terça-feira, dezembro 20, 2011

Cachorrinhos espancados e a falácia do espantalho

No último 14 de dezembro um vídeo foi publicado no YouTube, no qual uma moradora de Formosa (GO) espanca até a morte um cãozinho da raça Yorkshire, com auxílio de um balde. O vídeo teria sido filmado por uma vizinha da agressora e o ato teria sido presenciado pela filha desta.

Não assisti o vídeo e não sei se o assistirei. O processo judicial aberto contra a agressora, contudo, não deixa dúvidas de que o crime realmente ocorreu.

Algum tempo depois da avalanche de mensagens indignadas nas redes sociais, começou a aparecer, ao menos no facebook, um novo tipo de mensagem, que, apesar das suas várias versões, consistia basicamente de um único argumento: "enquanto você perdia tempo postando mensagens sobre cachorros espancados, muita coisa mais importante acontecia no Brasil e no mundo".

Tentar buscar racionalidade em redes sociais, em particular, e no ser humano, em geral, é quase uma perda de tempo, mas não custa lembrar que o argumento acima é altamente falacioso.

A falácia em questão, abundante no facebook, pelo que tenho visto, e certamente muito característica da maneira humana de pensar, é denominada falácia do espantalho. O "espantalho", aqui, não é um daqueles bonecos usados para espantar pássaros em plantações, mas um daqueles bonecos usados em treinamento de combate. O boneco representa o inimigo, mas é obviamente mais fácil de atacar (além de ser geralmente muito difícil conseguir voluntários vivos para serem esfaqueados e receberem tiros de soldados em treinamento).

A falácia do espantalho consiste, portanto, em caricaturizar um argumento com o objetivo de tornar mais fácil o ataque.

No caso presente, atacar os defensores dos animais, todos eles indignados e pedindo pena máxima à agressora do Yorkshire, bem como apoiar a agressora, seria muito difícil, pois mostraria uma falta de compaixão mal vista no mundo atual. Em vez de fazer isso, algumas pessoas optaram por caricaturizar a agressão ao cachorro, tentando ridicularizá-la frente a acontecimentos supostamente mais importantes.

Mas, como dizem, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa".

Sim, vereadores e deputados aumentando seus próprios salários em ano de crise econômica internacional são acontecimentos importantes, que merecem nossa atenção e indignação.

Sim, marginais que espancam e incendeiam moradores de rua merecem da mesma forma nossa indignação.

E, sim, o aumento da violência urbana é alarmante e merece toda nossa atenção.

Todavia, algo me diz que todos esses acontecimentos, incluindo o caso do Yorkshire, são apenas reflexos da mesma deficiência de formação do povo brasileiro. Afinal, em que país razoavelmente desenvolvido e civilizado um cachorro, e um dos menores cachorros existentes, seria espancado até à morte, frente às câmeras, sem causar algum tipo de indignação?

Precisamos aprender a separar fatos e argumentos e analisá-los corretamente, sob o risco de continuarmos a merecer os governantes que temos tido. Se é que as pessoas que deram um "compartilhar" no comentário falacioso estavam realmente interessadas no bem do país e não apenas em fazer uma gracinha frente a seus amigos.

sábado, novembro 26, 2011

Diretor da Aneel lamenta falta de hidrelétricas no leilão A-5

Edvaldo Santana, diretor da ANEEL, comenta: "Não sei se vai se sustentar por muito tempo essa expansão com eólica, eólica, eólica". Mais detalhes em http://bit.ly/tHjdQY.

Uma opinião embasada que mostra o outro lado da gota d'água.

segunda-feira, novembro 21, 2011

Belo Monte e outras questões complicadas

Na semana que passou o movimento Gota D'água publicou um vídeo, encenado por atores conhecidos, criticando a construção da UHE Belo Monte, a entrar em operação em 2015, no Rio Xingu (Pará). A capacidade instalada da usina, 11.233 MW, fará dela a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, quando classificadas pela capacidade. Contudo, restrições ambientais farão com que a usina funcione a fio d'água, com capacidade reduzida de armazenamento, gerando 4.571 MW médios, o que corresponde a um fator de capacidade de 40,7%. Para fins de comparação, o fator de capacidade médio das hidrelétricas brasileiras é 55%. A média mundial é menor do que isso, talvez chegando a 45%. Isso ocorre porque o Brasil é um dos poucos países de fato hidrotérmicos, que baseia mais de 90% de sua produção energética em usinas hidrelétricas e usa as termelétricas como complementação. Outros países detêm pouca capacidade hidrelétrica, usando-a em períodos críticos e optando pelas termelétricas ou nucleares como fonte energética principal. Por exemplo, a famosa Barragem Hoover, de 2.080 MW, localizada no Rio Colorado, na fronteira entre os estados norte-americanos de Arizona e Nevada, tem fator de capacidade de 23%.

Um dos argumentos dos ambientalistas que se opõem à construção de Belo Monte é o tamanho do reservatório da usina, que terá 516 km². Tal número, que resultou da revisão do projeto (a área anterior era de 1.225 km²), equivale à área de um quadrado de 22,7 km de lado e deve ser colocado em perspectiva. Primeiramente, a área conjunta dos reservatórios das duas usinas do Complexo Rio Madeira, por exemplo, já em construção em Rondônia, é semelhante à de Belo Monte: o reservatório da UHE Jirau tem 258 km² e o reservatório da UHE Santo Antônio tem 271 km². Juntos, ambos somam 529 km². Por outro lado, a área do reservatório da UHE Tucuruí, em operação no Pará desde 1984, é de impressionantes 2.850 km². Em outras palavras, as usinas amazônicas mais recentes fazem uso mais eficiente de seus reservatórios, pelo menos em termos de sustentabilidade ecológica, em comparação à quase balzaquiana Tucuruí. Este fato fica evidente a partir da análise da densidade de energia, conforme a tabela abaixo, que mostra os dados de algumas hidrelétricas amazônicas (clique sobre a tabela para ampliá-la).


Em segundo lugar, podemos comparar o reservatório de Belo Monte ao desmatamento na região amazônica. Uma das várias estatísticas disponíveis indica um desmatamento mensal de 110 km², somente no estado do Pará [3]. Em um mundo ideal, nem desmatamentos nem alagamentos existiriam e ainda haveria comida e energia para todos. Todavia, ao construirmos em nossas mentes um mundo ideal e depois compará-lo aos fatos reais, incorremos em um argumento conhecido como falácia do Nirvana, que denota nossa tendência de buscar soluções ideais para problemas reais. No mundo real, contudo, devemos buscar alternativas concretas para o ideal. E, se for possível escolher, é certamente muito melhor construir usinas hidrelétricas, que operarão por 30 anos ou mais e ajudarão no crescimento do Brasil, do que queimar 1.320 km² anuais em florestas (duas vezes e meia Belo Monte) e substituí-las pelas pobres pastagens que podem crescer no solo amazônico ou, pior ainda, substituí-las por uma grande desolação. Ainda assim, caso decidamos não construir Belo Monte (o que será muito difícil, pois o leilão já foi realizado e efetivado), algum substituto real, não utópico, não nirvânico, deverá ser encontrado.

