quarta-feira, novembro 22, 2006

Meu sonho com Alckmin e Lula

Muito provavelmente sou o único cidadão desse país que tem sonhos com políticos e não é político. Certa vez, ao me recuperar de uma anestesia após uma endoscopia, sonhei com FHC. Pouco antes das eleições presidenciais de 2006, sonhei com Lula. Hoje, voltei a sonhar com ele, dessa vez acompanhado de Alckmin.

No sonho, Lula e Alckmin estavam participando de um debate televisivo durante a campanha para a prefeitura de São Paulo (!). Lula estava do jeito de sempre, mas Alckmin estava mais baixo, menos calvo e um pouco parecido com Ross Perrot. Em vez de ser realizado em um estúdio de TV, o debate era realizado em uma espécie de ginásio de esportes, com os debatedores no centro da quadra e o público nas arquibancadas.

Após várias trocas de acusações, o debate começou a ficar mais acalorado e Alckmin partiu literalmente para cima de Lula. Após sacudir Lula por uns instantes, deu-lhe um soco no ombro direito, usando uma luva de boxe. Não me perguntem de onde surgiu a luva, mas o público adorou! Então, Lula demoliu Alckmin e tornou-se o único candidato da história brasileira a vencer um debate por nocaute.

Uma bela metáfora freudiana do que aconteceu durante a campanha para o segundo turno. Pena que não chegou a tempo de avisar Alckmin.

terça-feira, novembro 21, 2006

Máquinas impossíveis

Na condição de engenheiro e professor de máquinas elétricas, freqüentemente recebo e-mails ou me envolvo em discussões com um tipo especial de inventor: o inventor de moto perpétuo. Não se trata de nada novo, pois a primeira tentativa de se construir um moto perpétuo, ou perpetuum mobile, data de 700 dC, mas a internet tem ajudado a divulgar o sonho da energia livre, barata e inesgotável.

Um moto perpétuo (ou moto contínuo) é uma máquina hipotética que seria capaz de operação contínua, sem consumo de energia ou ação externa, apenas por meio de conversões internas de energia. Sabemos atualmente que tais máquinas são impossíveis, por duas razões. Primeira, porque elas violam as leis da termodinâmica, que dizem ser impossível criar energia, a qual seria necessária para suprir as perdas. Segunda, porque, caso tais máquinas existissem, elas dificilmente poderiam ser escondidas do público. O impacto tecnológico seria tão grande que o inventor seria elevado imediatamente à categoria de um sucessor de Leonardo da Vinci, Thomas Alva Edison e Einstein (todos juntos). Como isso não aconteceu, decorre logicamente que os motos perpétuos não existem.

Ainda assim, qualquer estudante de engenharia elétrica já pensou, mesmo que brevemente, em construir uma máquina desse tipo. Afinal, máquinas elétricas podem funcionar como gerador ou como motor, dependendo da maneira como são ligadas. Se conectarmos uma máquina de corrente contínua a uma bateria, ela funciona como motor. Se, por outro lado, conectamos o eixo da máquina a uma turbina, aparece uma tensão elétrica nos terminais. Então bastaria conectarmos o eixo de um gerador ao eixo de um motor e ligar em paralelo os terminais de ambas as máquinas. Um impulso inicial faria o gerador gerar tensão elétrica, que seria usada pelo motor para produzir potência mecânica no eixo, que seria absorvida pelo gerador, induzindo tensão e assim por diante até o infinito.

Funciona? Bem, funciona, mas não até o infinito. Um dispositivo desses, desde que adequadamente construído, lubrificado, balanceado e super-dimensionado de modo a reduzir perdas, funcionaria durante algum tempo, talvez uma fração de segundo, mas não mais do que alguns segundos, e estaria longe de ser um moto perpétuo.

Teoricamente, existiriam dois tipos de moto perpétuo: os de primeira espécie, e os de segunda espécie. Os de primeira espécie produziriam mais energia do que consomem, violando a lei da conservação da energia, que é a primeira lei da termodinâmica. Já os de segunda espécie converteriam energia térmica espontaneamente em trabalho mecânico, violando a segunda lei da termodinâmica, que diz que a entropia de um sistema sempre aumenta entre conversões sucessivas de energia (ou, em palavras mais simples, o calor não pode passar espontaneamente de um corpo frio para um corpo quente).

Naturalmente, nenhum desses argumentos convencerá os inventores de motos perpétuos, especialmente porque alguns deles sabem que as leis da termodinâmica foram desenvolvidas, em parte, para explicar a impossibilidade de se construir motos perpétuos! Além disso, do ponto de vista de um leigo, a termodinâmica parece ausente do problema de se construir uma máquina elétrica perfeita. Contudo, quase todas as perdas em uma máquina elétrica (motor ou gerador) são de natureza térmica, de modo que a termodinâmica está sempre presente.

