se os criacionistas não gostam da teoria da evolução, por que não criam uma teoria alternativa e verdadeiramente científica? Afinal, o que querem os criacionistas?