segunda-feira, outubro 29, 2007

O pavoroso inglês dos aeroviários

Depois de um longo período sem viajar de avião, tive de enfrentar aeroportos seis vezes nas últimas duas semanas. Meu último vôo havia sido em julho do ano passado, quando da realização do SBSE 2006. Depois disso, só precisei viajar dentro do Paraná e de Santa Catarina, em trajetos mais adequados a uma viagem de carro. Assim, não sofri com a crise aérea recente, a qual dizem ainda não ter acabado.

Descobri que agora os aeroportos solicitam que o passageiro retire o laptop da mala e o passem individualmente pelo aparelho de raios X. Também me solicitaram que eu retirasse carteiras de cigarro, caso houvesse alguma. Respondi que nunca sofri dessa praga e perguntei a razão. “É que as carteiras de cigarro têm um papel metálico que confunde o raio X”, disse a funcionária.

Interessante, pensei, como esses aparelhos de hoje em dia são sensíveis.

Então passei a minha mala pelo raio X, dentro da qual havia uma calculadora, um molho de chaves, uma caneta metálica e um tubo de desodorante em aerosol, igualmente metálico. O raio X não se confundiu. Na verdade, nem mesmo se deu conta desses itens tão perigosos à segurança nacional.

Fora isso, não percebi maiores modificações nos procedimentos aeroportuários. O Galeão estava daquele jeito decrépito de sempre, com painéis da década de 80 e aquela locutora falando com uma voz de quem está tendo orgasmos múltiplos. Viracopos, recentemente reformado, não mudou muito. Apenas teve uma “praça de alimentação” acrescentada, uma certa mudança no visual e um certo aumento do espaço físico. No andar superior, persiste a placa que anuncia para breve mais uma franquia da Telefônica.

E o Afonso Pena, é claro, continua como sempre foi, o que não é de todo mal. O aspecto realmente ruim desse aeroporto é que, ao passar pela porta de saída, a qualquer hora do dia ou da noite, você é imediatamente atingido por uma lufada de fumaça fétida, pois os funcionários e passageiros usam aquela área como “fumódromo”.

Outra coisa que não mudou foi a qualidade do inglês falado por pilotos e comissários de bordo, que continua abaixo de qualquer nível desejável. Deve haver uma competição secreta entre aeroviários e o pessoal da TI (de todas as empresas) para ver quem é capaz de falar o inglês mais cucaracha possível. Mas há um agravante no caso dos aeroviários: o texto deles é lido!

Só para dar um exemplo, voltei do Rio de Janeiro a bordo de uma empresa cujo lema é algo como “a companhia aérea mais simpática do Brasil”. Antes da decolagem, os comissários de bordo executaram aqueles procedimentos de sempre, nos quais ninguém presta atenção. Por um lado, quem voa sempre não aguenta mais aquilo. Por outro lado, quem é novato em vôos civis, ou quem tem medo de voar, deve entender que é uma tremenda falta de sensilidade falar em procedimentos de emergência durante a decolagem.

De qualquer forma, o avião entrou em velocidade de cruzeiro e o chefe de equipe passou a descrever algumas coisas sobre o vôo. Não me lembro de quase nada do que ele disse, mas o texto em português foi encerrado com o lema da empresa. Fiquei levemente curioso para saber como eles iriam traduzir a palavra “simpática” e tentei acompanhar o texto em inglês até o fim. Eles optaram pelo termo “friendly”, mas o comissário pronunciou essa palavra de uma maneira totalmente abstrusa: “fráindly”.

Estou acostumado com bordoadas no ouvido, mas essa foi demais! Estou acostumado com “Gâgou” no lugar de Google, “Yorkcháire” no lugar de Yorkshire, “frequêncy” no lugar de frequency, “exange” no lugar de exchange. Contudo, adotar “fráindly” como pronúncia de friendly é indicação de que o sujeito não passou nem mesmo pelos cursos mais elementares de inglês, nos quais se aprende a falar coisas como “This is Bob. Bob is my friend”.