Do ponto de vista de um engenheiro projetista de máquinas elétricas, que passa boa parte da vida tentando aumentar o rendimento operacional de 90% para 91%, o sonho do moto perpétuo é mais distante do que o sonho do PIB brasileiro ultrapassar o norte-americano antes do final da década. Afinal, uma máquina que tenha um rendimento (*) de "apenas" 99,99999999% ainda estará infinitamente distante de se tornar um moto perpétuo. Sem falar que, se uma máquina dessas for realmente inventada, levará uma eternidade para testá-la!

É claro que sempre há o argumento de que o nosso conhecimento das leis da física pode ser incompleto (ninguém duvida disso!) ou que, no futuro, poderemos ser capazes de alterar essas leis. Talvez. Mas isso acontecerá só um pouco depois de termos conquistado as estrelas, acabado com a pobreza e adquirido a capacidade de mutiplicar os pães e andar sobre as águas. Até lá, continuará valendo a frase popularizada por Milton Friedman, economista norte-americano recentemente falecido: "não existe almoço de graça"!

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(*) O rendimento, ou eficiência, de uma máquina é a relação entre a potência de saída e a potência de entrada. Como não se pode obter na saída mais do que se tem na entrada, o rendimento é sempre menor do que 100%.

segunda-feira, novembro 20, 2006

CNBB: uma no cravo, outra na ferradura

Em entrevista coletiva organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na última sexta-feira, Dom Aldo Pagotto, presidente da Pastoral Social da CNBB, fez duras críticas ao programa Bolsa Família:

Não estamos muito satisfeitos com o programa como está. No Nordeste existem pessoas que não querem trabalhar porque se contentam com o mínimo. As pessoas precisam ser inseridas no mundo do trabalho. A capacitação não pode ser só pelas universidades, mas é preciso investir em educação profissionalizante para os trabalhos. Do modo como está sendo levado, (o Bolsa Família) é um programa assistencialista que vicia. É só uma ajuda pessoal familiar. O povo tem que se organizar. Do jeito como está, levou à acomodação e ao empanzinamento”.

É surpreendente que uma entidade representante da era do bronze, que frequentemente sugere coisas como a suspensão do pagamento da dívida externa, ato que mergulharia o Brasil em mais uma década perdida, seja capaz de esboçar um raciocínio com um mínimo de validade econômica. Só faltou citar o termo "incentivo perverso".

Contudo, para mostrar que continua aferrada às práticas do passado, quando o Estado era o único e grande empreendedor do país, o representante da CNBB diz que "foi providencial que o governo tenha colocado 'freios' na onda de privatização instalada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso". A CNBB informa ainda que quer realizar um "plebiscito educacional" sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, no momento uma das empresas mais lucrativas do país e cuja estatização seria um retrocesso impensável. Tudo bem. Os plebiscitos da CNBB rendem tantos resultados quanto os pedidos por paz do Papa.

O presidente da Caritas (organismo da CNBB), D. Demétrio Valentini, afirma que "é preciso ter coragem para conferir o que foi feito" (na privatização da Vale). Ele se esquece de dizer que a Vale foi privatizada em leilão público e que cabe ao Judiciário, não à Igreja, investigar possíveis irregularidades. Também se esquece de dizer que o verdadeiro ato de coragem teria sido fazer o pronunciamento sobre o Bolsa Família antes das eleições presidenciais.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Novembro de 1906: um brasileiro nos céus de Paris

Em outubro de 1906, o brasileiro Alberto Santos-Dumont já havia feito seu primeiro vôo com o 14 Bis, a primeira aeronave mais pesada do que o ar a levantar vôo sem equipamentos auxiliares. Pela façanha, recebeu um prêmio de 3.000 francos (cerca de R$ 30.000 atuais). Em 12 de novembro do mesmo ano, o brasileiro voltou ao comando do 14 Bis, realizando o primeiro vôo reconhecido pela Federação Aeronáutica Internacional.

Muitos brasileiros ficam irritados quando os norte-americanos afirmam que o avião foi inventado pelos irmãos Wright. O interessante é que muitos países têm seus pioneiros da aviação. Os neozelandeses têm Richard Pearse, os alemães têm Karl Jatho, os romenos têm Traian Vuia e até mesmo os irmãos Wright têm concorrentes nos Estados Unidos, pois muitos dizem que Gustave Whitehead teria alçado vôo em uma aeronave mais pesada do que o ar em 1901, dois anos antes de Wilbur e Orville. Na época, havia uma grande concorrência entre inventores de diversas partes do mundo, pois, com a invenção do motor a combustão interna, era só uma questão de tempo até que alguém resolvesse o complicado problema do vôo com o mais pesado do que o ar. Assim, para nós, brasileiros, a questão da primazia de Santos-Dumont não é realmente importante.

