quarta-feira, dezembro 08, 2010

Coisas que eu faria se fosse encarregado de projetar um telefone celular...

  1. Eu faria com que o relógio pudesse ser consultado instantaneamente, sem demorar nem um centésimo de segundo, ou que ficasse permanentemente visível.
  2. Eu faria com que o telefone pudesse ser desbloqueado com um único botão, não no estilo "aperte aqui e depois ali", "aperte aqui durante 3,5 segundos", ou "aperte aqui e cante uma musiquinha enquanto escreve seu caractere secreto".
  3. Eu faria com que o telefone saísse de fábrica programado com um ringtone minimamente agradável.
  4. Eu faria com que o aviso de "bateria fraca" não fosse o ringtone mais irritante dentre todos à disposição dos projetistas.
  5. Eu faria com que a "soneca" pudesse ser regulada para tocar entre uma e infinitas vezes. Afinal, quem é que consegue acordar só com sete vezes?
  6. Eu faria uma versão especial, só para iniciados, equipada com phaser em tonteio...
P.S.: um amigo me lembra que o iPhone já tem todas as funções acima incorporadas, com exceção da última (até onde se sabe!). Isso que dizer que já posso ser gerente de produto da Apple!

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Pequena lista de coisas que já encheram...

  1. Comerciais de creme dental.
  2. Comerciais de escovas de dente.
  3. Comerciais de produtos para fixar dentaduras (mantenham o foco no seu nicho de mercado, por favor; ainda estou longe disso!).
  4. Comerciais de cerveja, mesmo que com mulheres de biquini.
  5. Concursos de "Miss" (vamos falar sério: ninguém precisa mais disso para ver mulheres de biquini).
  6. Gente fazendo "coraçãozinho" com as mãos (parece que essa mania surgiu com o filme "Lost in Translation", de 2003, que pelo menos tinha Scarlett Johansson).
  7. Homens (e até mesmo mulheres) usando fartas doses de perfurme de segunda. 
  8. Restart e suas canções de sílabas loooongas e sem melodia.
  9. O especial de fim de ano de Roberto Carlos, que mais uma vez se aproxima.
  10. O governo (qualquer governo) dizendo que vai fazer a reforma tributária..

domingo, novembro 28, 2010

Cinco sinais de que o mundo vai mesmo acabar em 2012

1. Faustão está magro.
2. Sílvio Santos está quebrado.
3. Dilma foi eleita presidente.
4. A polícia invadiu o Morro do Alemão.
5. Pela primeira vez, em mais de cinco anos de uso ininterrupto, acabou a pilha da minha Casio fx-72TL!

terça-feira, outubro 19, 2010

Pequeno dicionário para entender campanhas presidenciais

Nessa campanha para Presidente da República, na qual o brasileiro médio passou a conhecer o verbo "tergiversar", é bom saber o que os candidatos realmente querem dizer com aquilo que aparentemente dizem. Segue-se um pequeno dicionário:

1. "Investiremos mais em saúde e educação" – significa "os impostos vão aumentar".
2. "Combateremos a corrupção" – significa "os impostos vão aumentar".
3. "Promoveremos o desenvolvimento nacional e o aumento da qualidade de vida" – significa "os impostos vão aumentar".
4. "A questão da segurança pública será nossa prioridade" – significa "os impostos vão aumentar".
5. "Reduziremos os impostos" – significa "os impostos vão aumentar".

Desnecessário dizer, esse dicionário vale também para candidatos a quase qualquer cargo.

sábado, outubro 16, 2010

"Comer, Rezar, Amar", de Elizabeth Gilbert

“Comer, Rezar, Amar” (“Eat Pray Love”) é um livro do qual, em circunstâncias normais, eu dificilmente teria me aproximado. Só o fiz por ter assistido anteriormente uma palestra muito interessante da autora Elizabeth Gilbert no Ted Talks.

O livro é a autobiografia parcial de uma mulher recém-divorciada, sofrendo uma crise existencial intensa, que resolve tirar um ano sabático para viajar para a Itália, para a Índia e para Bali. O primeiro país representa o prazer (“comer”), o segundo representa a devoção espiritual (“rezar”) e o terceiro representaria o equilíbrio entre os dois. O terceiro verbo, “amar”, aparentemente entra no título por puro acaso, pois é isso que autora encontra em Bali.

Não tenho ideia de quanto custa um ano sabático, mas barato não deve ser. No último instante, quando tudo já está programado e todas as malas já estão feitas, a autora recebe de sua editora a notícia de que suas viagens serão financiadas, com a obrigação de transformá-las posteriormente em livro. Ainda assim, ficamos com a impressão de que um título alternativo para o livro poderia ser “Como é bom ter dinheiro!”.

Como sabemos, o livro foi recentemente vertido para as telas do cinema, com Julia Roberts no papel principal. A foto de divulgação do filme, na qual a atriz aparece apreciando um gelato, passa-se obviamente na Itália, onde a autora ganhou vários quilos comendo todas as massas e sorvetes possíveis, bebendo todos os vinhos de qualidade pelo menos acima da razoável e aprendendo italiano.

Na Índia, a autora passou o tempo todo em um Ashram, uma comunidade hindu cujo objetivo é a evolução espiritual de seus membros, orientados por um guru. Lá, Gilbert presumivelmente teve algumas experiências místicas, as quais cedo ou tarde serão explicadas pela neurociência, caso já não o sejam. De qualquer forma, a religião tem mais peso na narrativa da autora do que comidas e bebidas.

Bali é a única ilha da Indonésia onde a maioria dos habitantes pratica o hinduísmo, ao contrário do islamismo dominante na maioria do país. Parte do objetivo da autora em ir para lá dizia respeito à busca de um equilíbrio entre a devoção, representada pelo hinduísmo balinês, e o prazer, representado pelo clima paradisíaco da ilha. Outra parte do objetivo era reencontrar o curandeiro Ketut, que ela havia conhecido em uma primeira viagem à ilha e que lhe ensinou meditação no estilo balinês e outras coisas. Em Bali ela encontrou também o romance com o brasileiro Felipe, com que posteriormente se casou.

A consistência lógica não é o ponto forte do livro de Gilbert, mas ela é divertida, frequentemente despudorada em relação ao sexo, sincera em relação à sua devoção e coloquial a ponto de que vários leitores, imagino, possam se sentir íntimos dela. Em resumo, trata-se do livro de viagens e reflexões de uma mulher de trinta e poucos anos, traumatizada por um divórcio difícil e em busca de sentido. E em busca de sentido todos estamos, não é?

quarta-feira, outubro 06, 2010

Certificados da palestra "A teoria final da física"

O Departamento Acadêmico de Eletrotécnica da UTFPR (DAELT) informa que os certificados da minha palestra do último 24 de agosto ("A teoria final da física") estão disponíveis desde 23/9. Basta passar no Bloco D e falar com as estagiárias Rafaela ou Michelle, ou ainda com a secretária Denize. Os certificados estão à disposição apenas de quem assinou a lista de presenças e serão descartados após 23/10.

terça-feira, agosto 24, 2010

Palestra sobre a teoria final da física - pós-evento

Apesar de algum atrapalho no início, por causa do projetor multimídia, a palestra transcorreu normalmente. Auditório lotado e muitas perguntas ao final. Obrigado a todos!

Conforme prometido, o PDF da palestra está disponível em http://www.lunabay.com.br/alvaro/
criacao_imperfeita_ago-2010.pdf
 (2,5 MB).

segunda-feira, agosto 16, 2010

Palestra: "A teoria final da física, de Albert Einstein a Marcelo Gleiser et al."

No próximo dia 24 de agosto irei apresentar a palestra "A teoria final da física, de Albert Einstein a Marcelo Gleiser et al.". Será das 19h30 às 21h20, no miniauditório do campus Curitiba da UTFPR (Av. Sete de Setembro, 3165, Curitiba, PR). Esse evento faz parte do programa de palestras do Departamento Acadêmico de Eletrotécnica (DAELT) e a entrada é gratuita. Para os alunos da UTFPR vale como Atividade Complementar.

O programa resumido é:

  1. O que e uma teoria científica?
  2. Faraday, Maxwell e o eletromagnetismo.
  3. Einstein e a relatividade geral.
  4. Unificação eletrofraca.
  5. Supercordas: o derradeiro sonho dos pitagóricos.
  6. Marcelo Gleiser e a criação imperfeita.