É claro que nenhum mal resultou da pronúncia descuidada do comissário de bordo. Infelizmente, os pilotos não demonstram melhor domínio da língua de Shakespeare. E, quando os pilotos devem se comunicar em inglês com torres de controle estrangeiras, a pronúncia descuidada pode ser perigosa, muito perigosa. Ainda assim, a solução é simples e relativamente barata. Afinal, quanto custa um jato comercial de passageiros? Quanto custam as vidas a bordo? E quanto custa um curso de inglês?

Como paliativo enquanto não se melhora a situação, as empresas de aviação poderiam ao menos complementar aquele famoso texto: “Atenção, senhores passageiros, observem os avisos de não fumar, apertem os seus cintos de segurança e preparem os seus tampões auditivos!”

sábado, outubro 27, 2007

Comentários sobre o XIX SNPTEE

O XIX SNPTEE – Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica – foi realizado no Rio de Janeiro, entre 14 e 17 de outubro. Somente agora encontrei tempo para escrever algo sobre esse evento, considerado por muitos como o maior encontro de profissionais do Setor Elétrico Brasileiro.

O local escolhido para o seminário foi o Rio Centro, na Barra da Tijuca, um lugar amplo e afastado dos cartões portais tradicionais do Rio de Janeiro, como o Corcovado, o Cristo Redentor, favelas gigantes e balas perdidas. Como cortesia da Electra, que financiou pouco mais de metade da minha participação no SNPTEE, fiquei hospedado em um hotel também na Barra da Tijuca, de frente para o mar, uma verdadeira tristeza. O nome do hotel era Tropical Barra Hotel. Por alguma razão estranha, os donos de hotel têm essa mania de escrever os nomes na ordem inversa, como se estivessem em um país de lingua inglesa. Coisas do Brasil.

Ao chegar ao hotel, na tarde de 14/10, um domingo, percebi o primeiro sinal de que eu estava realmente no Rio de Janeiro. Desci do taxi, entrei no saguão do hotel e parei em frente ao funcionário do balcão, na intenção de fazer o check-in (uma palavra que se espalhou como praga e que é agora usada no lugar de “registro” ou “despacho”). Não havia mais ninguém no saguão, mas ainda assim o funcionário demorou mais de cinco minutos para olhar para mim.

Finalmente, depois de fazer todo o processo de registro sem ao menos olhar para mim, o funcionário me entregou o cartão de acesso ao quarto (ou “apartamento”, como eles insistem). Subi ao nono andar, abri a porta e entrei. Fiquei olhando por um ou dois segundos para a cama, perfeitamente arrumada, mas sobre a qual estava depositado um um crucifixo. Alguma coisa dentro de mim adora essa sensação que surge quando nos depararmos com o inesperado, à qual chamo informalmente de “choque epistemológico”. Afinal, não se espera encontrar um crucifixo sobre a cama de um hotel brasileiro! Meio segundo depois, olhei para o lado e notei uma mala e algumas roupas. Eles haviam me dado a chave de um quarto ocupado!

Naquele momento, para o bem ou para o mal, não havia ninguém no quarto. Imagino a sensação que deve ser entrar em um quarto de hotel e se deparar, por exemplo, com um casal “fazendo cosinhas”, ou outra coisa qualquer que as pessoas fazem em quartos de hotéis.

Voltei ao saguão e reclamei com o funcionário, que me garantiu que o quarto estava desocupado. Só para curtir um pouco mais com a minha cara, ele ainda acrescentou que ele mesmo havia feito o check-out do hóspede anterior, etc. e tal. Mas, só por via das dúvidas, ele me deu a chave de outro quarto.

Então subi novamente ao nono andar, despejei minhas coisas no armário, tomei um banho, liguei a televisão e ar condicionado, abri uma cerveja (R$ 4,50 a lata!) e comecei a procurar as duas coisas que não podem faltar em um quarto de hotel de turismo de negócios: um cofre para guardar o laptop e uma conexão à internet. Encontrei ambas as coisas, mas ambas mostram que a hotelaria na Barra da Tijuca (naquele hotel, pelo menos) ainda tem muito o que progredir.

