Na condição de engenheiro e professor de máquinas elétricas, freqüentemente recebo e-mails ou me envolvo em discussões com um tipo especial de inventor: o inventor de moto perpétuo. Não se trata de nada novo, pois a primeira tentativa de se construir um moto perpétuo, ou perpetuum mobile, data de 700 dC, mas a internet tem ajudado a divulgar o sonho da energia livre, barata e inesgotável.
Um moto perpétuo (ou moto contínuo) é uma máquina hipotética que seria capaz de operação contínua, sem consumo de energia ou ação externa, apenas por meio de conversões internas de energia. Sabemos atualmente que tais máquinas são impossíveis, por duas razões. Primeira, porque elas violam as leis da termodinâmica, que dizem ser impossível criar energia, a qual seria necessária para suprir as perdas. Segunda, porque, caso tais máquinas existissem, elas dificilmente poderiam ser escondidas do público. O impacto tecnológico seria tão grande que o inventor seria elevado imediatamente à categoria de um sucessor de Leonardo da Vinci, Thomas Alva Edison e Einstein (todos juntos). Como isso não aconteceu, decorre logicamente que os motos perpétuos não existem.
Ainda assim, qualquer estudante de engenharia elétrica já pensou, mesmo que brevemente, em construir uma máquina desse tipo. Afinal, máquinas elétricas podem funcionar como gerador ou como motor, dependendo da maneira como são ligadas. Se conectarmos uma máquina de corrente contínua a uma bateria, ela funciona como motor. Se, por outro lado, conectamos o eixo da máquina a uma turbina, aparece uma tensão elétrica nos terminais. Então bastaria conectarmos o eixo de um gerador ao eixo de um motor e ligar em paralelo os terminais de ambas as máquinas. Um impulso inicial faria o gerador gerar tensão elétrica, que seria usada pelo motor para produzir potência mecânica no eixo, que seria absorvida pelo gerador, induzindo tensão e assim por diante até o infinito.
Funciona? Bem, funciona, mas não até o infinito. Um dispositivo desses, desde que adequadamente construído, lubrificado, balanceado e super-dimensionado de modo a reduzir perdas, funcionaria durante algum tempo, talvez uma fração de segundo, mas não mais do que alguns segundos, e estaria longe de ser um moto perpétuo.
Teoricamente, existiriam dois tipos de moto perpétuo: os de primeira espécie, e os de segunda espécie. Os de primeira espécie produziriam mais energia do que consomem, violando a lei da conservação da energia, que é a primeira lei da termodinâmica. Já os de segunda espécie converteriam energia térmica espontaneamente em trabalho mecânico, violando a segunda lei da termodinâmica, que diz que a entropia de um sistema sempre aumenta entre conversões sucessivas de energia (ou, em palavras mais simples, o calor não pode passar espontaneamente de um corpo frio para um corpo quente).
Naturalmente, nenhum desses argumentos convencerá os inventores de motos perpétuos, especialmente porque alguns deles sabem que as leis da termodinâmica foram desenvolvidas, em parte, para explicar a impossibilidade de se construir motos perpétuos! Além disso, do ponto de vista de um leigo, a termodinâmica parece ausente do problema de se construir uma máquina elétrica perfeita. Contudo, quase todas as perdas em uma máquina elétrica (motor ou gerador) são de natureza térmica, de modo que a termodinâmica está sempre presente.
Do ponto de vista de um engenheiro projetista de máquinas elétricas, que passa boa parte da vida tentando aumentar o rendimento operacional de 90% para 91%, o sonho do moto perpétuo é mais distante do que o sonho do PIB brasileiro ultrapassar o norte-americano antes do final da década. Afinal, uma máquina que tenha um rendimento (*) de "apenas" 99,99999999% ainda estará infinitamente distante de se tornar um moto perpétuo. Sem falar que, se uma máquina dessas for realmente inventada, levará uma eternidade para testá-la!
É claro que sempre há o argumento de que o nosso conhecimento das leis da física pode ser incompleto (ninguém duvida disso!) ou que, no futuro, poderemos ser capazes de alterar essas leis. Talvez. Mas isso acontecerá só um pouco depois de termos conquistado as estrelas, acabado com a pobreza e adquirido a capacidade de mutiplicar os pães e andar sobre as águas. Até lá, continuará valendo a frase popularizada por Milton Friedman, economista norte-americano recentemente falecido: "não existe almoço de graça"!
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(*) O rendimento, ou eficiência, de uma máquina é a relação entre a potência de saída e a potência de entrada. Como não se pode obter na saída mais do que se tem na entrada, o rendimento é sempre menor do que 100%.