Para quem quiser ajudar a divulgar, o folder da palestra pode ser baixado e impresso em http://www.lunabay.com.br/alvaro/palestra_aawa_24-08-10_folder.pdf.

quinta-feira, agosto 05, 2010

Mais sobre motos perpétuos

Eu devia ter menos de 10 anos quando fiquei sabendo que aqueles motores de carrinhos de "Autorama" podiam ser usados também como geradores. Bastava retirar o motor do carrinho, conectar os terminais dele a uma lâmpada e girar o eixo bem rápido. Pelo que me lembro, o brilho era tênue, mas estava lá. Então me veio aquela ideia fantástica, que já ocorreu a milhares de pessoas em todo o mundo: se eu unisse dois motores pelo eixo, ligasse os terminais de ambos em paralelo e desse um "peteleco" inicial, um deles funcionaria como gerador, alimentando o segundo, que funcionaria como motor, que forneceria energia mecânica para o gerador, que forneceria energia elétrica para o motor e assim por diante por toda a eternidade. Parece uma ideia ótima, se não fossem dois detalhes. O primeiro é que não funciona. O segundo é que não pode funcionar.

Muito tempo depois vim a saber que essa montagem era um dos muitos tipos de "moto perpétuo" (ou moto contínuo), uma máquina que alimentaria a si mesma por toda a eternidade. Esse invento somente funcionaria se todas as perdas de energia fossem nulas, resultando em rendimento igual a 100%.

Em qualquer máquina elétrica existem pelo menos três tipos de perdas: as perdas mecânicas (por exemplo, atrito e ventilação, que causam o aquecimento do ar e das partes mecânicas), as perdas elétricas (que causam o aquecimento dos enrolamentos) e as perdas magnéticas (que causam o aquecimento dos núcleos de ferro). Em um moto perpétuo tais perdas deveriam ser rigorosamente nulas. Se elas correspondessem mesmo que a uma fração infinitesimal da potência de entrada, nossa conjunto motor-gerador deixaria de funcionar tão rapidamente que nenhum funcionamento como moto perpétuo poderia ser detectado.

Mas a pergunta é: mesmo que um conjunto motor-gerador com rendimento de 100% pudesse ser construído, para que serviria ele? De fato, para que serviria uma máquina que alimenta a si mesmo e a mais ninguém? Se tentássemos extrair um infinitésimo de watt dessa máquina, ela deixaria de funcionar, não servindo para nada. E, ainda assim, até hoje recebo e-mails de pessoas que dizem estar "quase chegando lá", faltando apenas alguma pesquisa.

Esse motor com rendimento de 100% é de vez em quando chamado de "moto perpétuo de primeira espécie". Para que um moto perpétuo tivesse alguma utilidade prática, ele deveria ser de "segunda espécie", ou seja, deveria ter rendimento superior a 100%. Contudo, isso somente seria possível se este motor retirasse energia de fora do universo conhecido ou simplesmente criasse energia a partir do nada, fenômenos proibidos pelas leis da termodinâmica.

Caso alguém ainda tenha alguma esperança, deixo os endereços de três ensaios que escrevi sobre o assunto, publicados aqui mesmo neste blog:

Máquinas impossíveis
Moto contínuo: o sonho que não quer morrer
Motos contínuos revisitados

Eu também gostaria que não fosse assim, mas, infelizmente, como diria o economista Milton Friedman (1912 - 2006), "não existe almoço de graça".

quinta-feira, julho 29, 2010

Datena, ateus e falta de método

Em programa recente o Sr. Datena voltou a ofender os ateus deste ensolarado país. Não vou repetir aqui as palavras dele, as quais já foram exaustivamente reproduzidas em vários lugares, mas cabe lembrar que, em resposta, os ateus brasileiros se comportaram exatamente como queria Datena, ou seja, fazendo propaganda gratuita dele e espalhando uma certa dose de injúrias.

Talvez os ateus brasileiros devessem ter aprendido com o epísódio do #calabocagalvão, que pretendia abafar a voz de Galvão Bueno durante a Copa do Mundo, mas foi habilmente usado pela Rede Globo em sentido contrário. E, se Datena ganha a vida criando confusão, ele deve saber muito bem o que pretende também dessa vez. Sem falar que ele está muito acostumado com esse estilo "bateu-levou" adotado por muitos que estão no contra-ataque.

Além das injúrias dirigidas contra Datena, outra reação dos ateus que me deixa decepcionado é a citação de exemplos de que eles são "boa gente", geralmente iniciando pela inclusão do próprio autor da citação. Ora, isso nada mais é do que evidência anedótica, ou seja, algo como aqueles testemunhos que os religiosos usam em profusão ("eu fui salvo", "minha mãe foi salva", etc). Esse tipo de evidência não tem nem mesmo validade estatística, quanto mais validade científica. Estudos sérios sobre a moralidade dos não religiosos, sejam eles ateus, agnósticos, céticos ou assemelhados, por certo existem (e apontam em favor deles), mas, até onde percebi, poucos blogs os citaram dessa vez (uma exceção foi o Bule Voador, sempre atualizado, que lembrou um estudo citado pelo Estadão). É preciso um pouco mais de método, especialmente vindo de quem diz valorizar a ciência acima de tudo.

Para que não me acusem de não fazer minha própria lição de casa, citando fatos sem evidências, aqui vai uma pequena amostra. Fiquei alguns minutos conectado ao trend topic #calabocadatena via TweetDeck e os tweets recebidos, entre 20h19 e as 23h30, de um total de 139, encaixam-se nas seguintes categorias de frases:

  1. "Segundo Datena: 'Ateus são pessoas sem limites, por isso matam, cometem essas atrocidades'" (30,22%).
  2. "#calabocadatena" (seguido de nada ou quase nada) (25,18%).
  3. "Se o Datena falasse a mesma coisa, mas com negros ou homossexuais, ele estaria no TT mundial agora e cheio de processo" (10,79%).
  4. "Como nós temos mais de mil ateus? Aposto que muitos desses estão ligando da cadeia" (2,88%).
  5. 'Como pode homens sem Deus serem bons? Como dizia José Saramago, como pode homens COM Deus serem tão ruins, Datena?" (2,88%).
  6. "Será que o Datena se lembrou que seu colega da Band, Ricardo Boechat, é ateu?" (2,88%).
  7. "ateus desabafam contra intolerância" (1,44%).
  8. "Vá estudar HISTÓRIA, Datena. Algumas das maiores atrocidades foram cometidas por religiosos como você" (1,44%).
  9. "De acordo com o Datena 65% dos japoneses e 48% dos russos cometem atrocidades, matam e são sem limites" (1,44%).
  10. "Datena se esqueceu que preconceito é CRIME. É justamente isso que vemos no programa dele, criminosos" (1,44%).
  11. "Precisamos de mais apresentadores como @marcelotas do que Datenas na televisão Brasileira" (1,44%).
  12. Restante dos tweets (de um total de 139) (8,71%).
Fica evidente que mais da metade dos "tuiteiros" nada mais fez do que repetir o primeiro tweet recebido (item 1) ou simplesmente citar o trend topic #calabocadatena (item 2). E, de acordo com o teorema da amostragem, o comportamento do Twitter hoje não deve ter se afastado muito disso.

É claro que o rápido levantamento acima nada tem de científico (e nem tenho tempo para isso) e alguém pode até me acusar de estar esperando seriedade demais de uma ferramenta como o Twitter. Mas o levantamento ao menos mostra que a atuação dos ateus brasileiros na internet talvez esteja um pouco fora de perspectiva.

Da minha parte, fica a sugestão de que o ateísmo, quando tomado isoladamente, não é tão importante quanto pensam os ateus e nem tão perigoso como temem os religiosos. Sim, muitos cientistas são ou foram ateus, mas, antes de ateus, são ou foram cientistas. Assim, o que interessa não é pregar a falta de religião, mas divulgar a ciência e investir em educação. O resto, se é que existe resto, virá junto.

quarta-feira, julho 21, 2010

Criação Imperfeita, de Marcelo Gleiser

Em agosto de 2006 Marcelo Gleiser esteve em Curitiba, para uma palestra sobre seu livro então recém-lançado, "A Harmonia do Mundo", uma biografia romanceada de Johannes Kepler. Naquela ocasião ele lotou o Teatro Regina Vogue, no Shopping Estação, falou sobre alguns modelos cosmológicos, dos gregos antigos a Kepler, e respondeu algumas perguntas formuladas por escrito.

Durante a palestra dei-me conta de que todas essas teorias físicas que buscam harmonia, simetria, etc., baseiam-se em um princípio filosófico muito vago, e não em um princípio científico sólido. Assim, a pergunta que fiz foi: “qual princípio científico nos garante que exista harmonia no Universo?”.