Em primeiro lugar, não havia instruções nem de como usar o cofre, nem de como se conectar à internet. O cofre era de um modelo moderno, com combinação eletrônica programável e no qual cabia um laptop inteiro, e era chumbado solidamente à parede (já vi cofres de hotel que ficavam presos à parede por meio de uma simples corrente metálica!). Telefonei para a recepção e perguntei qual o procedimento para programar o cofre. O funcionário me disse que iria enviar alguém para me explicar como fazer. Estou esperando até hoje.

Felizmente, depois de algumas tentativas, descobri como programar o cofre e digitei nele minha senha secreta, que é 4567.

Feito isso, telefonei novamente para a recepção, tentando me informar sobre a internet. O funcionário me informou que havia uma conexão sem fio (ou “wireless”, como dizem aqueles que não falam português). O procedimento para cadastrar a conexão era simples, mas o custo de acesso era R$ 0,20 por minuto.

Senhoras e senhores, vinte centavos por minuto de acesso é uma taxa que nem os provedores de internet da Camorra têm coragem de cobrar! Mas, se você está na Barra da Tijuca, imagino que tenha que pagar o preço, mesmo que não haja instruções escritas sobre formas de pagamento ou, na verdade, instruções sobre coisa alguma.

Apesar de tudo, os outros serviços do hotel eram razoáveis, embora impessoais. O café da manhã era bom, os travesseiros não tinham os usuais trinta centímetros de altura, o ar condicionado não fazia muito barulho, o chuveiro funcionava decentemente e as toalhas eram bastante limpas, pelo menos a olho nu. A televisão, contudo, não oferecia mais do que uma dúzia de canais por assinatura, sem contar aqueles canais abertos, que ninguém mais agüenta.

Todavia, não tive muito tempo de assistir televisão. Na noite de domingo, tive que preparar minha apresentação para a tarde de segunda-feira, e, na noite de segunda-feira, tive que preparar minha apresentação para a tarde de terça-feira (sim, eu deixei tudo para a última hora!). Na noite de terça-feira, aproveitei para relaxar e acabei de ler “A arte de escrever”, de Arthur Schopenhauer. Recomendo.

Na dia seguinte, cheguei ao local do seminário com a certeza de que a UTFPR ainda não teria feito o pagamento da minha taxa de inscrição. Inacreditavelmente, deu tudo certo. Embora a inscrição ainda não estivesse paga, eles me deixaram entrar sem fazer comentário algum.

A exposição anexa ao XIX SNPTEE foi organizada praticamente como um clone da exposição análoga de dois anos antes, realizada em Curitiba e patrocinada pela Copel. Os expositores eram os mesmos (Siemens, Furnas, Eletrobrás, Copel, Cemig, Areva, etc), os boxes foram organizados de maneira semelhante e até mesmo a falta de apelo comercial foi a mesma de sempre.

Isso é que me deixa intrigado em relação ao SNPTEE.

No evento de 2005, realizado no Estação Embratel Convention Center, anexo ao Shopping Estação, em Curitiba, todos os participantes estavam bem perto de livrarias, farmácias, cinemas, lanchonetes e restaurantes. Entretanto, isso ocorreu por causa do local do evento, não por causa dos organizadores. Nesse evento do Rio Centro, a falta de visão comercial ficou mais evidente: havia apenas um “Cyber Café”, e mais nada. Nada de livrarias, nada de lanchonetes, nada de farmácias. Aparentemente, no Setor Elétrico ninguém fica com dor de cabeça, ninguém sente fome fora de hora e, claro, ninguém lê!

Será que nenhuma livraria do Rio de Janeiro se propôs ou foi convidada a instalar um box durante o evento? Nenhuma franquia de cachorro-quente ou de maria-mole percebeu o potencial de um seminário pelo qual circularam mais de duas mil pessoas? Estranho.