Uma opção interessante são as usinas eólicas, que estão se tornando cada vez mais competitivas. Entretanto, além de terem baixos fatores de capacidade (40% a 45%, no máximo), é bem conhecido que o vento não pode ser armazenado. Por causa disso estima-se que a capacidade das eólicas não deva ultrapassar 20% da capacidade instalada total de um sistema interligado. No nosso caso, esse limite corresponderia atualmente a 23.250MW, pouco mais de duas vezes Belo Monte (que, coincidentemente, terá o fator de capacidade de uma eólica de fator elevado). Considerando que temos 1.260 MW de capacidade eólica em operação, que outros 4.113 MW foram outorgados entre 1998 e 2010 e que 6.052 MW foram habilitados no leilão A-3/2011, talvez não demore muito para atingirmos tal limite. Depois disso, contaremos apenas com a expansão eólica na margem de crescimento.

Outra opção é a construção de usinas solares, mas estas são ainda muito caras, a ponto de a Espanha já estar optando por uma pausa nos investimentos solares [4]. Temos também as termelétricas a gás natural, com 11.424 MW em operação, 1.818 MW outorgados, mas apenas 13,16 MW em construção [1]. Pode parecer estranho, mas temos mais capacidade termelétrica a óleo combustível, óleo diesel e carvão mineral em construção (351 MW, 1.700 MW e 1.440 MW, respectivamente) do que a gás natural [1], o combustível menos poluente e mais fácil de transportar dentre todos . Mesmo assim, os movimentos ambientalistas contra usinas a carvão, a óleo e a diesel são poucos e pouquíssimo representativos quando comparados aos movimentos contra Belo Monte.

As usinas nucleares são uma opção interessante, mas tornaram-se mais caras e problemáticas depois de Fukushima e certamente enfrentarão oposição das mesmas ONGs que se opõem a Belo Monte e de muitas mais. E, finalmente, temos a opção da eficiência energética, que certamente deve ser buscada por uma simples questão de redução de custos e de desperdícios. Contudo, esperar que um país detentor de um discretíssimo consumo anual de 2,14 MWh per capita, como é o caso do Brasil, que ocupa o 64° lugar nesse requisito, encontre sua solução energética na busca por consumos mais eficientes é, mais uma vez, parte de uma utopia. A solução real será, como sempre, uma composição de todas as soluções disponíveis, inclusive das hidrelétricas de todos os portes. E deixemos a questão do desmatamento para algum especialista na área, talvez algum ator famoso.

[1] ANEEL. Banco de Informações de Geração - BIG. Disponível em: http://bit.ly/vJO0L9.
[2] ANEEL. Perguntas e respostas sobre Belo Monte. Disponível em: http://bit.ly/rBuysl.
[3] EXAME.COM. Pará lidera desmatamento na Amazônia, 1 de ago. 2010. Disponível em: http://bit.ly/sTe9EL.
[4] JORNAL DA ENERGIA. Setor elétrico espanhol pede pausa nos investimentos em energia solar, 18 de nov. 2011. Disponível em: http://bit.ly/v0VWbo.

segunda-feira, novembro 07, 2011

A questão do vencimento das concessões do Setor Elétrico

Na última quinta-feira, 3 de novembro, o ministro Edison Lobão, do Ministério de Minas e Energia (MME), teria informado aos presidentes de dez associações setoriais que a presidente Dilma pretende apresentar sua posição sobre a questão do vencimento das concessões do Setor Elétrico em um prazo de 30 dias. Tal decisão é importante para que seja tomado o próximo passo, que pode ser a prorrogação das concessões, a relicitação das mesmas ou até mesmo uma "solução híbrida" sugerida por alguns (relicitação em alguns casos, prorrogação em outros). Contudo, na data de hoje o MME publicou em seu site uma nota negando a informação e afirmando que não há posição definida sobre o assunto.

Essa questão vem sendo intensamente debatida há algum tempo e atinge maciçamente o Setor Elétrico, da geração à distribuição, passando pela transmissão. A maior parte das concessões problemáticas expira em 2015. Neste ano vencerão as concessões de geração de 13 empresas brasileiras, totalizando 18% da garantia física do país, quando medida em MW médios. Da mesma forma, vencerão as concessões de transmissão de 9 empresas de transmissão, as quais correspondem a 80% dos 95 mil km de linhas de transmissão do sistema nacional. Finalmente, 38 distribuidoras terão suas concessões expiradas, correspondendo a 35% do mercado regulado.

Do ponto de vista estritamente legal, o problema já estaria resolvido desde 1988, pois a Constituição da República prevê que, ao final de uma concessão, esta deve ser relicitada. No caso atual, todavia, sem contar os problemas decorrentes da organização de mega leilões de tantas concessões (aos quais o governo já deve estar acostumado, por causa dos constantes leilões de contratação de energia no Ambiente Regulado), haveria, por um lado, a dúvida sobre a existência ou não de agentes interessados na aquisição das concessões, particularmente neste período problemático para a economia internacional. Por outro lado, haveria também a necessidade de se levantar recursos para a compensação dos ativos ainda não amortizados. Novamente, a situação econômica atual dificultaria tal levantamento de recursos.

Por causa deste e de outros problemas, tudo indica que a presidente Dilma se manifestará favorável à prorrogação das concessões, não à relicitação. De acordo com uma fonte próxima à presidente, ela não gostaria de entrar para a história como a presidente que "acabou de vender o setor elétrico"[1]. Segundo Dilma, a relicitação teria ares das privatizações realizadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, as quais foram severamente criticadas pelo PT na época.

A possível posição da presidente Dilma é respaldada pelo relatório de um grupo de trabalho criado para tratar o assunto, que mostra que uma das vantagens da prorrogação seria a redução de preços para o consumidor. Tal redução ocorreria porque a prorrogação seria do tipo onerosa, com os contratos atuais prorrogados, mas com preços reduzidos, pois muitos dos investimentos já foram amortizados. Contudo, a redução de preços também poderia ocorrer com a relicitação das concessões, pois os vencedores das licitações poderiam oferecer preços mais baixos do que aqueles do início das concessões, mesmo considerando todas as amortizações desde então.

Uma pergunta que inevitavelmente surge é: por que a decisão não foi tomada antes? Afinal, este problema poderia ter sido resolvido ainda no governo do presidente Lula, pois é conhecido há muito tempo. Uma possível resposta é que o governo teria optado também há muito tempo pela prorrogação e tem passado o tempo em busca de argumentos técnicos que a justifiquem. De fato, a prorrogação necessitará de um parecer jurídico detalhado, o qual deverá ficar pronto em 2012, para que todas as providências possam ser tomadas.