Para minha surpresa, Gleiser leu e gostou da pergunta, a ponto de perguntar pelo autor dela. Ele então revelou que a questão da desordem e da desarmonia no Universo era muito importante e que seria tema de seu próximo livro. O que eu não sabia era que, por aquela época, Gleiser já havia abandonado o clube dos unificadores, que são os físicos que buscam pela teoria final, pela derradeira simetria, pela harmonia total do Universo. “Criação Imperfeita”, lançado no Brasil em março de 2010, relata parte desse processo de “desconversão” e apresenta uma visão do Universo que vai contra o sonho dos unificadores.

Um dos argumentos de Gleiser é que o sonho de uma teoria final, que explicaria todas as interações físicas (gravitacional, eletromagnética, fraca e forte) por meio de simetrias, nada mais é do que um reflexo da origem monoteísta e pitagórica da ciência ocidental. Não podendo entrar em contato com Deus à maneira direta pretendida pelos religiosos, os unificadores passaram a buscar explicações para a Criação em si. E, se Deus é perfeito e belo, a Criação também deve ser.

Será que a ideia de Gleiser procede? Talvez. Coincidentemente, em entrevista recente o físico Michio Kaku disse que o objetivo da teoria das supercordas, a mais famosa candidata a teoria final, é “ler o que se passava na mente de Deus no momento da Criação”. Einstein pensava de maneira semelhante, afirmando que tudo o que desejava era “desvendar os segredos do Velho”. Cabe a ressalva de que para os cosmólogos modernos, dentre os quais Einstein se incluía, Deus não é um ser antropormórfico, mas apenas uma metáfora pitagórica, usada para denotar o “código oculto do Universo”.

Pitágoras, o sábio grego que viveu entre 570 e 495 aC, afirmava que a natureza é construída a partir de princípios de simetria que traduzem a ordem fundamental – o tal código oculto – que existe por trás de todas as coisas. Gleiser reconhece essa origem pitagórica da ciência e argumenta que talvez o sonho de uma teoria final não passe de uma maneira altamente sofisticada de tentarmos forçar o Universo a funcionar da maneira como gostaríamos que funcionasse.

“Criação Imperfeita” é o mais autobiográfico dos livros de Gleiser. Ainda vamos ter de esperar por uma autobiografia completa, mas aqui ele usa fragmentos autobiográficos como pano de fundo para apresentar, em primeiro lugar, uma visão da origem do Universo e da física de partículas e, em segundo, uma visão da origem da vida. Gleiser argumenta que as assimetrias e imperfeições não são apenas importantes, mas essenciais para o Universo e para a vida. Sem elas não estaríamos aqui, pois, por exemplo, as mutações genéticas não seriam possíveis e a vida, caso existisse, consistiria apenas de seres unicelulares. Além disso, sem a violação de algumas simetrias físicas, nem mesmo a matéria teria se formado, pois matéria e antimatéria teriam se aniquilado mutuamente e perfeitamente, logo após o Big Bang. O Universo consistiria de espaço, tempo, energia e mais nada.

Gleiser usa os últimos quatro capítulos para discutir um assunto que deixará desolados muitos fãs de ficção científica: a raridade da vida e nossa decorrente solidão cósmica. Segundo ele, os acidentes e eventos necessários para que a vida inteligente tenha surgido são conjuntamente tão improváveis que não é seguro afirmar que isso tenha acontecido em mais do que um punhado de lugares na nossa galáxia. É essa a solução de Gleiser para o “paradoxo de Fermi”: possíveis civilizações inteligentes estão por demais afastadas entre si para que qualquer contato ou comunicação seja possível.

Diz a lenda que, por volta de 1950, o físico italiano Enrico Fermi (1901–1954) participava de uma discussão informal sobre a existência de civilizações extraterrestres, quando perguntou, quase à queima-roupa: “tudo bem, mas se eles existem, onde estão?”. Essa singela pergunta foi denominada “paradoxo de Fermi” por representar um conflito entre a probabilidade aparentemente elevada da existência de civilizações extraterrestres e a ausência de evidência delas. Em um Universo tão grande como o nosso, vida inteligente deveria ter surgido em algum outro lugar e, como o Universo é também muito antigo, alguém já deveria ter entrado em contato conosco. Como isso não aconteceu, surge um paradoxo.

Existem várias respostas para o paradoxo de Fermi. A mais radical é dizer que não há nenhuma outra civilização no Cosmos além da nossa. Somos um evento único e estamos absolutamente sós. Outra resposta é supor que civilizações inteligentes podem ter surgido em muitos lugares, mas todas acabaram por se destruir logo após terem aprendido a construir bombas atômicas.

Há também respostas aindas mais especulativas e e mais melancólicas, como aquela dada por David Bowie em sua canção Starman (1972), cujo refrão diz: “There’s a Starman waiting in the sky, he’d like to come and meet us, but he thinks he’d blow our minds. There’s a Starman waiting in the sky, he’s told us not to blow it, ‘cos he knows it’s all worthwhile”. Em uma tradução livre: “Há um homem estelar esperando nos céus, ele gostaria de vir nos conhecer, mas acha que explodiria nossas cabeças. Há um homem das estrelas esperando nos céus, ele nos disse para não destruirmos (a Terra), pois sabe que tudo vale a pena”. Em outras palavras, seres extraterrestres ultraevoluídos podem até estar por aí, mas preferem não entrar em contato conosco, por nos julgarem primitivos demais.

Gleiser adota a linha científica de que só podemos conhecer aquilo que podemos medir. E, até onde podemos medir, extraterrestres inteligentes não existem ou estão longe demais para que qualquer contato seja possível. Segundo ele, essa distância nem precisa ser algo como cem mil ou um milhão de anos-luz. Duzentos anos-luz já seriam suficientes para garantir nosso isolamento cósmico.

O livro se encerra com uma sugestão de que nossa solidão cósmica não deve ser motivo de angústia ou depressão. Pelo contrário, se somos um evento tão raro no Universo, devemos valorizar a vida acima de qualquer coisa e lutar para preservá-la, pois ela é o que existe de mais precioso.

Será que Gleiser curte Bowie? Eu apostaria que sim.

segunda-feira, julho 19, 2010

Frases que nunca deveriam ter sido ditas

  1. "Pode ir em frente, é só um pedacinho de gelo!" (capitão do RMS Titanic, pouco antes da colisão com o iceberg, em 1912).
  2. "OK, Challenger, potência máxima!" (controle de Houston, pouco antes da explosão da Challenger, em 1986).
  3. "Nem todo mundo gosta de sexo, de vinho ou de sorvete..." (Dunga, pouco antes do início da Copa de 2010).

domingo, julho 11, 2010

Coisas que aprendi com a Copa de 2010

  1. Nem o Brasil nem país algum se tornaria melhor ou pior com a conquista da copa, mas os jogos são uma excelente desculpa para matar trabalho.
  2. A profissão mais fácil do mundo é a de comentarista de futebol: se você acertar, é um gênio, se errar, não havia mesmo como acertar.
  3. Não importa se o time ganhou ou perdeu, os comentaristas sempre encontrarão uma explicação ex-post adequada.
  4. Apesar disso, a profissão de comentarista de futebol é tão desimportante que até um polvo pode exercê-la.
  5. O som das vuvuzelas é frequentemente mais agradável do que a voz dos narradores e comentaristas.
  6. De vez em quando futebol é como sexo tântrico: mais de 90 minutos e nada acontece!
  7. Se você se tornar comentarista e não souber o que dizer, basta inserir frases como "valorizar o toque de bola", "estão sem ritmo de jogo" e "faltou calma na conclusão".
  8. Aquilo que acontece nas arquibancadas é sempre mais interessante do que aquilo que acontece em campo.
  9. Eu também tenho uma previsão para os jogos de 2014, mas só se me derem um lanchinho antes.
  10. Continuo sem entender como um jogo que acaba empatado pode atrair tanta atenção!

Política de comentários

Este blog tem recebido recentemente alguns comentários anônimos, particularmente no que diz respeito ao meu post sobre o livro "Quem mexeu no meu queijo?". Gostaria de esclarecer que, em primeiro lugar, não publico comentários, anônimos ou não, que sejam ofensivos a mim ou a qualquer outra pessoa.