É também estranho que durante um seminário desses você possa comprar isoladores de alta tensão, equipamentos de telecomunicações, máquinas elétricas, possa contratar consultoria e assessoria de diversos tipos, iniciar e fechar negócios, mas não consiga comprar uma simples aspirina!

De qualquer forma, não assisti muitas palestras durante o primeiro dia. Bem que tentei, mas não consegui me concentrar, por causa da expectativa para a minha primeira palestra, que seria realizada às 15h50, após o intervalo para o café da tarde. Horário pior do que esse, só mesmo quarta-feira depois da feijoada.

De fato, o horário era tão impróprio e o tema da minha primeira palestra (“Uma visão dos cursos de Tecnologia como produtos disruptivos: sugestões para estruturação e gestão”) atraiu tão pouca atenção que tive que iniciar com um público de menos de 10 pessoas, as quais ocuparam esparsamente os mais de 50 assentos do lugar. Além disso, talvez houvesse dentre os presentes apenas uma ou duas pessoas com uma boa noção do que é um curso superior de Tecnologia. Todos os demais pareciam interessados em assuntos relacionados a pesquisa e financiamente de atividades de pesquisa e consultoria. Talvez eu deva levar o assunto ao próximo Cobenge, em 2008.

Minha palestra da terça-feira (“Custos de transação e forças propulsoras: uma visão estratégica da desverticalização no Setor Elétrico”) foi um pouco melhor, mas não muito. É difícil apresentar dois assuntos desconhecidos em apenas quinze minutos e, de fato, as duas perguntas feitas revelaram que não fui totalmente bem sucedido. Infelizmente, o Edvaldo Alves de Santana, diretor da Aneel, que entende de custos de transação mais do que muita gente no Setor Elétrico, só conseguiu chegar na quarta-feira, e não tenho certeza se ele assistiria minha palestra mesmo que chegasse antes. Da mesma forma que no trabalho anterior, talvez eu deva levar esse trabalho a um forum mais especializado, como o encontro nacional de economia da Anpec.

O SNPTEE continua sendo um evento mais estatal do que privado, pois as empresas de geração e transmissão são estatais em sua maior parte. Uma pena. Mas as coisas não vão bem para todas as estatais. A Copel, por exemplo, enviou cerca de 70 funcionários, quase todos eles de ônibus, pois o setor de RH teve dificuldades para estimar de maneira correta as vantagens em se enviar todos de avião. Eles fretaram dois ônibus e fizeram todos perderem dois dias na estrada, contando ida e volta. A mensagem que a empresa envia a seus funcionários é: despesas com passagens de avião são preto no branco, mas as horas de trabalho perdidas por vocês realmente não nos interessam. Coisas do Brasil.

Ao final dos três dias do encontro, não consegui assistir a todas as palestras que pretendia, mas consegui assistir a quase todas as palestras de colegas e ex-alunos. Também consegui assistir à seção técnica especial, com palestras do Edvaldo, da Aneel, e do Dorel, diretor da Bandeirantes e professor da USP, ambas muito boas. O Dorel, uma das cabeças mais brilhantes do Setor Elétrico e que já transitou pelas áreas de geração, transmissão e distribuição, mostrou-se um pouco hostil ao Mercado Livre, o que talvez se justifique pelo cargo que ele ocupa atualmente em uma distribuidora. Uma pena.

Essa 19ª edição do SNPTEE teve alguns pecadilhos em sua organização, mas foi encerrada de forma triufal, com um jantar no Copacabana Palace, ao qual não pude comparecer, por causa de uma reunião na manhã de quinta-feira, em Curitiba.

A próxima edição do SNPTEE será realizada em Recife, em 2009, e terá a Chesf como empresa anfitriã. Se tudo der certo, estarei lá. Aos futuros organizadores, ficam duas sugestões: (a) um tablado é essencial aos palestrantes que não gostam de falar a partir de um púlpito; (b) o pessoal contratado para trabalhar nas mesas de som, etc, deve estar preparado para responder com mais do que meros monossílabos; se eles conseguirem evitar aquela expressão de sono e desprezo, melhor ainda.

