quarta-feira, julho 04, 2012

A Ciência fica mais pobre

O Prof. Luiz Ferraz Netto, conhecido entre todos como Léo, deixou-nos hoje. Fiquei sabendo disso logo de manhã, assim que abri a ciencialist, que ele frequentava e habitava e na qual travávamos umas boas brigas desde os anos 90. Não o conheci pessoalmente e, embora eu soubesse de sua idade razoavelmente avançada, esperava poder brigar com ele ainda por uns vinte anos.

Uma mensagem muito melhor do que a que eu poderia escrever foi escrita pelo amigo Roberto Takata, companheiro do  ciencialist e de outras paragens internéticas. Homens e mulheres de ciência ficam meio sem jeito nessas horas em que o fim chega, mas o Roberto soube dizer tudo o que era necessário: "Amigos deveriam ser imortais".

Einstein and Eddington – o filme


"Einstein and Eddington" é uma co-produção da BBC e da HBO, de 2008, que trata da fase final do desenvolvimento da teoria da relatividade geral, por Einstein, e da comprovação da deflexão da luz das estrelas pelo Sol, uma das previsões da teoria, por Eddington. Somente agora, com o filme sendo exibido pela HBO SIG, mesmo que em horários bastante impróprios, tive contato com ele. Não é excelente, não é péssimo.

O filme se desenrola como uma espécie de díptico, com as vidas de Einstein e Eddington sendo contadas em paralelo, ambos se encontrando apenas na cena final. É 1914, Einstein tem 35 anos, Eddington tem 32. Einstein acaba de se mudar para Berlim, tendo sido apontado diretor do Instituto de Física Kaiser Wilhelm (mais tarde englobado pela Sociedade Max Planck), onde ficaria até 1932. Eddington está em Cambridge e acaba de descobrir os trabalhos de Einstein, que irá se encarregar de apresentar ao público de língua inglesa.

Einstein é apresentado no filme como o mulherengo que sempre foi. Eddington é apresentado como um Quaker de tendências levemente homossexuais (coisa perigosa na Inglaterra da época), que se recusava a participar da Primeira Guerra e estudava a literatura do inimigo (coisa ainda mais perigosa).

Elsa Löwenthal, que viria a ser a segunda esposa de Einstein, é apresentada como uma jovem de vinte e poucos anos. Na verdade, por volta de 1914 ela já estava com quase quarenta anos, era divorciada e tinha duas filhas: Ilse (n. 1897) e Margot (n. 1899). Mais tarde Einstein viria a ter, digamos, um "rabicho" com Ilse, da qual teve de desistir para ficar com Elsa.

O Einstein do filme é visto quase como um adolescente inconsequente, mas simplesmente não pode ter sido assim. Em 1914 ele já era um físico bastante conhecido na Europa. Por exemplo, os registros da Comissão Nobel mostram que ele foi nomeado para o Nobel de Física em todos os anos, de 1910 a 1922, com exceção de 1911 e 1915 [1, cap. 30].

O filme também dá a entender que, para conseguir a forma final da relatividade geral, ou ao menos aquela forma que possibilitou as medições do eclipse de 1919, Einstein teria pedido a ajuda de Planck. No entanto, Abraham Pais faz um minucioso levantamento de todos os cobaloradores de Einstein [1, cap. 29] e Planck não consta dela. Teria sido mais adequado incluir Hilbert no filme, que de fato ajudou Einstein com a matemática da relatividade, mesmo sem assinar artigos com ele. Mas Hilbert estava em Göttingen e talvez as verbas de produção já estivessem curtas. O Planck do filme também parece mais entusiasmado com a relatividade geral do que deve ter sido antes de 1919. De fato, dizem que, ao ter sabido de Einstein que a generalização da relatividade poderia conduzir a uma nova teoria da gravitação, Planck teria dito: "Você não vai conseguir e, caso consiga, ninguém acreditará em você!".

Finalmente, o filme deixa a impressão de que a mídia ficou sabendo dos resultados das medições do eclipse antes do próprio Einstein e correu para a porta dele com máquinas fotográficas em punho, que recebeu a todos e fez a famosa pose da língua de fora. Não é nada disso. A foto da língua é de muitas décadas depois, em 1951, nos EUA. Em 1919 o próprio Einstein, que estava de cama e um pouco adoentado, ficou sabendo das notícias do eclipse, por meio de um telegrama de Lorentz, e disse simplesmente: "Eu sabia" [2, p.242].

Embora conte quase tudo errado, o filme até que é interessante. Primeiro, porque é um filme biográfico sobre Einstein, personagem histórico que até hoje não tem um filme biográfico decente (num mundo em que até Zezé di Camargo e Luciano têm um filme biográfico!). Segundo, por nos contar algo da biografia de Eddington, o experimentalista responsável pela descoberta de 1919, mas que não passou para a história da mesma forma que Einstein. Infelizmente, é sempre assim: a física é uma ciência essencialmente experimental, que não vive só da teoria, mas os teóricos são sempre muito mais lembrados do que os experimentalistas. O filme também é interessante por mostrar a qualquer um que pessoas tão diferentes quanto Einstein e Eddington podem se unir por mais de um laço comum: a física e o pacifismo.

[1] PAIS, Abraham. Subtle is the Lord, 1982.
[2] LEVENSON, Thomas. Einstein em Berlim, 2003.