Em segundo lugar, se o comentário for anônimo e posicionar-se contra o assunto em questão ou contra meu posicionamento, mas não contiver qualquer tipo de ofensa pessoal, posso publicá-lo e já fiz isso várias vezes. Ainda assim, prefiro comentários assinados, pois sempre assino os meus.

Como regra geral, se você quiser fazer qualquer tipo de comentário, dirija-se ao assunto em discussão, não a mim. Afinal, ofensas pessoais não agregam nada.

É claro que essa política deve se estender também aos meus posts, não só aos comentários. Assim, se você, caro leitor, perceber alguma ofensa pessoal em qualquer texto meu, peço o favor de me avisar e inserirei as ressalvas necessárias, pois posso ter resvalado aqui e lá.

quarta-feira, junho 23, 2010

Para você entender as unidades de potência e energia

1 joule (J) = energia necessária para mover 6,24x1018 elétrons através de uma diferença de potencial de 1 volt.
1 watt (W) = 1 joule por segundo (1 J/s).
1 pequena central hidrelétrica (PCH) = 30x106 W.
1 usina hidrelétrica (UHE) = 1x109 W.
1 pessoa (p) = 1 lâmpada = 100 W = 2.065 kcal/dia.
1 mundo (M) = 1x1013 W (potência mundial instalada; potência solar não incluída).
1 mundo solar (MS) = 1,7x1017 W (potência solar incidente na Terra).
1 sol (S) = 3,8x1026 W (potência total gerada pelo Sol).
1 quindim (q) = 1x106 J.
1 quindão (Q) = 20 quindins = 2x107 J.
1 kWh.
1 pilha de lanterna = 1,6x104 J = 0,016 quindins.
1 pulo de mosquito = 1 erg = 1x10-13 quindins.
1 barril de petróleo = 6x109 joules = 6.000 quindins.
1 pizza (p) = 1x107 J = 10 quindins.
1 Pizza (P) = 1x1017 J = 1x1011 quindins (metade da energia liberada na aniquilação entre uma pizza e uma anti-pizza).

(Adaptado de American Journal of Physics, junho, 1992)

domingo, maio 09, 2010

Ferenc Preisach e o modelo matemático da histerese

Ferenc Preisach nasceu na Hungria em 1905 e formou-se em Engenharia Elétrica no final dos anos 20. Em meados da década de 30, Preisach trabalhava na Siemens & Halske, em Berlim, quando passou a se interessar por magnetismo e histerese. O resultado desse interesse foi seu artigo "Uber die magnetische Nachwirkung", publicado no Zeitschrift für Physik, v. 94, p. 277-302, 1935, que veio a se tornar um dos mais citados na área do magnetismo.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, Preisach foi feito prisioneiro dos nazistas e morreu em um campo de concentração, em 1943. Seu modelo tornou-se o mais conhecido de todos os modelos matemáticos para histerese magnética e expandiu-se também para outras áreas, como hidrologia, economia e mecânica dos sólidos.

Até onde sei, o artigo sobre a histerese foi o único escrito por Preisach, mas eu gostaria de mais informações sobre o assunto. Apesar da ampla divulgação do modelo de Preisach, não é nada fácil encontrar informações sobre o autor. Há sobre ele um texto de duas páginas publicado na IEEE Transactions on Magnetics (VAJDA, F.; DELLA TORRE, E. Ferenc Preisach, in memoriam. IEEE Transactions on Magnetics, v. 21, p. i-ii, 1995), mas, por alguma razão, ele não está disponível no site do IEEE, que sempre acesso via portal da CAPES. Se alguém tiver esse texto, ou se tiver mais informações sobre Preisach e puder me enviar, agradeço.

quinta-feira, abril 29, 2010

Belo Monte, avatares e nosso futuro nuclear

A lição que ficou após o leilão da usina de Belo Monte, realizado no último dia 20, é que o empreendimento, antes de ser uma fonte de energia para o Brasil, será uma enorme fonte de problemas para o Governo. Provas das dificuldades a serem enfrentadas foram os protestos realizados por James Cameron e seus avatares, sem falar nos índios de sempre, brandindo seus tacapes e facões.

Não tenho nada contra protestos. Afinal, não estamos na Venezuela ou em Cuba, países nos quais protestos e manifestações são reprimidos com cacetetes, balas de borracha e balas de chumbo. Contudo, por mera questão de consistência, parece-me adequado que aquele que protesta esteja minimamente qualificado para tanto. Não é o que acontece com James Cameron, um canadense que se mudou para os EUA aos 17 anos, e de Sigourney Weaver, norte-americana de nascimento. De fato, norte-americanos e canadenses estão entre os maiores consumidores de energia elétrica do mundo.

Em 2005 o consumo de energia elétrica do Brasil totalizou 368.500.000 MWh (megawatts-hora), ou 368,5 bilhões de quilowatts-hora. Esse consumo nos coloca em décimo lugar dentre os países com mais de um milhão de habitantes, espremidos entre a Coreia do Sul e a Inglaterra. Todavia, nossa posição cai bastante quando calculamos o consumo anual per capita, que resulta em 1,98 MWh/ano e nos coloca em 65° lugar, inferior à media mundial per capita de 2,60 MWh/ano.

A situação é bem mais impressionante quando consideramos o Canadá. Embora o consumo anual deste país tenha sido de 540.200.000 MWh em 2005, cerca de 47% acima do nosso, o consumo per capita dos canadenses foi de 16,82 MWh, quase oito vezes e meia maior do que o nosso. Esse número coloca o Canadá, terra natal de James Cameron, em terceiro lugar no mundo em termos de consumo per capita, atrás somente da Noruega e da Finlândia.

O consumo anual per capita dos norte-americanos (ou “estado-unidenses”, como insistem alguns) em 2005 foi de 12,80 MWh, número que os coloca em um humilde sexto lugar, atrás de Noruega, Finlândia, Canadá, Suécia e, acreditem, Kuaite. Contudo, o consumo anual total dos EUA em 2005 foi de 3.816.000.000 MWh, pouco mais de 10 vezes superior ao nosso e correspondente a mais de 20% do consumo mundial. Em outras palavras, embora os norte-americanos, dentre os quais se encontra Sigourney Weaver, não sejam os campeões do consumo de energia elétrica per capita, eles consomem mais de 20% da energia elétrica gerada no planeta, embora a população norte-americana seja pouco superior a 4,6% da população mundial.

Assim, é no mínimo um pouco estranho que canadenses e norte-americanos, que já exploram todos seus recursos naturais na geração de energia elétrica, venham ao Brasil nos dizer quais usinas devemos ou não construir. A decisão é nossa e, se alguém quiser interferir, deverá nos pagar pelo nosso déficit futuro de energia elétrica.

A verdade é que o Brasil precisará de muita energia elétrica se quiser continuar crescendo e se quiser atingir um nível de desenvolvimento comparável ao do menos desenvolvido dentre os países desenvolvidos. E, para isso, precisaremos de várias centenas de mega-watts de potência instalada. Belo Monte, caso venha mesmo a ser construída, acrescentará 10% à nossa capacidade atualmente instalada, mas gerará menos de 8% da nossa produção atual. É bastante, mas precisaremos muito mais do que isso. Considerando que as hidrelétricas de grande e médio portes estão cada vez mais distantes e mais caras, que não temos carvão suficiente, que nossas reservas de gás natural são poucas e finitas, e que é insanidade queimar diesel ou óleo combustível para gerar energia, a conclusão é uma só: nosso futuro é nuclear.

P.S.: para aqueles que acharam que esse texto ficou muito incisivo e com jeito de “yankees go home” (longe de mim!) cabe a pergunta: qual seria a reação dos norte-americanos caso um cineasta brasileiro organizasse um movimento contra a construção de uma usina hidrelétrica nos EUA?

sábado, abril 10, 2010

Discurso de formatura - 8/4/2010

Na noite do último 8 de abril tive novamente a honra de ser paraninfo da turma de formandos do curso de Engenharia Elétrica da UTFPR. Segue-se o discurso que eles tiveram de aguentar:

________________

Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Marcos Flávio de Oliveira Schiefler Filho, demais autoridades já nomeadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.

É uma satisfação e uma grande honra ter sido escolhido como paraninfo da turma de vocês. Dessa vez a satisfação é ainda maior, por dois motivos. Primeiro, porque 2009 foi um ano especial, marcado pelo centenário da UTFPR e pelos aniversários de 50 anos do DAELT e de 30 anos do curso de Engenharia Industrial Elétrica. O segundo motivo, se vocês me permitem um momento de bazófia, foi ter sido escolhido como paraninfo das duas turmas de Engenharia Eletrotécnica que se formaram em 2009, este ano que marcou também o aniversário de 20 anos da minha própria formatura e da formatura de vários outros engenheiros, como o professor Mariano e o professor Schiefler, que aqui estão.