Todavia, a mera prorrogação poderá não ser tão simples quanto possa parecer. Todo o modelo atual do Setor Elétrico, que tem se mostrado razoavelmente eficiente na atração de investidores, é baseado em concessões de 30 anos. Todas as concessões outorgadas desde a reforma do Setor Elétrico, no final dos anos 90, têm seguido esse modelo e os concessionários detentores das concessões atuais, que se encontram longe de vencer, poderão se sentir prejudicados, vindo a exigir prorrogações para eles também. Além disso, a prorrogação automática das concessões poderá causar insegurança jurídica, por causa da mudança na Constituição. A FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), por exemplo, havia anunciado em julho passado que iria entrar com uma representação no TCU (Tribunal de Contas da União) contra a prorrogação automática das concessões, por causa de tal insegurança jurídica [2].

Cabe também lembrar que não estamos falando aqui de concessões vencendo após somente 30 anos, pois as empresas com concessões a vencer em 2015 exploram o serviço em média há 56 anos. Uma vez modificado o dispositivo constitucional que atualmente prevê a relicitação das concessões, as mesmas seriam prorrogadas por mais 30 anos. Caso isso aconteça, o que nos garante que tais concessões não poderão ser periodicamente prorrogadas até o final dos tempos, transformando empresas prestadoras de serviços públicos em verdadeiros "usucapiões" do Setor Elétrico?

[1] EXAME.com. Dilma quer renovar concessões do setor elétrico, 17 de julho de 2011. http://bit.ly/ncZmYv
[2] FOLHA.com. Fiesp é contra renovação automática de concessões no setor elétrico, 12 de julho de 2011. http://bit.ly/sZUKtK

terça-feira, outubro 25, 2011

UTFPR no Jornal Hoje

A geração de energia por meio do esforço humano foi objeto de reportagem do Jornal Hoje de ontem, 24/10/11. O minuto final da reportagem abordou uma bicicleta montada pelo prof. Ednilson Maciel, do DAELT. A bicicleta, que permanece estática, foi exibida na ExpoUT 2011, realizada na semana passada, e pode ser usada para gerar energia por meio do esforço humano, produzindo até uns 100 W.

Embora o tom da reportagem seja excessivamente otimista, a bicicleta do prof. Maciel é um excelente recurso didático. De fato, quem pedalou nela sabe o grande esforço necessário para produzir 100 W durante alguns segundos!

Link para a reportagem:
http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2011/10/tecnologia-usa-biciletas-e-pistas-de-danca-para-produzir-energia-eletrica.html

Ampliação do Livre Mercado de Energia

Um dos aspectos mais curiosos do livre mercado de energia brasileiro, oficialmente conhecido como Ambiente de Contratação Livre (ACL), é que nem todos os consumidores são qualificados para se tornarem livres. Consumidores conectados antes de 8/7/1995 podem se tornar livres, desde que tenham demanda instalada igual ou superior a 3 MW e tensão de conexão igual ou superior a 69 kV. Se tiverem sido conectados após 8/7/1995, o único requisito passa a ser a demanda igual ou superior a 3 MW. Estes consumidores são livres para contratar qualquer tipo de energia, seja ela proveniente de usinas de grande porte (com capacidade instalada acima de 30 MW, denominada energia convencional) ou de usinas de pequeno porte (capacidade instalada abaixo de 30 MW, denominada energia especial). Caso o consumidor tenha demanda instalada igual ou superior a 500 kW, conectado em qualquer tensão, a migração somente pode ser feita como consumidor especial, com energia contratada junto a fontes incentivadas (PCHs, usinas de biomassa, eólicas ou solares, todas com capacidade instalada igual ou inferior a 30 MW). As fontes incentivadas têm direito a um desconto mínimo de 50% sobre a parcela "fio" da TUSD, repassando tal direito aos consumidores por elas atendidos.

Os consumidores livres e produtores independentes de energia foram criados em 8/7/1995, por meio da Lei 9.074/95. Depois disso as únicas mudanças nos critérios de elegibilidade para migração ao mercado livre ocorreram em 8/7/2000, quando o requisito de demanda, anteriormente fixado em 10 MW, foi reduzido para 3 MW, e em 26/2/2002, quando os consumidores especiais foram criados [1]. Para fins de comparação, em vários países que instituíram seus mercados livres, inclusive países da América Latina, os limites de migração são atualmente inferiores aos brasileiros, mesmo considerando-se os consumidores especiais. Alguns exemplos são: Argentina (30 kW); Colômbia, Guatemala, Paraguai (100 kW); Uruguai (250 kW).

Um dos motivos da paralisação na evolução dos critérios de elegibilidade para o mercado livre foi a eleição de um novo governo federal em 2003, com visão comercial diferente daquela do governo que criou o mercado livre. O modelo anterior do Setor Elétrico, implantado a partir de 1998, havia enfrentado dificuldades para entrar em funcionamento e recebeu, incorretamente, parte da culpa pela crise energética de 2001/2002. Na ânsia por evitar novas crises, o novo governo reestruturou o antigo Mercado Atacadista de Energia (MAE), criando o ACL e o ACR (Ambiente de Contratação Regulada) e as novas regras de contratação de energia. Passados tantos anos, entretanto, o mercado livre já provou sua grande força e muitos agentes acreditam estar na hora de estudar mudanças nos critérios de elegibilidade. Além disso, todos os consumidores de grande porte que poderiam migrar já o fizeram, o que significa que o mercado de energia convencional encontra-se estagnado há algum tempo.

Uma mudança poderá advir com a aprovação de duas emendas à Medida Provisória 540, cujo relator é o deputado Renato Molling (PP-RS). A primeira emenda diz respeito à venda de excedentes pelos consumidores livres, enquanto a segunda determina datas para a ampliação do mercado livre. A partir de 1° de janeiro de 2012 todos os consumidores com demanda igual ou superior a 3 MW, conectados em qualquer tensão, estariam qualificados a migrar para o ACL. Em 1º de janeiro de 2014 o limite seria reduzido para 2 MW [2].

O pleito para ampliação do limite de elegibilidade do mercado livre é antigo. Por exemplo, o Projeto de Lei 402/2009, cujo relator é o senador Delcídio Amaral (PT-MT), estabelece uma flexibilização progressiva, até chegar-se a 1 MW, e elimina o limite mínimo de tensão. Tal projeto ainda se encontra na relatoria e não foi tomada uma decisão sobre ele.

Um problema que surgirá com um novo critério de elegibilidade será o impacto no mercado de energia incentivada. De fato, consumidores com demanda acima de 500 kW já podem se tornar livres, desde que supridos por fontes incentivadas. Com a mudança, consumidores com demanda acima de 1 MW (supondo o pleito do PL 402) poderão contratar energia convencional, mais abundante do que a incentivada. Contudo, um estudo da Andrade&Canellas, contratado pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), concluiu que não haverá competição entre fontes convencionais e incentivadas em 88% da nova faixa aberta aos consumidores livres (1 MW a 3 MW, novamente supondo o pleito do PL 402), por causa do desconto na TUSD obtido quando a energia contratada é incentivada. Para amenizar ainda mais o impacto, outra medida que vem sendo defendida pela Abraceel é a redução do limite de elegibilidade dos consumidores especiais para 300 kW.