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[1] Constatações Técnicas do XIX SNPTEE. Disponível em : <http://www.xixsnptee.com.br/snptee/Constata%E7%F5es%20T%E9cnicas%20XIX%20SNPTEE_Plen%E1rio_1.ppt>.

[2] Relação de trabalhos premiados no XIX SNPTEE. Disponível em: <http://www.xixsnptee.com.br/snptee/Relação%20dos%20ITs%20Premiados%20por%20Grupo%20de%20Estudo.doc>.

terça-feira, outubro 23, 2007

23 de outubro: aniversário do mundo!

Cidadãos do Universo, regozijai-vos! Hoje é aniversário do mundo, criado há exatos 6.010 anos, às 14h30 de um belo domingo.

O autor dos cálculos, que ficarão para sempre no rol das maiores asneiras jamais ditas por um ser humano, foi o irlandês James Ussher (1581 – 1656), arcebispo de Armagh e primaz de toda a Irlanda.

Posteriormente, tendo inventado a Guinness e a Maureen O’Hara, os irlandeses se redimiram frente ao mundo, apesar de uma recaída recente com a invenção do Bono Vox.

Quem me lembrou dessa data tão importante a todos nós foi o Alexandre de Medeiros, da SBCR.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Everthon Sica arremata o Grande Prêmio SNPTEE!

O SNPTEE – Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica – foi realizado no Rio de Janeiro, entre 14 e 17 de outubro. Foram apresentados 510 trabalhos, divididos em 16 grupos temáticos. Como usual, os participantes escolheram por votação o melhor trabalho de cada grupo. Dentre os 16 finalistas, um deles foi escolhido por sorteio para receber o Grande Prêmio SNPTEE: uma passagem de ida e volta para Paris, além de ajuda de custo, para participar do próximo encontro do Cigré, em 2008.

Nessa 19ª edição do SNPTEE, o vencedor foi Everthon Taghori Sica, que apresentou o trabalho “Planejamento integrado dos recursos hídricos para geração de energia elétrica, considerando múltiplos critérios e a dinâmica do capital natural”.

O autor é atualmente pesquisador do Laboratório de Planejamento de Sistemas de Energia (LabPlan), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e é prata da UTFPR e da UFSC: formou-se no curso técnico em Eletrotécnica em 1994 e em Engenharia Industrial Elétrica, ênfase Eletrotécnica, em 2000, ambos pela UTFPR, vindo posteriormente a concluir, pela UFSC, uma graduação em Ciências Sociais e um Mestrado e um Doutorado, ambos em Engenharia Elétrica.

Parabéns ao Everthon. Aos poucos, nossos alunos estão conquistando o Brasil e o mundo!

sexta-feira, outubro 19, 2007

Licença-maternidade e incentivos econômicos

Em seu livro The Economist's View of the World, o economista Glen Whitman conta uma historinha muito boa, embora provavelmente apócrifa. A cidadezinha italiana de Abruzzi sofria com uma grande infestação de cobras venenosas. Preocupados, os legisladores locais instituiram uma recompensa por cobra eliminada, a ser paga em dinheiro.

Alguns meses depois, o número de cobras capturadas havia batido todos os recordes possíveis, mas a infestação havia aumentado. De fato, as pessoas começaram a criar cobras secretamente, para então “vendê-las” à prefeitura local.

A historinha acima mostra o que pode acontecer quando se fornece os incentivos errados às pessoas. Os legisladores de Abruzzi podem ter imaginado que, após implantada a recompensa, todos os cidadãos iriam se comportar da maneira “correta”. Afinal, era do mais estrito interesse da cidadezinha que as cobras fossem mortas, não criadas aos montes. Só que os legisladores não perceberam que o problema a ser resolvido era reduzir o número de cobras à solta, não aumentar o número de cobras capturadas. Não percebendo tal diferença, permitiram que as pessoas se comportassem de maneira oportunista.