Infelizmente, 2009 não foi somente um ano de festas, mas também um ano de grandes dificuldades e provações, especialmente para o DAELT. Em setembro, depois de um início de semestre particularmente difícil, por causa da gripe suína, o professor Josemar foi afastado por motivos de saúde. Dois outros colegas do curso de Tecnologia também estão no momento em licença médica, para tratamento: o professor Alexandre e a professora Rosalba. No final do ano faleceu o professor Lauro Pofahl, que, se não era um professor do curso de Engenharia e já estava aposentado, era uma verdadeira lenda dentro do DAELT. Minhas homenagens a esses colegas.

Mas o golpe mais pesado veio realmente em outubro, com o falecimento totalmente inesperado do professor Ayrton, meu professor, meu incentivador, meu colega durante 18 anos e uma das pessoas mais calmas e serenas que já conheci.

O professor Ayrton estará para sempre na minha memória e também no meu álbum de formatura, como professor homenageado. Ao dar o nome dele a esta turma de formatura vocês revelam grande sensibilidade, ao mesmo tempo em que continuam uma antiga tradição. Basta ver quantas vezes o nome dele aparece nas placas de bronze espalhadas pelo Bloco E. Continuando essa tradição, dedico este discurso ao professor Ayrton.

Apesar de todo o tempo que se passou desde que eu estive aí, no lugar de vocês, é interessante notar que algumas coisas não mudaram muito. As becas mudaram, o ritual mudou um pouco, o uso da tecnologia aumentou, a cerimônia ficou mais colorida e mais bonita, com participação de mais mulheres, mas os rostos felizes, a sensação de missão cumprida, os risos e lágrimas, essa leve ansiedade no ar e a expectativa pelo futuro continuam as mesmas.

Mas, fora desse ambiente de formatura, a coisa mudou radicalmente. É desnecessário detalhar o quanto a tecnologia evoluiu desde então. Basta dizer, por exemplo, que a internet não existia. E, se vocês percorressem os escritórios daquela época, veriam também que havia pouquíssimos computadores, mesmo nas grandes empresas. Hoje até mesmo os estagiários de pequenas empresas têm computadores. Mais incrível: os estagiários de hoje têm até mesmo direitos trabalhistas!

Antes que vocês me entendam mal, deixem-me esclarecer algumas coisas: há vinte anos os dinossauros não andavam mais pela Terra (a não ser dentro de algumas empresas), as fotografias ainda não eram digitais, mas também não eram mais em preto e branco, e os televisores ainda não eram de tela plana, mas também não eram mais valvulados.

Mas não só nos aspectos tecnológicos as coisas mudaram completamente. Em 1989 o mundo estava em festa. A União Soviética estava se desintegrando, o Muro de Berlim cairia em novembro daquele ano e o comunismo estava acabando. Para mim, que passei toda a adolescência assombrado pela Guerra Fria, foi uma agradável surpresa constatar que o conflito se encerrou por W.O., e não com bombas atômicas explodindo em Moscou, Washington e Pinhais.

Mas, no Brasil, a coisa estava longe de ser uma festa, especialmente em termos econômicos. Entre 1985, quando eu passei no vestibular, e 1994, quando foi criado o Plano Real, a inflação anual oscilou entre 65% e 2.700%. Logo, essa inflação anual de 5% que hoje nos preocupa, naquela época era coisa de uma semana. Assustador.

Na verdade, se eu tivesse planejado as coisas de maneira a me formar na pior época possível, em termos econômicos, eu não teria acertado tanto. É impossível dizer a vocês, que viveram apenas a primeira infância nesse período de hiperinflação, como eram as coisas então. Basta dizer o seguinte: a hiperinflação simplesmente impedia o planejamento e destruía o futuro. Destruía o futuro.

A melhor época para alguém se formar não foi há vinte anos. A melhor época é hoje e vocês não têm ideia do privilégio que estão tendo em se formar em um país com economia estável, que não deve um cent ao FMI e que tem hoje mais condições do que nunca de ser feliz. Ainda não somos um país desenvolvido, mas pelo menos hoje temos futuro. Além disso, talvez venhamos a precisar de um milhão e meio de engenheiros nos próximos anos, de modo a dar prosseguimento a todas as obras necessárias ao crescimento de nosso país. Assim, o mercado de trabalho hoje está “comprador”.

O futuro é um assunto que sempre me fascinou, pois em larga escala ele é imprevisível. Ninguém pode prever o futuro, por uma mera questão de lógica: se fosse possível prevê-lo, ele poderia ser alterado e, podendo ser alterado, não poderia mais ser previsto.

Mas, se não podemos prever o futuro, ao menos podemos nos preparar para ele. Podemos planejar e criar estratégias válidas em qualquer cenário futuro. Um exemplo rápido disso nunca me saiu da cabeça.

Há 18 anos, quando passei no concurso para professor, eu e mais uns quinze ou vinte funcionários fomos recebidos pelo diretor da época, o professor Ataíde Moacir Ferrazza. Após uma apresentação da estrutura organizacional do então CEFET-PR, que oferecia cursos técnicos, de graduação, mestrado e doutorado, ele comentou: “vejam que, verticalmente, nossa instituição já é uma universidade”. Assim, a ideia de se transformar o CEFET-PR em universidade não foi algo que surgiu da noite para o dia. Pelo contrário, essa ideia foi planejada e estudada durante anos, até poder ser efetivada. É assim que nascem os sonhos e, por causa desse sonho, por causa dessa estratégia, somos hoje a UTFPR.

Uma das vantagens em ser universidade é que, em qualquer lugar do mundo, esse conceito é mais facilmente absorvido e entendido do que o conceito de Centro Federal de Educação. Por exemplo, uma das coisas que me deixavam realmente irritado pouco depois da minha formatura era, logo após dizer que havia me formado no CEFET, ouvir as pessoas exclamarem: “puxa, eu não sabia que havia curso de Engenharia no CEFET...”. Bem, um dos problemas era que nossa imagem era muito ligada aos cursos técnicos, que tiveram e ainda têm sua importância. Outro era que nosso curso de Engenharia tinha apenas 10 anos na época e talvez houvesse apenas 300 engenheiros formados aqui. Hoje, temos quase 1.400, só em Engenharia Eletrotécnica.

Atualmente nossos alunos estão espalhados pelo Brasil e também pelo mundo. Já os encontrei em empresas como WEG, Areva, Chesf, Petrobras, Eletrobrás, Copel, Celesc, Eletrosul, Schneider, Siemens, Bematech, Brasil Telecom, Oi, Vivo, Claro, Arteche, Itaipu, Philips, Camargo Corrêa, Nokia e até na Receita Federal e na Polícia Federal (sem falar naqueles que trabalham em empresas de pequeno e médio portes, naqueles de vocação mais empreendedora, que abriram suas próprias empresas, e naqueles que, tendo sido contaminados pelo vírus da Educação, tornaram-se professores universitários).

Nossa história mostra que atingir a excelência é difícil, mas possível, e é nesse caminho que estamos. A receita para a excelência eu aprendi com os ingleses.

A Inglaterra é um país fantástico e estranho. A culinária deles, por exemplo, inclui um pudim que não é pudim e um bife que não é bife, sem falar na famosa torta de rins. Os ingleses têm alguns hobbies estranhos, como o trainspotting (observação de trens), e um dos esportes nacionais deles é o críquete. Mas uma das muitíssimas coisas que os ingleses fazem bem é a construção de jardins e parques, ou seja, o paisagismo, arte na qual o Brasil teve um grande expoente: Roberto Burle Marx. A receita para um jardim perfeito, segundo os ingleses, é simples: comece com mudas e sementes selecionadas, contrate os melhores profissionais no assunto, planeje bem e... regue durante 100 anos.

É isso que temos feito nesses últimos 100 anos, mas é necessário que vocês continuem conosco nessa tarefa de regar nosso jardim. Assim, cada vez que vocês fizerem algo de fantástico e extraordinário, não se esqueçam de mencionar onde se formaram e não se esqueçam de dizer “Olé”!

Olé para vocês também! Vocês merecem.

