A Águia pousou
Cuidado: "spoiler" abaixo.
Quando eu era criança meu pai tinha, dentre seus inúmeros livros, um pequeno, talvez de 150 páginas, encadernado em capa dura, que contava a história do programa espacial norte-americano e também uma parte do programa soviético.
O livro era maravilhosamente ilustrado e, depois de tanto percorrê-lo de um lado a outro, meus três heróis terráqueos passaram a ser Armstrong, Aldrin e Collins. É claro que Armstrong, tendo sido "o primeiro homem", era também meu principal herói. Eu me lembro que, quando eu tinha não mais do que 10 anos, em uma conversa qualquer com um coleguinha, eu perguntei se ele sabia quem era Armstrong e ele disse: "É um trompetista de jazz". Eu não disse nada, mas fiquei pensando: "que idiota, nem sabe quem é Armstrong".
Para uma criança não é necessário conhecer as dores e alegrias de um herói para passar a admirá-lo. Basta que ele seja capaz de fazer coisas que ninguém mais consegue fazer (mesmo que com o auxílio de outros milhares de pessoas, de alguns milhões de dólares e de outros detalhes). Mas é exatamente desnudar Neil Armstrong que pretende o filme "The First Man" (2018).
Neil, que ficou conhecido como um "herói relutante", é descrito no filme como uma pessoa fria e difícil, sem visão de marketing e capaz de responder perguntas da imprensa como "se o senhor pudesse levar algo para a Lua, o que seria?", com um curto "mais combustível". O filme dá a entender que essa aparente frieza de Neil foi necessária para que ele conseguisse pousar a Águia na Base da Tranquilidade. Será? Provavelmente não. Após a Apollo 11, mais cinco missões Apollo conseguiram pousar com sucesso na Lua, pilotadas por diferentes astronautas com várias personalidades. E, apesar de a Apollo 11 ter sido a mais perigosa, todas foram perigosas.
O filme gira bastante em torno da relação de Neil com sua esposa, Janet Shearon. Juntos eles estão tentando superar a morte da filhinha Karen. Ao contrário de outros filmes, que mostram as esposas dos astronautas como heroínas, mas apenas do tipo que ficam em casa torcendo para que tudo dê certo, este mostra as angústias de Janet mais de perto e como ela tenta de certa forma dissuadir Neil e mostrar que na verdade "nada está sob controle", ao contrário do que a equipe da NASA acredita.
Após o lançamento do Saturno 5 (e garanto que tudo fica muito mais emocionante em 4D), os efeitos especiais tomam conta do filme. O primeiro "passo na Lua" é mostrado em detalhes, assim como Neil pronunciando aquela frase que, como outras, ficou impressa no livro da humanidade. Contudo, para mim a frase do primeiro passo sempre pareceu ensaiada e mais humilde do que deveria ser. Talvez Neil não estivesse em condições de pensar em algo melhor, mas em vez de dizer "... um grande passo para a humanidade", muitos americanos certamente gostariam que ele tivesse dito: "aqui pra vocês, soviéticos!".
O grande ato de heroísmo de Neil não foi ao pisar na Lua e pronunciar uma frase que renderia batalhas judiciais depois. O grande ato foi pousar na Lua, quase sem combustível, após ter assumido o controle manual, ultrapassar o local inicialmente previsto e pousar em um local mais seguro. Assim, a frase que descreve melhor a missão Apollo 11 foi aquela dita por Neil após o pouso, quando todos já haviam recuperado o fôlego: "Houston, aqui Base da Tranquilidade. A Águia pousou".
Pouco antes do lançamento do filme um senador ficou sabendo que a cena da bandeira norte-americana sendo espetada em solo lunar não seria mostrada em detalhes. O diretor do filme, Damien Chazelle, disse então que a bandeira estava lá, mas que ele preferiu dar ênfase a outros aspectos. Ao ficar sabendo da controvérsia, Trump teria dito: "É quase como se eles estivessem envergonhados com essa realização dos Estados Unidos e eu acho que isso é uma coisa terrível. Quando você pensa em Neil Armstrong e quando pensa no pouso na Lua, pensa na bandeira americana. Por essa razão, eu nem quero assistir ao filme". Uma declaração racional e refletida de Trump, como muitas outras.
O filme não mostra o retorno à Terra, que foi mais perigoso do que a ida à Lua. Em vez disso, os astronautas aparecem já em terra, entrando em quarentena. Pouco depois Neil e Janet aparecem se acariciando através da janela de vidro da câmara de quarentena. Nenhuma palavra é dita, e talvez nem precisasse.