Sejam quais forem as mudanças que o mercado livre possa sofrer em um futuro próximo, estas dirão respeito somente ao Grupo A (Alta Tensão), que inclui, grosso modo, os consumidores com demanda acima de 300 kW. O Grupo B, dos consumidores de Baixa Tensão, que inclui os consumidores residenciais, deverá continuar por um bom tempo sendo atendido pelo ACR, monopólio das distribuidoras de energia. Esperemos que um dia os consumidores residenciais possam também migrar para o mercado livre, vindo a obter menores preços e maiores flexibilidades contratuais.

[1] FLOREZI, Guilherme. Consumidores livres de energia elétrica: uma visão prática, 2009, Dissertação de Mestrado, USP. Disponível em: http://bit.ly/ouASiX.
[2] JORNAL DA ENERGIA. MP 540 traz mecanismos para ampliar o mercado livre de energia, 13 de out. 2011. Disponível em: http://bit.ly/pGFdI1.

sexta-feira, outubro 21, 2011

A produção das fontes renováveis e a “maldição do otimizador”

A produção de energia elétrica no Brasil é garantida por uma multiplicidade de usinas, as quais podem ser divididas, grosso modo, em hidrelétricas, termelétricas (carvão, gás, diesel e óleo combustível), nucleares (Angra I e II) e renováveis. Estas últimas incluem centenas de pequenas usinas, tais como hidrelétricas de pequena potência (CGHs - Centrais Geradoras Hidrelétricas, com capacidade menor ou igual a 1 MW, e PCHs  - Pequenas Centrais Hidrelétricas, com capacidade entre 1 MW e 30 MW) e ainda usinas de cogeração qualificada, a biomassa e eólicas.

Uma diferença fundamental entre as usinas de grande potência, com capacidade igual ou acima de 50 MW, e as pequenas usinas, com capacidade abaixo de 50 MW, dentre as quais se encontram as renováveis, é que as usinas de grande potência são "despachadas" pelo ONS, enquanto as pequenas não o são. Em outras palavras, por razões de otimização da geração global, é o ONS quem determina quando irão gerar e quanta energia irão produzir as usinas de grande porte. As usinas de pequeno porte, por outro lado, entram em operação sempre que estiverem disponíveis, tanto do ponto de vista operacional quanto do ponto de vista da disponibilidade de água, combustível ou vento, de acordo com suas respectivas fontes primárias de energia. Isso poderia nos levar à conclusão, em uma análise grosseira, que, livre das restrições do ONS, a geração das pequenas usinas seria sempre próxima ou superior à prevista. Todavia, não foi isso que aconteceu em 2010.

Como apontado pela PSR [1], a produção de energia das fontes renováveis em 2010 foi de 2.760 MW médios, contra os 4.360 MW médios previstos, uma diferença de 37%. Antes que se diga que não devemos nos preocupar com tal redução, por se tratar "apenas de pequenas usinas", devemos nos lembrar que essa diferença (1.600 MW médios) corresponde à garantia física de uma hidrelétrica com capacidade instalada de 2.909 MW, se considerarmos um fator de capacidade de 55%. Para fins de comparação, trata-se de uma capacidade 73,6% superior à da UHE Governador Bento Munhoz da Rocha Neto ("Foz do Areia"), a maior usina do rio Iguaçu.

Mesmo não excluindo as possibilidades de superestimação intencional das garantias físicas das usinas renováveis ou de que 2010 tenha sido um ano excepcionalmente "azarado" em termos de vazões e ventos, a PSR aproveita para nos lembrar de uma terceira explicação possível para a redução da geração: a "maldição do otimizador", fenômeno previsto por Smith e Winkler em 2006, em um célebre artigo sobre análise decisória [2].

A construção de usinas, especialmente no caso de pequenas usinas, é essencialmente um problema de seleção de projetos: uma equipe de técnicos elabora estudos detalhados das várias usinas possíveis de serem construídas pela empresa e as elenca de acordo com algum critério de rentabilidade. A seguir, de acordo com a estratégia adotada pela empresa, uma equipe executiva decide quais usinas serão enviadas para os leilões do ACR ou construídas para suprimento de consumidores livres no ACL. Os executivos são geralmente mais avessos ao risco do que os técnicos  e tendem a analisar os projetos de forma mais cética e isenta. Sendo assim, seria razoável supor que, na média, algumas usinas apresentariam desempenho maior do que o previsto e que outras apresentariam desempenho menor.

Contudo, isso não acontece e, de fato, o resultado será usualmente menor do que o esperado, mesmo que os decisores (os quais, em última análise, incluem também a EPE e a ANEEL) atuem de maneira isenta. Esta é a "maldição do otimizador". A explicação para este fenômeno pode parecer um pouco complicada, mas não muito.

Considere um problema decisório no qual existem n alternativas, cada uma com valor esperado nulo. Suponha também que o erro de cada estimativa do valor esperado tenha média nula e desvio padrão unitário. Isso significaria que, na prática, o desapontamento médio em relação aos projetos seria 50%, pois metade dos projetos teria desempenho negativo. Contudo, como os decisores tendem a selecionar alternativas com maior valor esperado, haverá um favorecimento das estimativas mais otimistas e, quando o número n de alternativas selecionadas aumentar, aumentará também a probabilidade de que alternativas cada vez mais otimistas sejam selecionadas. Tal seleção, por outro lado, tenderá a aumentar o desapontamento médio em relação aos projetos. Em resumo, o problema de se construir uma única usina que gere 900 MW médios é bastante diferente, e não só do ponto de vista da engenharia, do problema de se construir 60 usinas, cada uma gerando 15 MW médios.

Considerando que o desapontamento ocorre por causa do processo de decisão em si, e não por causa de uma predisposição ou falta de isenção dos decisores, a cura para a "maldição do otimizador" reside em mudar o processo de decisão. A PSR sugere, por exemplo, que a certificação de vazões e ventos seja realizada por uma agência independente, e não pelos próprios agentes ou por auditores contratados por eles. Além disso, devemos aprender a gerenciar melhor os desapontamentos, de preferência de forma não punitiva. O que não pode ocorrer é abandonarmos o investimento em fontes renováveis por causa de desapontamentos decorrentes delas.

[1] PSR, Por que a produção das renováveis está abaixo do esperado? Market Report, Ed. 55, julho de 2011. Disponível em http://bit.ly/nqBbu6 (só para assinantes).
[2] SMITH, James E, WINKLER, Robert L. The optimizer's curse: skepticism and postdecision surprise in decision analysis,
Management Science, v. 52, n. 3, March 2006, p. 311-322.

quarta-feira, outubro 19, 2011

Slides da palestra

Os slides da palestra "A Ciência de Jornada nas Estrelas" estão disponíveis em http://www.slideshare.net/alvaug/star-trek-utfpr20112pub .

terça-feira, outubro 18, 2011

Palestra "A Ciência de Jornada nas Estrelas" - mudança de local.