Obrigado por tudo. Vocês são ótimos. Vida longa e próspera!

sábado, fevereiro 27, 2010

Motos contínuos revisitados

Há algum tempo cometi neste blog a temeridade de escrever dois ensaios sobre motos contínuos (também conhecidos como "motos perpétuos"). O primeiro deles ("Máquinas impossíveis") deixava bem clara a impossibilidade de se construir tais máquinas mitológicas, enquando o segundo ("Moto contínuo: o sonho que não quer morrer") tratava de uma motocicleta fabricada pela empresa japonesa Axle Corporation, que apareceu no YouTube juntamente com a alegação de ser movida por um moto contínuo. O resultado foi que passei a receber comentários e e-mails de aficcionados do suposto invento, os quais diziam (e continuam dizendo) terem projetos prontos, faltanto "apenas alguns detalhes". Recebi até mesmo um projeto em papel, para ser analisado. Mas, para ser bem direto, não perca seu tempo com isso. Motos contínuos são impossíveis.

Vamos recapitular algumas coisas. Em princípio existiriam dois tipos de moto contínuo. Os de primeira espécie produziriam mais energia do que consumiriam, violando a lei da conservação da energia, que é a primeira lei da termodinâmica. Já os de segunda espécie converteriam energia térmica espontaneamente em trabalho mecânico, violando a segunda lei da termodinâmica, que diz que a entropia de um sistema sempre aumenta entre conversões sucessivas de energia. Em outras palavras, o calor não pode passar espontaneamente de um corpo frio para um corpo quente.

Qualquer motor deve vencer uma série de perdas para se manter em funcionamento. Motores elétricos, por exemplo, que são os mais eficientes de todos os motores, apresentam perdas em seus enrolamentos, denominadas "perdas por efeito Joule" ou, no jargão da área, "perdas ôhmicas", além de perdas no ferro, perdas por atrito e ventilação e outras de menor importância. Por causa de tais perdas, o motor fornecerá em seu eixo menos energia elétrica do que recebe da rede elétrica e seu rendimento será inferior a 100%.

Um motor fantasticamente bem projetado e construído talvez apresentasse rendimento de 99,95%, mas ainda estaria infinitamente longe de ser considerado um moto contínuo de primeira espécie. E o problema é que tal motor custaria tão caro que toda a economia obtida com sua operação seria sepultada pelos custos de sua produção.

Teoricamente, poderíamos pensar que no futuro será possível produzir motores com rendimentos da ordem de 99,9999%. Talvez. É possível que a evolução da ciência dos materiais torne possível tal criatura fantástica, embora isso provavelmente venha a acontecer somente depois da invenção do motor de dobra, do teletransporte e do sabre de luz! Mesmo assim, um motor com rendimento igual a 99,9999% tambem estaria infinitamente distante de ser considerado um moto contínuo de primeira espécie.

Já um moto contínuo de segunda espécie é uma criatura totalmente mitológica. Ele só seria possível em um universo povoado por anjos e fadas, no qual as leis da física pudessem ser alteradas em um passe de mágica. Em tal universo, contudo, motos contínuos provavelmente seriam desnecessários.

A conclusão é que as pessoas que se dedicam à pesquisa de motos contínuos estão desperdiçando tempo e dinheiro. Melhor seria se elas colocassem sua inventividade a serviço de causas que possam ser atingidas antes que o Sol se apague.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Mais "confusões elétricas"

Exemplos das confusões que citei no ensaio anterior são fáceis de encontrar na imprensa brasileira. O seguinte texto, a respeito da crise energética que ora atinge o Paraguai, acaba de ser publicado no blog de importante jornalista:

"Além do aumento dos recursos, o acordo prevê a construção dessa linha de transmissão. De acordo com Itaipu, o sistema seria responsável pelo aumento na capacidade de geração de energia para o Paraguai de 1.500 para mais de 2 mil megawatts."

Ora, uma linha de transmissão não pode aumentar (ou diminuir) a capacidade de geração de uma usina, pois a capacidade de geração depende somente da usina em questão. O que será aumentada é capacidade de transmissão. São conceitos diferentes e, para entendê-los, não podemos confundi-los.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Apagões e confusões

Pode anotar aí: a cada piscadela de uma lâmpada, a cada oscilação do fornecimento de energia, a cada queda de uma rede local, a cada desligamento programado, surgirá alguém, provavelmente um jornalista, inquirindo uma autoridade do Setor Elétrico sobre a possibilidade de que esse “apagão” seja o indicativo de um futuro racionamento de energia. Talvez a imprensa brasileira esteja levando muito a sério a parábola do “gato escaldado”, pois em 2001 ninguém se preocupava com racionamentos de energia, ninguém fazia essas perguntas, e deu no que deu. Entretanto, imagino ser mais provável estar havendo uma grande confusão conceitual na área energética. O objetivo deste ensaio é desfazer tal confusão, ao menos em parte.

O sistema elétrico brasileiro, como qualquer sistema elétrico de grande porte, é formado por quatro partes: geração, transmissão, distribuição e consumo. De maneira bem geral, a energia elétrica e produzida pelos geradores, é entregue às linhas de transmissão, que percorrem grandes distâncias e, ao chegar perto das cidades, é entregue às redes de distribuição, que a distribuem aos consumidores finais.

Há muitas variações possíveis nessa topologia geração-transmissão-distribuição-consumo. Por exemplo, algumas vezes podemos ter geradores presentes dentro da área da distribuição, formando o que se chama “geração distribuída”, mas não vamos complicar demais as coisas. O fato é que qualquer uma dessas quatro partes (incluindo os consumidores) está sujeita a falhas operacionais e qualquer tipo de falha operacional pode dar origem a uma interrupção de fornecimento, vulgarmente conhecida como “apagão”.

Vamos começar de trás para frente, ou seja, do consumo até a geração. Imagine um grupo de estudantes, moradores de uma República, em uma bela noite de sábado, preparando-se para sair. Todas as luzes da casa estão acesas e todas as televisões, computadores e aparelhos eletrônicos estão ligados. A instalação elétrica está aguentando, mas é da época do Ford Bigode e, sendo assim, nunca se sabe. Alguém está no chuveiro elétrico e outro alguém está ajeitando as madeixas com um secador, também elétrico. De repente, um dos estudantes resolve usar o forninho elétrico para esquentar o “sanduba” que encostará seu estômago antes da noitada. Nesse instante, quando o sistema elétrico já está no limite, um amigo chega e dá o toque final, literalmente, tocando a campainha (que, obviamente, é elétrica). Nesse ponto o disjuntor não aguenta e desarma, apagando as luzes e desligando todo o resto. Enquanto alguns estudantes xingam o Governo Federal, o Governo Estadual, a distribuidora local e os fabricantes de fornos elétricos, um deles (talvez de Engenharia Elétrica) percebe que as luzes dos vizinhos continuam acesas e conclui que o evento foi puramente local. Não há muito a fazer, a não ser desligar alguns equipamentos e voltar a ligar o disjuntor.

É claro que sistemas elétricos residenciais não devem ser projetados e construídos da maneira tão “apertada” descrita acima, mas, ainda assim, esse tipo de interrupção pode ocorrer. Ela pode ser causada, por exemplo, por um curto-circuito em alguma parte da instalação. Nesse caso, não adianta ligar para o presidente de Itaipu, exigindo explicações, e não adianta “tuitar” para seu jornalista preferido, informando que o sistema elétrico nacional está à beira de um colapso, pois a culpa terá sido unicamente sua e do sujeito que projetou a instalação elétrica. Também não adianta entrar em contato com a distribuidora local, exigindo pagamento pelos equipamentos danificados, pois ela não poderá ser responsabilizada nesse caso.

O segundo elo do sistema é o sistema de distribuição e, de certa forma, interrupções na área da distribuidora são mais ou menos como essa causada pelos estudantes do parágrafo acima. Uma das coisas que muda é a maior extensão da área atingida, que pode ser uma ou mais quadras, um ou mais bairros ou até mesmo uma cidade inteira, especialmente no caso de cidades de pequeno e médio portes. Você pode até chamar essas interrupções de “apagões”, mas, pessoalmente, não gosto desse termo. Primeiro, porque ele tem sido usado como um termo geral demais para descrever todos os tipos de interrupção e, como ocorrer com todos os termos gerais demais, acaba por descrever pouco. Segundo, porque esse termo ficou por demais ligado ao racionamento de 2001/2002, mesmo que, a rigor, não tenha havido “apagão” (tudo que houve foi um pedido para que a população economizasse energia, seguido de multa caso o pedido não funcionasse). Ainda assim, cada vez que alguém fala em “apagão”, voltam à memória aquelas cenas do racionamento e muita gente imagina que o caos está novamente à porta.