Dentro de alguns anos ficará evidente que a licença-maternidade de seis meses, recentemente aprovada pelo Senado Federal, fornece o incentivo econômico errado às futuras mães brasileiras. Não tenho dúvidas de que a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), autora do projeto, está imbuída das melhores intenções. Contudo, boas intenções apenas não bastam.

A licença-maternidade atualmente em vigor é de quatro meses, remunerada integralmente pelo Governo. A adesão aos dois meses adicionais de licença será voluntária, tanto para a empresa quanto para a trabalhadora. O incentivo para a adesão das empresas será puramente fiscal: insenção total do imposto de renda sobre o salário pago durante os dois meses adicionais de licença.

É claro que as empresas terão outros custos além do imposto de renda, tais como salários e encargos sociais, sem falar nos dois meses não trabalhados. A essa hora, esses custos já devem ter sido precificados pelo mercado de trabalho, resultando em um inescapável efeito adverso: a redução do salário médio das novas trabalhadoras brasileiras (mesmo daquelas que não pretendem ter filhos). As empresas, mesmo devendo aderir voluntariamente ao programa de licença-maternidade de meio ano, entenderão que tal licença representa um risco adicional. E, cedo ou tarde, todo risco acaba descontado pelo mercado.

Outro efeito adverso poderá ser um aumento da taxa de natalidade. Da mesma forma que os legisladores de Abruzzi, os proponentes da nova licença-maternidade devem ter imaginado que o recado enviado às trabalhadoras é: “fiquem tranqüilas, pois, caso vocês tenham filhos, estarão protegidas por mais dois meses”. Todavia, o recado entendido pelas trabalhadoras poderá ser apenas “tenham mais filhos, pois o Governo está pagando”.

O projeto de lei segue agora para a Câmara dos Deputados. Se aprovado, o presidente Lula poderá ainda vetá-lo, mas duvido que o faça. Será muito mais seguro deixar que os legisladores e presidentes futuros façam o trabalho sujo de cancelar a lei, quando tiver ficado evidente que as trabalhadoras e empresas não se comportaram da maneira como deveriam ter se comportado.

domingo, outubro 07, 2007

Formatura, mais uma vez

A formatura do curso de Engenharia Industrial Elétrica da UTFPR, turma do segundo semestre de 2007, foi realizada na última sexta-feira, 5 de outubro. Os alunos, mais uma vez, cometeram a temeridade de me escolher como paraninfo. Segue o discurso de formatura que eles tiveram que aguentar.
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Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Paulo Osmar Dias Barbosa, demais autoridades já mencionadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.

Parabéns a todos pela conquista. Parabéns por terem sobrevivido a tantos desafios, por terem enfrentado com sucesso tantas dificuldades. E parabéns também a todos os pais, familiares e amigos, que tornaram essa conquista possível.

É uma satisfação e uma grande honra ter sido escolhido como paraninfo da turma de vocês. É também uma grande surpresa ser lembrado. Digo isso porque os erros que eu cometi no início da minha carreira de professor foram tantos e tão grandes que os alunos provavelmente queriam me esquecer bem rapidinho, de preferência bem antes da formatura.

Um fato do qual eu nunca me esqueço ocorreu por volta do meu quinto ano aqui na UTFPR.

Eu estava chegando ao campus quando me dei conta de que havia esquecido as notas de aula. Pior do que isso: eu havia esquecido também os meus livros e até mesmo o crachá, que me permitiria emprestar um livro da biblioteca. Para piorar, nenhum dos meus colegas presentes tinha um livro que eu pudesse usar como guia.

Em uma situação dessas, o melhor que um professor razoavelmente inteligente poderia fazer seria dar uma aula de exercícios ou cancelar a aula. Mas eu resolvi prosseguir com uma aula expositiva.