Atenção: a palestra "A Ciência de Jornada nas Estrelas" foi transferida para o AUDITÓRIO (local onde são realizadas as formaturas). Mesmo horário (19h30), mesmo endereço (Av. Sete de Setembro, 3165, Curitiba).

segunda-feira, outubro 10, 2011

Palestra: "A Ciência de Jornada nas Estrelas"

No próximo dia 18 de outubro irei apresentar a palestra "A Ciência de Jornada nas Estrelas". O evento faz parte do programa de palestras do Departamento Acadêmico de Eletrotécnica (DAELT) da UTFPR.

Horário: 19h30 às 21h00.

Local: AUDITÓRIO do campus Curitiba da UTFPR (Av. Sete de Setembro, 3165) (local onde são realizadas as formaturas).

Programa resumido:

1. Guerras e jornadas: não confunda!
2. Espaçonaves mais velozes do que a luz.
3. Teletransporte e Heisenberg.
4. Gravidade artificial e antigravidade.
5. Evolução nas estrelas.
6. Androides e emoções.

A entrada é gratuita. Vale como Atividade Complementar para alunos da UTFPR.

terça-feira, outubro 04, 2011

No dia de Francisco de Assis é oportuno lembrar Kundera

"Nada nos garante que Deus desejasse realmente que o homem reinasse sobre todas as criaturas. É mais provável que o homem tenha inventado Deus para santificar o poder que usurpou da vaca e do cavalo. O direito de matar uma vaca ou um veado é a única coisa sobre a qual a humanidade inteira manifesta acordo unânime, mesmo durante as guerras mais sangrentas."

Milan Kundera, "A Insustentável Leveza do Ser", 1985, Nova Fronteira.

segunda-feira, setembro 26, 2011

Tarifas de energia elétrica e revisão da estrutura tarifária

A atual estrutura tarifária do Setor Elétrico Brasileiro foi desenvolvida na década de 80 e implantada no início da década de 90. De maneira geral, as revisões posteriores concentraram-se apenas nos valores das tarifas, não na estrutura tarifária. Contudo, não só o Setor Elétrico evoluiu desde a década de 90, mas também a tecnologia, o que permite pensar em uma estrutura tarifária mais adequada aos tempos atuais e que possa ajudar a resolver alguns problemas da estrutura vigente.

Um desses problemas é a inexistência de sinais tarifários passados aos consumidores de baixa tensão, o chamado Grupo B, especialmente no caso dos consumidores residenciais. Consumidores de alta tensão contratantes da Tarifa Azul, por exemplo, pertencentes ao Grupo A, pagam diferentes tarifas de uso (também conhecidas como tarifas "fio", em R$/kW) conforme o consumo ocorra dentro ou fora do horário de ponta. Além disso, as tarifas de energia da modalidade Azul (em R$/MWh) variam conforme o período do ano, sendo maiores no período seco (de maio a novembro) e menores no período úmido (de dezembro a abril). Ao Grupo A pertencem consumidores industriais e comerciais de grande porte, por exemplo, que podem ajustar seus consumos de maneira mais eficiente, tendo em vista os sinais tarifários desse sistema horossazonal.

Além da modalidade Azul, existem no Grupo A as modalidades Verde e Convencional Binômia (somente para consumidores abaixo de 44 kV). Na modalidade Verde existe apenas uma tarifa fio, independente do consumo ocorrer dentro ou fora de ponta. Em compensação, a tarifa de energia na ponta é muito maior do que a respectiva tarifa na modalidade Azul. A modalidade Verde é adequada a consumidores que possam se desligar da rede no horário de ponta ou que disponham de geradores que possam suprir a energia nesse horário. Já na modalidade Convencional Binômia existem apenas duas tarifas: fio (em R$/kW) e de energia (em R$/MWh), independente do horário do dia ou do período do ano em que ocorrer o consumo. Consumidores residenciais, por outro lado, dispõem apenas de uma modalidade Convencional Monômia, na qual pagam uma única tarifa, em R$/MWh, sendo totalmente indiferentes à curva de carga da distribuidora ou ao período do ano.

No final de 2010 a ANEEL instituiu a Audiência Pública 120/2010 [1], cuja proposta é finalmente rever a estrutura tarifária do Setor Elétrico. Uma das principais alterações previstas pela AP 120/2010 é a extinção dos períodos seco e úmido e a substituição destes pelas bandeiras tarifárias. Existirão três bandeiras, Verde, Amarela e Vermelha, conforme indiquem as condições operacionais do sistema. Um grande problema do mercado cativo é a grande inércia de repasse das variações do Encargo do Serviço do Sistema (ESS) aos consumidores. No início de 2008, por exemplo, O CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) autorizou o despacho de usinas térmicas fora da ordem de mérito, resultando em um ESS da ordem de R$ 2,3 bilhões para o Sudeste naquele ano (ESS_SE). Tal encargo foi pago mensalmente pelas distribuidoras e consumidores livres, conforme o despacho térmico ia ocorrendo, mas só foi percebido pelos consumidores cativos a partir do reajuste tarifário seguinte. A criação das bandeiras tarifárias visa reduzir tal inércia a um ou dois meses.

A bandeira Verde sinalizará tarifas normais, nas quais as usinas térmicas não estão sendo despachadas fora da ordem de mérito e o ESS_SE é nulo ou se mantém em níveis reduzidos. Já a bandeira Amarela indicará um despacho fora da ordem de mérito um pouco maior. A ANEEL estima incrementos tarifários de R$ 15/MWh para a bandeira Amarela. A bandeira Vermelha será aplicada quando o ESS_SE subir ainda mais e os incrementos tarifários nesse caso são estimados pela ANEEL em R$ 30/MWh. A decisão de qual bandeira usar não caberá às distribuidoras e será mensal, comunicada aos consumidores com um mês de antecedência. Outra modificação atingirá os consumidores livres e especiais. Tais consumidores pagam hoje uma tarifa fio semelhante em estrutura (mas não em valor) àquela da modalidade cativa Azul, mas passarão a dispor de uma modalidade Verde, desde que pertençam aos subgrupos A4 ou AS (o subgrupo A4, em particular, será redefinido, englobando o atual subgrupo A3a).

Para o Grupo B, ao qual pertencem os consumidores residenciais, será criada a modalidade Branca, dividida em três postos horários: ponta, intermediária e fora de ponta, válidos somente de segunda a sexta-feira (sábados, domingos e feriados serão considerados integralmente como fora de ponta). Os horários de cada posto serão definidos pelas distribuidoras. O consumidor poderá decidir se desejará migrar para a modalidade Branca ou permanecer na Convencional Monômia, na qual existirá, como hoje, apenas um posto tarifário. A adoção da modalidade Branca implicará na necessidade de se instalar medidores eletrônicos de energia, mais precisos do que os medidores eletromecânicos encontrados atualmente na maioria das residências brasileiras.

