Datena, ateus e falta de método
Em programa recente o Sr. Datena voltou a ofender os ateus deste ensolarado país. Não vou repetir aqui as palavras dele, as quais já foram exaustivamente reproduzidas em vários lugares, mas cabe lembrar que, em resposta, os ateus brasileiros se comportaram exatamente como queria Datena, ou seja, fazendo propaganda gratuita dele e espalhando uma certa dose de injúrias.
Talvez os ateus brasileiros devessem ter aprendido com o epísódio do #calabocagalvão, que pretendia abafar a voz de Galvão Bueno durante a Copa do Mundo, mas foi habilmente usado pela Rede Globo em sentido contrário. E, se Datena ganha a vida criando confusão, ele deve saber muito bem o que pretende também dessa vez. Sem falar que ele está muito acostumado com esse estilo "bateu-levou" adotado por muitos que estão no contra-ataque.
Além das injúrias dirigidas contra Datena, outra reação dos ateus que me deixa decepcionado é a citação de exemplos de que eles são "boa gente", geralmente iniciando pela inclusão do próprio autor da citação. Ora, isso nada mais é do que evidência anedótica, ou seja, algo como aqueles testemunhos que os religiosos usam em profusão ("eu fui salvo", "minha mãe foi salva", etc). Esse tipo de evidência não tem nem mesmo validade estatística, quanto mais validade científica. Estudos sérios sobre a moralidade dos não religiosos, sejam eles ateus, agnósticos, céticos ou assemelhados, por certo existem (e apontam em favor deles), mas, até onde percebi, poucos blogs os citaram dessa vez (uma exceção foi o Bule Voador, sempre atualizado, que lembrou um estudo citado pelo Estadão). É preciso um pouco mais de método, especialmente vindo de quem diz valorizar a ciência acima de tudo.
Para que não me acusem de não fazer minha própria lição de casa, citando fatos sem evidências, aqui vai uma pequena amostra. Fiquei alguns minutos conectado ao trend topic #calabocadatena via TweetDeck e os tweets recebidos, entre 20h19 e as 23h30, de um total de 139, encaixam-se nas seguintes categorias de frases:
- "Segundo Datena: 'Ateus são pessoas sem limites, por isso matam, cometem essas atrocidades'" (30,22%).
- "#calabocadatena" (seguido de nada ou quase nada) (25,18%).
- "Se o Datena falasse a mesma coisa, mas com negros ou homossexuais, ele estaria no TT mundial agora e cheio de processo" (10,79%).
- "Como nós temos mais de mil ateus? Aposto que muitos desses estão ligando da cadeia" (2,88%).
- 'Como pode homens sem Deus serem bons? Como dizia José Saramago, como pode homens COM Deus serem tão ruins, Datena?" (2,88%).
- "Será que o Datena se lembrou que seu colega da Band, Ricardo Boechat, é ateu?" (2,88%).
- "ateus desabafam contra intolerância" (1,44%).
- "Vá estudar HISTÓRIA, Datena. Algumas das maiores atrocidades foram cometidas por religiosos como você" (1,44%).
- "De acordo com o Datena 65% dos japoneses e 48% dos russos cometem atrocidades, matam e são sem limites" (1,44%).
- "Datena se esqueceu que preconceito é CRIME. É justamente isso que vemos no programa dele, criminosos" (1,44%).
- "Precisamos de mais apresentadores como @marcelotas do que Datenas na televisão Brasileira" (1,44%).
- Restante dos tweets (de um total de 139) (8,71%).
É claro que o rápido levantamento acima nada tem de científico (e nem tenho tempo para isso) e alguém pode até me acusar de estar esperando seriedade demais de uma ferramenta como o Twitter. Mas o levantamento ao menos mostra que a atuação dos ateus brasileiros na internet talvez esteja um pouco fora de perspectiva.
Da minha parte, fica a sugestão de que o ateísmo, quando tomado isoladamente, não é tão importante quanto pensam os ateus e nem tão perigoso como temem os religiosos. Sim, muitos cientistas são ou foram ateus, mas, antes de ateus, são ou foram cientistas. Assim, o que interessa não é pregar a falta de religião, mas divulgar a ciência e investir em educação. O resto, se é que existe resto, virá junto.