Entrei na sala apenas com giz, apagador e adrenalina. Afinal, o pior que poderia acontecer era apenas um desastre completo. Então, aconteceu uma coisa fantástica: ao começar a falar, descobri que eu não precisava de notas de aula. Todo o conteúdo me veio à mente automaticamente, como seu eu tivesse feito aquilo durante toda a vida, não durante apenas cinco anos.

Naquele tempo, as aulas de Conversão 2 começavam às 19h30. Tínhamos duas aulas de 50 minutos, fazíamos um intervalo e voltávamos para mais uma aula de 50 minutos. Durante as duas primeiras aulas, enchi o quadro negro com gráficos, diagramas e equações. Foi incrível. Consegui expor toda a matéria sem que os alunos percebessem que eu quase havia cancelado a aula. Foi um show.

Durante o intervalo, fiquei olhando para o quadro negro e me admirando por ser tão esperto.

Então, os alunos começaram a voltar do intervalo. Um deles veio falar comigo e me perguntou como seria a primeira prova. Eu disse que a prova seria baseada no conteúdo exposto em sala de aula.

“Mas nós vamos fazer exercícios?” – perguntou ele.

Eu disse que sim, e ele continuou:

“É que eu conversei com o pessoal durante o intervalo e eles estão todos preocupados”.

Eu perguntei o porquê da preocupação e ele respondeu:

“É que ninguém entendeu nada da aula”.

Assim, as minhas piores expectativas haviam se concretizado: a aula havia sido realmente um desastre completo.

Eu devo ter demorado mais outros cinco anos para entender o que havia acontecido de fato naquela noite, e isso certamente aconteceu em várias noites antes e depois.

Durante muito tempo, eu planejara as minhas aulas tendo em mente um tipo particular de aluno: um aluno que seria muito parecido comigo mesmo. Na verdade, esse aluno seria eu mesmo. Em minha defesa, tenho que acrescentar que esse tipo de comportamento é muito comum e esperado em seres humanos.

Tanto isso é verdade que os psicólogos dizem que a coisa mais bonita que existe é o espelho.

Não sei se sou hoje um professor melhor do que há 10 anos. Espero que sim. De qualquer forma, o problema da educação sempre me interessou e sempre me preocupou.

Na década de 80, quando eu era aluno do curso técnico, eu ouvi falar pela primeira na Coréia do Sul, quando um professor comentou sobre a receita sul-coreana para o desenvolvimento: investimentos maciços em educação e saúde.

Os dados históricos mostram que a Coréia do Sul investiu antes e cresceu depois. Nós, brasileiros, com essa ânsia latina pelo imediatismo, tentamos fazer tudo ao mesmo tempo.

Hoje, a Coréia do Sul tem uma população de 49 milhões de habitantes e renda per capita de US$ 24.500 (a 34ª maior do mundo).

O Brasil, com uma população de 190 milhões, tem uma renda per capita de US$ 9.500.

A Coréia do Sul é a 12ª economia mundial. O Brasil é a 10ª economia mundial, mas nós temos que dividir um bolo apenas um pouco maior do que o coreano por uma população quase quatro vezes maior.

Mas não é suficiente investir em educação. Não é suficiente ter professores e alunos brilhantes. É preciso investir na direção certa. É preciso estimular a iniciativa individual e o respeito a ela. É preciso valorizar o espírito empreendedor, que é o verdadeiro motor de uma economia moderna.

Um exemplo disso, mais uma vez, vem da Coréia do Sul.

Certa vez uma delegação sul-coreana esteve em visita às instalações da Electrolux, aqui em Curitiba. Como os coreanos não falavam português, e os brasileiros não falavam coreano, a língua usada para comunicação era o inglês. Ou uma coisa tão parecida como o inglês quanto possível.

Um dos gerentes brasileiros da Electrolux era o Paulo Roberto Ross, irmão de um colega meu, e que ficou conhecido entre os coreanos com “Mita Lóss”, que significa “Mister Ross” em inglês coreano.