De acordo com notícias recentes [2], a ANEEL pretende implantar a nova estrutura tarifária em 2012, sob a forma de teste. Seria uma espécie de "Ano Educativo", segundo a ANEEL, com as bandeiras publicadas apenas como simulação e não de fato. Em 2013 a nova estrutura deverá ser implantada definitivamente em todas as distribuidoras. Vamos esperar que a reestruturação tarifária pretendida resulte em maior eficiência para as distribuidoras e em custos que reflitam o consumo real dos consumidores, sejam eles livres ou cativos.

[1] ANEEL, Resultados da Audiência 120/2010. Disponível em http://bit.ly/o95dt8 .
[2] JORNAL DA ENERGIA. Aneel prevê aplicar bandeira tarifária em 2012; preço da energia pode variar a cada mês, 21 de setembro de 2011. Disponível em http://bit.ly/qiDcP2.

segunda-feira, setembro 12, 2011

Energia solar

Geração de energia solar é um desses temas que sempre esteve na cartilha de projetos dos Engenheiros, mas que demorou a atingir o estágio de viabilidade comercial. Não estamos falando aqui de uns poucos quilowatts, produzidos por placas fotovoltaicas instaladas no teto de residências, ou de energia solar usada para aquecimento residencial de água, mesmo que no caso de grandes prédios ou condomínios, mas sim de vários megawatts, destinados à interligação com a rede elétrica e submetidos a um contrato comercial de compra e venda. Sendo assim, baixos custos e rendimentos razoáveis são essenciais.

A primeira usina solar comercial, a SEGS (Solar Energy Generating System), de 310 MW, foi comissionada entre 1984 e 1990 e produz energia para a Southern California Edison, a distribuidora de energia do sul da Califórnia. A tecnologia empregada pela SEGS, ainda a maior usina solar em operação comercial, é a de concentração dos raios do Sol por meio de espelhos parabólicos. Tubos são colocados nos pontos focais dos espelhos, dentro dos quais circula um fluido de transferência de calor (geralmente um óleo sintético). Dependendo do posicionamento dos espelhos, a temperatura do fluido pode atingir até 400°C [1]. A seguir, o fluido é usado para produzir vapor e acionar um gerador convencional. Trata-se, portanto, de uma usina termossolar, não fotovoltaica. O rendimento de tais usinas encontra-se entre 22% e 42%, dependendo da tecnologia empregada.

Apesar do sucesso da SEGS, a indústria termossolar demorou a experimentar o crescimento observado nos últimos anos. A Espanha, por exemplo, o país com maior capacidade solar instalada além dos EUA, colocou seu primeiro megawatt termossolar em operação somente em 2008 e a China ainda não tem usina termossolar alguma em operação. No momento a capacidade termossolar mundial instalada é de apenas 1.170 MW, com 49,7% nos EUA, 43,3% na Espanha e o restante divididos entre vários países. Contudo, outros 17.400 MW estão em construção ao redor do mundo, divididos principalmente em 49,8% para os EUA, 25,6% para a Espanha e 14,4% para a China [2].

A tecnologia fotovoltaica também tem evoluído e crescido bastante. Nesta tecnologia, usam-se placas de material semicondutor para a conversão direta de energia solar em energia elétrica. O rendimento médio das placas disponíveis no mercado encontra-se entre 12% e 18%, mas já se falam em placas com rendimento de 35% [3]. A capacidade fotovoltaica mundial instalada ao final de 2010 era de 40.000 MW, com 44% instalados na Alemanha, 10% na Espanha, 9% na Itália, 9% no Japão e apenas 6% nos EUA [4]. Entre 2005 e 2010, a tecnologia fotovoltaica experimentou um crescimento de 49%, contra 25% da tecnologia termossolar. Entretanto, em 2010 isoladamente a fotovoltaica cresceu 72%, contra 77% da termossolar, o que indica que a competição entre as duas tecnologias vem se acirrando.

No Brasil a situação é totalmente incipiente. De acordo com dados da ANEEL [5], o Brasil tem seis usinas fotovoltaicas em operação, correspondendo a uma potência outorgada de 5,1 MW e a uma potência fiscalizada de 1,1 MW. Nenhuma usina solar encontra-se em construção no Brasil, a despeito de nossa insolação apreciável. Apesar disso, a ANEEL recebeu, no último 6 de setembro, pedidos de outorga para três usinas fotovoltaicas, cada uma de 30 MW, duas delas localizadas no Estado do Tocantins e uma no Mato Grosso. Usinas termossolares também não demorarão a aparecer. Uma delas, que teria 50 MW e geraria energia solar durante o dia e funcionaria a biomassa durante a noite, teve sua participação vetada pela EPE no último leilão A-3. Todavia, a EPE já estuda liberar a participação de usinas solares nos próximos leilões e tem incentivado que usinas desse tipo continuem a se inscrever nos processos.

A situação brasileira é certamente muito diferente daquela de países como EUA, Alemanha e Espanha. A usina SEGS, por exemplo, pode funcionar também com gás natural até um limite de 27% e ainda continuar a ser considerada uma fonte de energia renovável, de acordo com a regulamentação norte-americana. No Brasil, construir uma usina desse tipo seria um tanto estranho: no Mercado Livre ela não teria direito aos 50% de desconto na TUSD e, no Mercado Regulado, provavelmente seria mais cara do que uma usina 100% a gás, dificilmente vindo a se classificar nos leilões. Ademais, nossa capacidade hidrelétrica ainda não foi totalmente explorada e, embora usinas hidrelétricas de grande porte não sejam nem totalmente renováveis, nem totalmente não poluentes, são certamente mais ecologicamente corretas e mais baratas do que as usinas a carvão ou a gás dos países mais desenvolvidos. Logo, é com as usinas hidrelétricas, e não com usinas a carvão ou a gás natural, que nossas possíveis usinas solares deverão competir, o que torna mais difícil, mas não impossível, a entrada do Sol no nosso mercado de energia.

[1] Solar Energy Generating Systems, http://bit.ly/oKDSBU.
[2] WANG, Ucilia. The rise of concentrating solar thermal power, 6/6/2011, http://bit.ly/qH2aXw.
[3] PHYSORG. Sharp develops solar cell with world's highest conversion efficiency of 35.8%, 22/10/2009, http://bit.ly/oEJYeZ.
[4] REN21. Renewables 2011: global status report, 2011, p. 22, http://bit.ly/rmEsZx.
[5] ANEEL. Banco de Informações da Geração, http://bit.ly/nUDxe0.

quarta-feira, agosto 31, 2011

Observações sobre os resultados do leilão A-3/2011 do ACR

O leilão de energia A-3, inicialmente previsto para julho, foi realizado no último 17 de agosto. Para realização do leilão a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) precisa analisar todos os projetos inscritos e os editais devem ser publicados com antecedência mínima de 30 dias. O atraso foi assim causado pela grande quantidade de projetos de geração inscritos (321), representando 14.083 MW de potência instalada habilitada, conforme a Tabela 1.