Lembremos que, por volta do início do século XX, os Estados Unidos já haviam ultrapassado o PIB da Inglaterra. Já havia naquele país, como sempre houve, um grande respeito pela iniciativa privada, por invenções e por inovações. De fato, Wilbur e Orville Wright trabalharam em terra pátria, de olho no potencial comercial do invento, escondendo o projeto dos concorrentes. O Brasil, por outro lado, era uma grande fazenda recém-saída do Império. Não havia aqui indústria de porte, pois ainda sofríamos os efeitos devastadores da administração colonial de um Portugal tão atrasado que impedia que as colônias tivessem indústrias de qualquer espécie ou sequer imprimissem livros. A Santos-Dumont, como a tantos outros antes e depois dele, não restava alternativa a não ser atravessar o Atlântico e instalar-se no centro do mundo civilizado: Paris.

Na França, Santos-Dumont construiu 11 dirigíveis entre 1898 e 1905. Usando o dirigível Número 6, ele conquistou um prêmio de 100.000 francos, após partir do Parque Saint Cloud, contornar a Torre Eiffel e retornar em menos de 30 minutos, mantendo velocidade acima de 22km/h. Depois disso, Santos-Dumont tornou-se uma celebridade em Paris, a ponto de ter seu estilo de vestuário copiado pelos parienses, e viajou aos Estados Unidos em 1904, sendo recebido pelo presidente Theodore Roosevelt. Isso tudo ocorreu antes do 14 Bis e daquele que foi a mais perfeita de todas as aerovaves primitivas: o Número 19, mais conhecido como Demoiselle. Ao contrário dos irmãos Wright, que tinham ambições militares para o Flyer, Santos-Dumont sonhava com um futuro no qual todos teriam um avião particular.

Santos-Dumont não precisa ser lembrado por ter sido o inventor do avião, por ter sido o primeiro a levantar vôo sem equipamentos auxiliares em uma aeronave mais pesada do que o ar ou por ter sido o inventor do ultra-leve. Ele deve ser lembrado simplesmente por ter mostrado que, dadas as condições adequadas, os brasileiros podem concorrer em pé de igualdade em ciência e tecnologia de ponta. É isso que realmente importa.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Projeto de lei do controle de acesso à internet retirado da pauta da CCJ

Ainda há alguma esperança no ar. O Projeto de Lei Substitutiva 124/06, que está em tramitação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e prevê uma maior regulamentação sobre o acesso à internet, foi retirado da pauta nesta terça-feira (7/11).

O comentário do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos sobre o projeto foi: "Qualquer tentativa de coibir a liberdade de expressão deve ser liminarmente afastada. Como dizia aquele juiz da Suprema Corte americana, a Constituição não quer que a imprensa seja justa. A Constituição quer que a imprensa seja livre. Acredito que o projeto tem problemas."

Não há data prevista para que o projeto volte a à pauta.

terça-feira, novembro 07, 2006

Controle do acesso à internet, declive escorregadio e liberdades individuais

De acordo com reportagem da Folha de São Paulo , a "Comissão de Constituição e Justiça do Senado votará, na próxima quarta-feira, um projeto de lei que obriga a identificação dos usuários da internet antes de iniciarem qualquer operação que envolva interatividade, como envio de e-mails, conversas em salas de bate-papo, criação de blogs, captura de dados (como baixar músicas, filmes, imagens), entre outros. " [1] .

O projeto prevê ainda pena de reclusão de dois a quatro anos para quem acessar a internet sem se identificar, sendo que os provedores de internet ficariam responsáveis pela veracidade dos dados cadastrais dos usuários e estariam sujeitos à mesma pena.

Não tenho dúvidas que há muita liberdade na internet e que muita gente é colocada em perigo por causa disso, especialmente crianças, que se tornam vítimas de pedófilos, e clientes de bancos, que se tornam vítmas de hackers. As dúvidas que tenho são apenas duas:

1. Quem garante que, após a entrada em vigor da lei, um infrator não poderá ter acesso aos documentos de outra pessoa, usando-os para abrir uma conta em um provedor qualquer, cometendo os mais variados crimes e fazendo a culpa recair sobre o dono dos documentos? Se contas bancárias, que exigem RG e CNPF, são abertas facilmente com o uso de documentos de terceiros, quem garante que o mesmo não acontecerá com contas de acesso à internet?

2. Quem garante que essa cassação da liberdade de acesso não será o início de um processo maior de controle? Quem garante que esse declive em que estamos prester a entrar não é escorregadio? Afinal, como dizia David Hume, filósofo escocês do século XVIII, "raramente se perde qualquer tipo de liberdade de uma única vez".


[1] LOBATO, Elvira. Projeto quer controlar acesso à internet. Folha de São Paulo. 6 de nov. 2006. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u20908.shtml>. Acesso em 7 de nov. 2006.