Um belo dia, Mita Lóss percebeu que um dos coreanos havia faltado. Ao preguntar por ele, o chefe da degação respondeu que o moço tinha aproveitado para dar um pulinho na Bolívia e tentar vender alguns refrigeradores.

“Mas ele fala inglês?” – perguntou Mita Lóss.

“Não. Ele não fala nadinha de inglês” – respondeu o coreano.

“Então ele fala espanhol?” – continuou Mita Lóss.

“Não. Nada de espanhol também” – respondeu o coreano.

“Alguma coisa de português, então?” – arriscou Mita Lóss.

“Não. Ele fala menos português do que espanhol” – respondeu mais uma vez o coreano.

“Então, como ele vai fazer para vender refrigeradores na Bolívia?”

E o coreano respondeu:

Ah, Mita Lóss, veli dificult, veli dificult!

Mas os coreanos não queriam nem saber das dificuldades. Eles estavam no Brasil, a milhares de quilômetros de casa, e simplesmente não podiam perder uma oportunidade de aproveitar ao máximo a viagem.

O resumo da história é que não adianta ter a melhor educação do mundo, a tecnologia mais avançada e os melhores empregos. É preciso também ser um pouco maluco.

Esse lado empreendedor meio amalucado é uma das razões do sucesso econômico da Coréia. As maiores empresas sul-coreanas são internacionalmente conhecidas:, como Hyundai, Samsung, LG, SK.

Por causa da educação de primeira e desse espírito empreendedor, a Coréia do Sul ocupa hoje o 30° lugar no índice de facilidade em se fazer negócios.

O Brasil ocupa o 122° lugar.

A facilidade em se fazer negócios e o excelente nível educacional produzem também outros efeitos: a Coréia do Sul ocupa hoje o 42° lugar no índice de percepção da corrupção.

Nessa classificação, o Brasil ocupa um 72° lugar não muito honroso. Pelo menos estamos à frente da Argentina...

O espírito empreendedor, esse lado amalucado que é necessário ao desenvolvimento econômico, já havia sido ressaltado por Joseph Schumpeter, economista que viveu entre 1883 e 1950.

Schumpeter era uma figura difícil e tinha apenas três ambições na vida: ser o maior amante da Europa, ser o maior cavaleiro do mundo e ser o maior pensador econômico que já existiu. Modesto, o moço.

Schumpeter teria algo a dizer sobre o fracasso do modelo econômico da Coréia do Norte, país que compartilha muitas coisas com a Coréia do Sul, como tradições, cultura e língua, mas que fez escolhas históricas diferentes. O fato é qualquer governo que suprima a iniciativa individual e a liberdade, acaba por suprimir também os incentivos econômicos e decreta o próprio fim.

Schumpeter também ressalta que empreendedorismo exige apetite para o risco. E risco implica na possibilidade de fracasso.

Mas risco é com vocês mesmos. Afinal, vocês se arriscaram no vestibular e continuaram se arriscando várias vezes durante cada um dos semestres do curso. Disso tudo ficou a lição de que assumir riscos não é loteria. É necessário estar preparado, é necessário estudo, é necessário planejamento.

Alguns fatos e acontecimentos no Brasil indicam que podemos estar no caminho correto. Nosso investimento em educação já é de 4,5% do PIB, mesmo nível dos investimentos sul-coreanos antes do milagre econômico. Talvez possamos chegar a 7% nos próximos anos.

Além disso, temos coisas que os coreanos não tinham na década de 80, quando aquele país começou a emergir como potência econômica. Temos tecnologia mais avançada, temos mais gente, mais universidades, mais empresas inovadoras e temos duas seleções de futebol muito melhores do que as dos coreanos.

E, acima de tudo, temos uma coisa com a qual os coreanos não podiam contar. Temos vocês. Assim, continuem firme nessa corrida, pisem fundo no acelerador e vamos fazer desse país uma potência. Não por bravata, mas simplesmente porque não existe alternativa.

Obrigado a todos pela paciência. Vocês são ótimos. Vida longa e próspera!