Quando eu era criança meu pai tinha, dentre seus inúmeros livros, um pequeno, talvez de 150 páginas, encadernado em capa dura, que contava a história do programa espacial norte-americano e também uma parte do programa soviético.
O livro era maravilhosamente ilustrado e, depois de tanto percorrê-lo de um lado a outro, meus três heróis terráqueos passaram a ser Armstrong, Aldrin e Collins. É claro que Armstrong, tendo sido "o primeiro homem", era também meu principal herói. Eu me lembro que, quando eu tinha não mais do que 10 anos, em uma conversa qualquer com um coleguinha, eu perguntei se ele sabia quem era Armstrong e ele disse: "É um trompetista de jazz". Eu não disse nada, mas fiquei pensando: "que idiota, nem sabe quem é Armstrong".
Para uma criança não é necessário conhecer as dores e alegrias de um herói para passar a admirá-lo. Basta que ele seja capaz de fazer coisas que ninguém mais consegue fazer (mesmo que com o auxílio de outros milhares de pessoas, de alguns milhões de dólares e de outros detalhes). Mas é exatamente desnudar Neil Armstrong que pretende o filme "The First Man" (2018).
Neil, que ficou conhecido como um "herói relutante", é descrito no filme como uma pessoa fria e difícil, sem visão de marketing e capaz de responder perguntas da imprensa como "se o senhor pudesse levar algo para a Lua, o que seria?", com um curto "mais combustível". O filme dá a entender que essa aparente frieza de Neil foi necessária para que ele conseguisse pousar a Águia na Base da Tranquilidade. Será? Provavelmente não. Após a Apollo 11, mais cinco missões Apollo conseguiram pousar com sucesso na Lua, pilotadas por diferentes astronautas com várias personalidades. E, apesar de a Apollo 11 ter sido a mais perigosa, todas foram perigosas.
O filme gira bastante em torno da relação de Neil com sua esposa, Janet Shearon. Juntos eles estão tentando superar a morte da filhinha Karen. Ao contrário de outros filmes, que mostram as esposas dos astronautas como heroínas, mas apenas do tipo que ficam em casa torcendo para que tudo dê certo, este mostra as angústias de Janet mais de perto e como ela tenta de certa forma dissuadir Neil e mostrar que na verdade "nada está sob controle", ao contrário do que a equipe da NASA acredita.
Após o lançamento do Saturno 5 (e garanto que tudo fica muito mais emocionante em 4D), os efeitos especiais tomam conta do filme. O primeiro "passo na Lua" é mostrado em detalhes, assim como Neil pronunciando aquela frase que, como outras, ficou impressa no livro da humanidade. Contudo, para mim a frase do primeiro passo sempre pareceu ensaiada e mais humilde do que deveria ser. Talvez Neil não estivesse em condições de pensar em algo melhor, mas em vez de dizer "... um grande passo para a humanidade", muitos americanos certamente gostariam que ele tivesse dito: "aqui pra vocês, soviéticos!".
O grande ato de heroísmo de Neil não foi ao pisar na Lua e pronunciar uma frase que renderia batalhas judiciais depois. O grande ato foi pousar na Lua, quase sem combustível, após ter assumido o controle manual, ultrapassar o local inicialmente previsto e pousar em um local mais seguro. Assim, a frase que descreve melhor a missão Apollo 11 foi aquela dita por Neil após o pouso, quando todos já haviam recuperado o fôlego: "Houston, aqui Base da Tranquilidade. A Águia pousou".
Pouco antes do lançamento do filme um senador ficou sabendo que a cena da bandeira norte-americana sendo espetada em solo lunar não seria mostrada em detalhes. O diretor do filme, Damien Chazelle, disse então que a bandeira estava lá, mas que ele preferiu dar ênfase a outros aspectos. Ao ficar sabendo da controvérsia, Trump teria dito: "É quase como se eles estivessem envergonhados com essa realização dos Estados Unidos e eu acho que isso é uma coisa terrível. Quando você pensa em Neil Armstrong e quando pensa no pouso na Lua, pensa na bandeira americana. Por essa razão, eu nem quero assistir ao filme". Uma declaração racional e refletida de Trump, como muitas outras.
O filme não mostra o retorno à Terra, que foi mais perigoso do que a ida à Lua. Em vez disso, os astronautas aparecem já em terra, entrando em quarentena. Pouco depois Neil e Janet aparecem se acariciando através da janela de vidro da câmara de quarentena. Nenhuma palavra é dita, e talvez nem precisasse.