Interrupções na rede da distribuidora são geralmente acidentais, causadas por postes atingidos por veículos, tempestades, animais tentando se aninhar junto a equipamentos, erros de operação, etc. Em casos excepcionais, a distribuidora pode optar por desligar partes da rede para evitar sobrecarga do sistema. Esses desligamentos não significam falta de energia, mas sim que a energia, embora disponível, não pode ser entregue aos consumidores em determinado período. É isso que tem acontecido, por exemplo, nesse verão gaúcho de 2010. Por causa do elevado consumo de energia elétrica, decorrente dos inúmeros aparelhos de ar condicionado e ventiladores postos em operação, a CEEE-D (Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica) começou a realizar ciclos de desligamentos em diversos bairros de Porto Alegre no início de fevereiro. A cada ciclo, de modo a aliviar a rede, cerca de seis mil consumidores ficaram sem energia por até 10 minutos, enquanto esperneavam e xingavam. Se a rede fosse mais robusta, a energia poderia ter sido entregue sem problemas, pois estava disponível. Porém ,talvez isso não sirva de consolo aos consumidores atingidos, os quais poderão solicitar providências à distribuidora em caso de danos em equipamentos e perda de bens perecíveis.

Interrupções na transmissão, o terceiro elo do sistema, sempre contando de trás para frente, são geralmente muito mais graves. Linhas de transmissão interligam cidades ou regiões e são responsáveis pelo transporte de grandes blocos de energia. Podemos dizer que a transmissão é uma atividade de “atacado”, enquanto a distribuição é uma atividade de “varejo”. Uma interrupção em uma linha de transmissão, portanto, que pode ser causada por tempestades, falhas operacionais e até por sabotagem, pode deixar uma cidade inteira às escuras, ou até mesmo uma região geográfica inteira.

Entre os leigos existe muita confusão entre distribuição e transmissão. Lembremos, por exemplo, da interrupção ocorrida em 10 de novembro último, envolvendo três linhas de transmissão de Furnas. Após a identificação dos circuitos afetados pelo desligamento, um dos quais liga Ivaiporã, no Paraná, e Itaberá, em São Paulo, alguns jornalistas entraram em contato com esses municípios e constataram que a interrupção não havia afetado Itaberá. Esse fato foi então divulgado como um fenômeno muito misterioso. Ora, ocorre que os consumidores finais, especialmente os residenciais, comerciais de baixa potência e rurais, não são atendidos diretamente pelas linhas de transmissão de alta tensão, mas sim pelas redes de distribuição, que operam em tensões comparativamente mais baixas. Assim, não importa se uma linha de transmissão defeituosa passa perto ou longe de uma cidade. O que mais importa, em termos dos efeitos de uma interrupção, é se tal linha tem derivação para as redes de distribuição que atendem a cidade. Caso não tenha, como parece ser o caso de Itaberá, os consumidores dessa cidade poderão não ser afetados diretamente por um desligamento da linha de transmissão, pois recebem energia através de outros circuitos de tensão mais baixa.

No Brasil o critério para se distinguir redes de distribuição de linhas de transmissão é aparentemente simples: se a tensão de operação for igual ou superior a 230 mil volts, o circuito é de transmissão; se a tensão for inferior a 230 mil volts, o circuito é de distribuição. Existem, é claro, casos de fronteira, mas não vamos nos preocupar com eles aqui.

Caso o parágrafo acima tenha parecido muito enigmático, existe um critério menos preciso, mas mais fácil de ser aplicado, para se distinguir distribuição de transmissão: redes de distribuição são compostas por várias linhas curtas e de pequeno porte e são encontradas no meio urbano; linhas de transmissão, por outro lado, são longas, de grande porte e são encontradas no campo e na periferia das cidades. Por causa do grande porte e extensão das obras de transmissão, interrupções desse tipo são mais demoradas e atingem mais consumidores, pois são mais difíceis de serem identificadas e mais difíceis de serem consertadas.

Interrupções de fornecimento também podem ser causadas por geradores, que formam o quarto elo do sistema. Também há entre os leigos certa confusão entre geração e transmissão. Por exemplo, o desligamento de novembro de 2009 iniciou-se em uma linha de transmissão, mas provocou também o desligamento de Itaipu, usina que acabou recebendo a “culpa” inicial pelo evento. Ocorre que Itaipu é uma usina geradora e “apenas” entrega para as linhas de transmissão a energia por ela produzida. O que acontece daí para frente não é de responsabilidade nem de Itaipu nem de qualquer usina. As atividades de geração e de transmissão, embora interligadas e interdependentes, são separadas fisicamente, comercialmente e juridicamente.

A confusão foi provavelmente causada porque Itaipu, tendo sido desligada automaticamente após a interrupção, deixou de gerar energia para o sistema e foi apressadamente identificada como a responsável pelo apagão. De nada ajudou a afirmação de um repórter, transmitindo de Foz do Iguaçu, de que, após o desligamento, os geradores de Itaipu passaram a girar “em falso”. Esse termo dá a impressão de que havia algo de errado com os geradores, quando, na verdade, trata-se de um tipo comum de operação, cujo nome correto é “operação em vazio”. Nessas situações, os geradores permanecem conectados eletricamente ao sistema, de modo a poderem ter a geração rapidamente aumentada quando necessário. No desligamento de novembro não havia para onde Itaipu entregar a energia, pois a linha estava interrompida. Logo, a operação em vazio era a mais recomendada.

É claro que poucos defeitos em linhas de transmissão podem causar o desligamento de geradores, pois o sistema é muito robusto (embora não tão robusto quanto gostaríamos). Interrupções locais, por outro lado, como aquela causada por nossos estudantes festeiros, não causarão danos nem mesmo à subestação da distribuidora local, quanto mais à usina mais próxima. Você pode até tentar derrubar Itaipu provocando um curto-circuito em sua instalação doméstica, mas a probabilidade de que isso ocorra é menor do que a probabilidade de que a seleção de Gana ganhe as três próximas Copas do Mundo.

Outro aspecto da confusão relacionada a interrupções de fornecimento ficou claro com uma pergunta feita algumas vezes pelos jornalistas que cobriram o desligamento de novembro de 2009. Disseram eles: por que as usinas térmicas não entraram em operação logo após o desligamento? Em poucas palavras, a resposta é: porque tais usinas servem para resolver problemas energéticos (falta de água nos reservatórios, por exemplo), não problemas elétricos (interrupções nas linhas de transmissão, por exemplo).

Sendo o sistema elétrico brasileiro maciçamente hidrelétrico, a maior parte de nossa geração de energia depende do regime de chuvas. Após grandes períodos de escassez de chuvas, os reservatórios das hidrelétricas podem ter seus níveis reduzidos e as usinas termelétricas (ou “térmicas”) podem ser convidadas a entrar em operação, funcionando como uma espécie de “seguro anti-racionamento”. Foi isso que aconteceu, por exemplo, em 2001 e também no início de 2008. Todavia, o processo de entrada em operação de tais usinas, em geral movidas a carvão, gás natural ou óleo diesel, é lento e complexo, podendo demorar várias horas. Para que as térmicas funcionassem também como um “seguro anti-interrupção”, entrando instantaneamente em operação ao menor sinal de um desligamento de certo porte, seria necessário deixá-las permanentemente conectadas ao sistema elétrico, consumindo uma quantidade de combustível que, embora diminuta quando comparada ao consumo em operação nominal, resultaria em custos adicionais proibitivos e desnecessários. Em tempos de preocupações com o aquecimento global, tal modalidade de operação seria verdadeiramente criminosa.

Por causa do desligamento de novembro de 2009, e também por causa dos sucessivos recordes de geração elétrica decorrentes das altas temperaturas do início de fevereiro de 2010, ressurgiu em meio à imprensa o questionamento sobre o risco de desabastecimento energético no futuro. Só que interrupções e racionamentos são problemas diferentes e separados. O primeiro é um problema elétrico, geralmente aleatório e de curta duração, enquanto o segundo é um problema energético, mais fácil de ser previsto, mas de longa duração. O primeiro está relacionado com a falta de capacidade de transporte da energia, enquanto o segundo está relacionado com a falta de energia elétrica em si, que é o produto transportado pelas linhas de transmissão e entregue pelas redes de distribuição.

Durante o racionamento de 2001, por exemplo, havia linhas e redes suficientes para atender o sistema, mas não havia energia suficiente. Isso aconteceu, em parte, por causa da falta de água nos reservatórios e, em parte, por causa da insuficiência de obras de geração em operação. Na interrupção de novembro de 2009, por outro lado, havia energia suficiente, mas, durante certo intervalo de tempo, não houve linhas de transmissão para transportá-la.