Os leilões A-3 e A-5 são realizados no Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e destinam-se ao suprimento de energia a consumidores cativos, por meio da contratação de fontes de energia com horizontes de entrega (início da operação) de três e cinco anos, respectivamente. Os contratos do ACR não são formalizados diretamente entre vendedores e consumidores, como acontece no ACL, mas sim entre vendedores (comercializadores, geradores, produtores independentes ou autoprodutores) e distribuidoras, que suprem os consumidores cativos por meio de tarifas reguladas pela ANEEL. Além dos leilões A-3 e A-5 (energia nova), há também leilões A-1 (energia existente), de reserva e de ajuste, cujos objetivos são aumentar a segurança energética do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Uma característica marcante do leilão A-3 recente foi a presença das usinas eólicas: 44 projetos contratados, somando 1.068 MW de potência instalada e garantia física ("energia assegurada") de 484 MW médios, a um preço médio de R$ 99,58/MWh. Nos leilões realizados em 2010, para fins de comparação, o preço médio das usinas eólicas havia ficado em R$ 133/MWh. Em julho, pouco antes do leilão, o presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) falava em preços de R$ 110/MWh [2]. Uma explicação aventada para a queda dos preços foi a redução da demanda por turbinas eólicas na Europa, o que teria causado acúmulo de equipamentos disponíveis para o Brasil e outros países. Alguns geradores falam que o setor está em uma fase de otimização de custos, enquanto fabricantes como a Wobben revelaram-se preocupados com a euforia causada por "preços irreais". Contudo, vale observar que 196 dentre os 240 projetos eólicos habilitados ao leilão, com maiores custos de geração e certamente menores fatores de capacidade, foram deixados de fora, talvez esperando uma valorização futura.

TABELA 1 - Resultado final do leilão A-3/2011
Fonte
Projetos
habilitados
Potência
instalada
habilitada
(MW)
Projetos
contratados
Potência
instalada
contratada (MW)
Preço médio
(R$/MWh)
Eólica
240
6.052
44
1.068
99,58
Gás Natural
10
4.388
2
1.029
103,26
Hidro (Jirau)
1
450
1
450
102,00
Biomassa
43
2.750
4
198
102,41
PCHs
27
443
0
0
TOTAL
321
14.083
51
2.745
102,07
FONTE: [1]

Um problema que todo participante de leilões de energia nova do ACR deve resolver é projetar o futuro com base em informações reduzidas sobre o presente. No presente caso, os geradores eólicos definiram ser viável fornecer energia durante 20 anos a preços próximos a R$ 100/MWh, bem como conseguir entrar em operação dentro de três anos. Caso algum atraso aconteça, a energia contratada deverá ser buscada no Mercado Livre (ACL), cujos preços se baseiam no PLD, sempre volátil e sujeito a surpresas. Para fins de comparação, as usinas contratadas no leilão A-3 de setembro de 2008 deveriam ter entrado em operação no início de janeiro de 2011. Contudo, somente 96 MW médios foram disponibilizados ao ACR no prazo. Os demais 980 MW médios, oriundos de usinas a gás natural e óleo combustível tinham, em janeiro, a previsão de atrasar a entrada em operação entre 6 e 23 meses, expondo-se ao ACL e causando distorções nos preços deste mercado [3]. Situação semelhante pode vir a ocorrer com as eólicas recentemente contratadas ou, ainda pior, estas podem se revelar inviáveis no futuro, quando a conjuntura mudar, mas não a estrutura já contratada. Sendo assim, talvez já esteja na hora de os geradores eólicos começarem a pensar no ACL, com sua estrutura de contratação mais flexível e possibilidade de obtenção de preços mais em conta.

[1] EPE, Informe à imprensa - Leilão de energia A-3/2011, 17 de agosto de 2011, http://bit.ly/ouoeWP  
[2] BRASELCO NOTÍCIAS, Abeeólica vê preço em queda, e diz que especialistas já falam em parques por R$110/MWh no leilão, 11 de julho de 2011, http://bit.ly/nMpPI9
[3] ABRACEEL NOTÍCIAS, Atraso em usinas do leilão A-3 de 2008 poderá causar impacto de 980 MW médios no mercado, http://bit.ly/qDBZ09

domingo, agosto 21, 2011

Cinco coisas que aprendemos com "Insensato Coração"

  1. No Rio é muito difícil prender um assassino psicótico, mas é muito fácil entrar na casa ou apartamento de qualquer um: basta apertar a campainha, pois nunca há portão, porteiro ou olho mágico.
  2. Embora abrir um Fundo de Investimentos em energias alternativas demore anos e necessite de profissionais com experiência e treinamento especializado, nas novelas isso não demora mais de alguns dias e pode ser feito por qualquer Zé Mané.
  3. O Brasil ainda não está pronto para ver um beijo gay em horário nobre, mas já está pronto para ver mulheres serem assassinadas pelos maridos, adolescentes embriagadas serem estupradas pelos namorados, grávidas serem covardemente atropeladas e, como muitos lembraram, gays serem assassinados a pontapés por pittboys ensandecidos.
  4. Se você for um autor de novelas e estiver sem ideias para por fim à trama, invente um mistério bobo qualquer à la Janete Clair. 
  5. A novela ficaria muito mais interessante se Léo fosse um vampiro, Marina uma fada e Raul um Istari.

sábado, agosto 20, 2011

Palestra: "A arte refinada de detectar tolices - um tributo a Carl Sagan"

Na próxima quinta-feira, 25 de agosto, irei apresentar a palestra "A arte refinada de detectar tolices - um tributo a Carl Sagan". O evento faz parte do programa de palestras do Departamento Acadêmico de Eletrotécnica (DAELT).

Horário: 19h30 às 21h.

Local: Miniauditório do campus Curitiba da UTFPR (Av. Sete de Setembro, 3165). Entrada gratuita.

Sinopse: Existe muita discussão atualmente, dentro e fora da internet, mas boa parte dela é de baixa qualidade. Felizmente, existe uma grande quantidade de ferramentas para se detectar quando um argumentador está “enrolando”. Algumas delas são:

1. Argumento de autoridade.
2. A evidência silenciosa.
3. Ataques pessoais.
4. Non sequitur.
5. Correlação versus causa e efeito.
6. Consequências adversas.
7. Apelo à ignorância.
8. Petição de princípio.
9. A navalha de Occam.
10. Espantalho.


O título da palestra é emprestado do 12º capítulo do livro de Carl Sagan, “The Demon-Haunted World: Science as a Candle in the Dark” (1995).

Para alunos da UTFPR, a palestra vale como atividade complementar.

quarta-feira, agosto 17, 2011

Da série “Filmes Que Vimos Ontem”: “Sociedade dos Poetas Mortos”

“Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) se passa em uma escola dos anos 50, a ficitícia Academia Welton, um internato dedicado a preparar os jovens da elite norte-americana para ingresso nas principais Universidades. Baseada em quatro pilares (tradição, honra, disciplina e excelência), a educação de Welton é rígida a um ponto impensável no Ocidente atual: os alunos usam uniformes (terno e gravata), devem se levantar quando o professor entra na sala, enfrentam aulas maçantes e tradicionais, são submetidos a castigos físicos e, em caso de indisciplina grave, são ameaçados com o maior de todos os castigos: a expulsão. Mas tudo é feito de uma forma tão refinada e elegante que os sobreviventes da tortura têm certeza de que foram de fato educados.

Então, chega a Welton o professor John Keating (Robin Williams), com a missão de ensinar poesia aos jovens. Em vez de seguir o programa oficial, Keating retira os alunos da sala, encoraja-os a viverem suas paixões, lembra-lhes do poema do romano Horácio (“Carpe diem”) e incita os mais ousados a chamá-lo de “Oh Captain! My Captain”, em referência a um poema de Walt Whitman (1819 – 1892), tradicionalmente tomado pelos americanos como uma homenagem a Abraham Lincoln.

Pouco depois, alguns alunos descobrem que Keating, um ex-aluno de Welton, havia participado de um clube literário chamado Sociedade dos Poetas Mortos. Após conversarem brevemente com o professor, sete alunos resolvem recriar a Sociedade: Todd Anderson (Ethan Hawke), Neil Perry (Robert Sean Leonard), Knox Overstreet (Josh Charles), Steven Meeks Jr. (Allelon Ruggiero), Charlie Dalton (Gale Hansen), Richard Cameron (Dylan Kussman) e Gerard Pitts (James Waterston). Todos esses sete atores continuaram suas carreiras no cinema e na televisão, mas apenas os três primeiros tornaram-se mais conhecidos do grande público.

Os conflitos não tardam a surgir. Afinal, aquilo que os alunos querem fazer raramente coincide com aquilo que as escolas querem que eles façam. E, no caso de Welton, conhecida como “Helton” entre os alunos, o que a escola quer é o que os pais querem. Os pais de Neil e de Todd, em particular, querem que os filhos se formem em Medicina e em Direito, respectivamente, de preferência em Harvard. O fato de Neil querer ser ator pouco importa para seu pai, vivido por um Kurtwood Smith sério e ameaçador. Quando Neil, incentivado pelo ambiente liberal criado por Keating, decide participar de uma peça de teatro, à revelia dos desejos de seu pai, este se sente traído e, furioso, decide enviá-lo para uma escola militar, de forma que ele possa se preparar mais adequadamente para Harvard. Neil , incapaz de atender simultaneamente os desejos seus e de seu pai, e certamente querendo feri-lo profundamente, suicida-se.

A reviravolta causada com a morte de Neil faz com que a diretoria da escola descubra a nova Sociedade dos Poetas Mortos, até então secreta, acarretando na demissão de Keating. A cena final, quando Keating se despede, é belíssima e emocionante, com os membros da Sociedade subindo em suas carteiras e dirigindo-se ao professor como “Oh Captain! My Captain”, enquando o diretor de Welton, acumulando o papel de professor temporário de poesia, tenta controlá-los, sem sucesso [1].

"Sociedade dos Poetas Mortos" é  um daqueles raros filmes a ter lançado um bordão, uma frase que passa a ser repetida por muitos, mesmo que fora do contexto original. Embora retirada diretamente das páginas da antiguidade, "Carpe diem", traduzida usualmente como "aproveite o dia", tornou-se famosa a ponto de ser considerada a 95ª frase mais popular da história do cinema [2]. Mesmo o poeta romano Horácio (65 aC – 8 aC), autor da frase, que confiava tão pouco no futuro, talvez viesse a ficar orgulhoso de tal sucesso, quase dois mil anos depois de sua morte. Em Português a frase não “pegou” tanto, mas talvez fosse diferente se o tradutor tivesse preferido algo como “curtam a vida” em vez do quase seco “aproveitem o dia”.

Embora tenha conquistado o Oscar de melhor roteiro original (Tom Schulman), bem como deixado claro que Robin Williams deveria ganhar o Oscar de melhor ator cedo ou tarde (o que aconteceu em 1997, com “Good Will Hunting”), o filme, visto em retrospecto, tem uma série de problemas. Em primeiro lugar, que academia tradicional é essa, que deixa um professor liberal como Keating lecionar? Não houve processo de seleção, ninguém lhe examinou o currículo, niguém deu uma olhada no seu “livro de formatura”, onde estava clara sua associação com a antiga Sociedade? Será que uma escola tão exigente teria confiado apenas em alguns dados esparsos sobre um professor, ex-aluno da instituição, graduado em Cambridge, com sete anos de experiência em uma escola londrina, para conferir-lhe uma cadeira? Duvidoso, mas é claro que, sem Keating em Welton, não haveria filme. Então, talvez sem saber como explicar o inexplicável, o roteirista simplesmente introduziu Keating sorrateiramente na escola, omitindo todo o processo de seleção prévio.

Um problema mais grave é o suicídio de Neil. Um menino que se mata ao primeiro sinal de dificuldade teria feito o mesmo quando da primeira desilusão amorosa, quando da primeira briga com um professor da Universidade, quando da primeira dificuldade profissional. Keating teve nada ou muito pouco a ver com isso. E, na verdade, Neil deixou de seguir os conselhos do próprio Keating: “façam de suas vidas experiências extraordinárias”. Nesse ponto, o roteirista não precisava ter ido tão longe. Bastaria ter feito Neil pegar carona em uma trupe de teatro ou tê-lo feito embarcar em um ônibus para Los Angeles, em busca do sonho de ser ator, deixando seu pai com seus sonhos harvardianos em casa. Ele certamente perderia a herança, mas seria melhor do que perder a vida.

Um grande problema do filme é, aparentemente, a frase que o tornou famoso. O verso completo do poema de Horácio é “carpe diem, quam minimum credula postero”, que pode ser mais apropriadamente traduzido como “colha o dia, confiando o mínimo possível no futuro”. Ora, levado a extremos, esse pensamento significaria a extinção da humanidade. Tudo bem, vamos curtir a vida, mas também devemos pagar as contas, planejar o futuro, trabalhar para o desenvolvimento humano. Contudo, algo me diz que alguém com John Keating não poderia levar Horácio de fato tão a sério. Afinal, o Keating do filme era um professor, e não há profissional que deposite maior dose de confiança no futuro.

[1] Oh Captain! My Captain! http://www.youtube.com/watch?v=s8UL_9R_W-Y
[2] AFI's 100 Years...100 Movie Quotes, http://bit.ly/qYHbnK