Finalizo com uma sugestão. O Brasil conta com jornalistas especializados em economia e finanças, em política, em meteorologia, sem falar nas várias pencas de jornalistas especializados em várias modalidades esportivas e em outros assuntos de mínima importância. Por que não podemos contar com alguns poucos jornalistas especializados em energia elétrica? Esse tipo de profissional seria valioso, ajudando os agentes do setor elétrico a agirem de forma técnica em vez de agirem pressionados por uma opinião pública mal informada, temerosa de que qualquer interrupção temporária seja o prelúdio de um racionamento prolongado. Não é uma boa ideia?

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Posfácio

Depois de ter publicado este não muito curto ensaio sobre o setor elétrico, dei-me conta de ter omitido uma importante característica dos sistemas de transmissão, que são os limites de transmissão. Em muitos casos as linhas de transmissão estão funcionando perfeitamente, sem interrupção alguma, mas, por limitações construtivas, não têm capacidade para transmitir toda a energia necesária entre dois subssistemas. É isso que acontece frequentemente, por exemplo, com as linhas de Itaipu e com outras linhas de grande porte. De fato, se os limites de transmissão não existissem, não haveria sentido em se falar em "subssistemas" e, a rigor, haveria apenas um único e gigantesco sistema elétrico no Brasil. Mas essa é outra história e fica para outra vez.

sábado, janeiro 30, 2010

Você sabe que o carnaval está chegando quando...

  1. Mulatas começam a aparecer na TV mais do que político em campanha.
  2. Cientistas sociais começam a dar entrevistas explicando o significado da palavra "carnaval".
  3. O panetone começa a ficar mais barato e logo desaparecerá das prateleiras.
  4. Seu vizinho machão começa a fazer um estoque de lantejoula e purpurina.
  5. O barulho dos sininhos do Natal começa a dar lugar ao barulho das cuícas e apitos.
  6. Começam a aparecer reportagens sobre a importância social da "indústria do carnaval".
  7. Cedo ou tarde alguém aparecerá para dizer que "polaca também tem samba no pé" (essa só vale para quem é de Curitiba...).
  8. Os padres começam a nos lembrar que o carnaval marca o início da preparação para a Páscoa (e você se lembra que vem mais um feriado aí daqui a 40 dias).
  9. De todo lado começa a chover água, celulite e silicone.
  10. As aulas estão prestes a recomeçar...

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Os 130 anos do invento que iluminou o mundo

Passei metade das minhas férias escrevendo sobre o assunto, mas foi preciso que um ex-aluno me avisasse (via Twitter): ontem, 27 de janeiro, foi o aniversário de 130 anos da outorga da patente da lâmpada de filamento incandescente a Thomas Alva Edison.

Coisa que pouca gente sabe é que muitos inventaram a lâmpada incandescente antes de Edison. Em 1820, por exemplo, o astrônomo e químico britânico Warren De La Rue (1815 - 1889) já havia inventado uma lâmpada de filamento de platina, mas o alto custo desse material inviabilizou a comercialização do invento. Fora dos EUA, o caso mais importante é o do físico britânico Joseph Swan (1828 - 1914), que fez suas primeiras experiências com uma lâmpada de filamento carbonizado por volta de 1860 e patenteou seu invento no Reino Unido em 1878 (antes de Edison, portanto).

Uma deficiência das lâmpadas de Swan era o elevado consumo de corrente, que reduzia a durabilidade das mesmas e tornava mais cara a operação. Edison, que conhecia o invento de Swan, percebeu isso e desenvolveu um filamento mais fino, de fibra carbonizada de bambu, de elevada resistência elétrica, que durava bem mais (150 horas no início, passando a 1.200 horas nos meses seguintes).

Mas o fato é que poucos podiam concorrer comercialmente ou tecnicamente com Edison: trabalhador incansável, criador do primeiro centro de pesquisas tecnológicas (o Edison's Menlo Park Laboratory) e dono de uma inventividade inesgotável que se estendeu a muitas áreas além da energia elétrica. Edison também tinha o costume de não dar folga à concorrência e pressionava de todas as maneiras.

Em 1883, Swan aceitou unir-se a Edison e os dois fundaram a Edison & Swan Electric Light Company, mais conhecida como Ediswan, que passou a comercializar na Europa as lâmpadas de filamento de celulose que Swan havia aperfeiçoado. Nos EUA, Edison continuou a comercializar suas lâmpadas de filamento de bambu carbonizado, que provaram ser um grande sucesso, ao menos até o surgimento dos filamentos de tungstênio. Mas essa já é outra história!

Por coincidência, eu estava meio sem assunto para minha palestra deste semestre na UTFPR. Agora estou pensando em "Edison, Swan e os 130 anos do invento que iluminou o mundo". Pode parecer um assunto antigo, mas há muito de atualidade nele.

domingo, janeiro 24, 2010

Deus, Haiti e outras coisas

A estupidez humana é sempre uma constante, mas é nas grandes tragédias que ela se manifesta com total intensidade. No caso do terremoto do Haiti, excluindo-se as bobagens de sempre, como aquela que diz que um ato divino impediu a destruição do crucifixo da igreja onde estava Zilda Arns, algumas outras são muito mais preocupantes. É o que relata o físico Marcelo Gleiser em sua coluna de hoje. De acordo com ele o pastor evangélico Pat Robertson atribuiu o terremoto a uma punição divina contra os haitianos, que teriam assinado um pacto com o diabo para conseguir a independência dos franceses.

Atribuir a causa de um terremoto a um povo pobre como o haitiano é o que há de mais cruel em uma hora dessas. Eu diria até que se trata de uma atitude anti-cristã. Mas, em todo caso, se Deus quer realmente punir os pecadores, por que não produzir um terremoto em Los Angeles? Ou em Las Vegas (the "Sin City")?

O que não conseguimos entender é que tragédias como o terremoto do Haiti, o tsunami de 2004 e todo o resto são apenas consequência das leis da física e de um monte de acidentes. Leis da física e um monte de acidentes, nada mais. Em escala planetária, e longe de querer menosprezar o sofrimentos das vítimas, essas tragédias seriam vistas como eventos muito pequenos. Se visto do espaço, qualquer terremoto teria parecido com um tremor seguido de uma acomodação de rochas. Se visto do espaço, qualquer tsunami teria parecido com uma leve "lambida" dada pelo oceano nas margens de algumas ilhas e continentes. Somos cosmicamente insignificantes e, mesmo assim, queremos que o Cosmos se curve à nossa vontade.

Talvez já esteja na hora de entendermos que o Universo não foi construído de acordo com nossas especificações e que o planeta não gira em torno de nós. Talvez já esteja na hora de pararmos de dizer a Deus o que ele deve ou não fazer e começarmos a nos preocupar com as duas perguntas que realmente importam em casos de terremotos, furacões, inundações e outras tragédias: (1) Como nos precavermos dessas tragédias, caso possível? (2) O que fazer para minimizar o impacto dessas tragédias, caso ocorram novamente?

Essas são as perguntas que realmente interessam. Todas as outras, ex-ante ou ex-post, não passam de conversa fiada.

sábado, janeiro 02, 2010

Previsões para 2010

Minhas previsões para 2010 (sem ajuda da FCCC, com diferentes graus de probabilidade):

  1. Rubens Barrichello chegará em segundo lugar em algum GP.
  2. A seleção brasileira decepcionará milhões na África do Sul, mas prometerá se vingar no Brasil em 2014 (torcendo para que a seleção uruguaia fique de fora).
  3. O presidente Lula dirá que "nunca antes na história desse país..."
  4. O índice de aprovação nas minhas disciplinas na UTFPR ficará entre 70% e 95%.
  5. Os jornalistas continuarão falando em "quilowatt por hora" e confundindo racionamento com interrupção de fornecimento.
  6. A ministra Dilma Rousseff aparecerá incontáveis vezes na televisão.
  7. Surgirá do nada uma nova dupla sertaneja, grupo de pagode ou banda juvenil.
  8. Um novo filme de vampiro será lançado.
  9. A Microsoft lançará vários pacotes de correção do Windows 7. As correções continuarão até 2012, quando eles reunirão todos os pacotes e os relançarão com o nome de "Windows 8".
  10. O ministro do Tribunal Superior Eleitoral garantirá que as urnas eletrônicas são infalíveis e invioláveis.