quinta-feira, junho 12, 2008

Leandro Vieira: Carta Aberta aos Estudantes de Administração

A partir deste post, Leandro Vieria, criador e editor do Portal Administradores, passa a ser considerado colaborador oficial do blog Rabiscos Aleatórios. As idéias dele sobre Administração, Educação e outros assuntos são sempre valiosas e tenho certeza de que todos irão gostar. Confiram abaixo algumas dicas do Leandro a estudantes de Administração, as quais serão úteis também a estudantes de Engenharia.
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Que tipo de administrador a sua instituição de ensino deseja que você se torne? Não se preocupe se não souber responder: a maior parte das faculdades brasileiras de Administração ainda não parou para pensar no assunto.

A coisa funciona mais ou menos da seguinte forma: cada instituição reúne um grupo bastante eclético de professores, cada qual com sua especialidade e com características bastante peculiares que o distingue dos demais. Dessa heterogeneidade e diversidade de pensamentos é que vem a riqueza de sua formação. Você aprende a extrair de cada mestre as melhores lições. O outro lado da moeda é que raramente existe algum consenso quanto ao perfil de administrador que a instituição deve formar, e aí quem sai perdendo é você.

Muitas instituições, ao contratarem seus docentes, apenas lhe entregam uma caderneta, um plano de ensino feito por outro professor, explicam os procedimentos burocráticos básicos (“você deve bater o ponto até cinco minutos antes de começar a aula, deve preencher o diário de classes com o conteúdo apresentado, deve colocar exatamente um pontinho no quadradinho referente ao dia, deve fazer três avaliações por semestre, blábláblá...”), e boa noite e boa sorte. Nenhum comentário sobre a missão da instituição, ou o que eles esperam do professor. A ausência de uma visão compartilhada acaba bagunçando todo o coreto. Os alunos ficam à mercê do perfil individual de cada professor. Às vezes, dão sorte de encontrar um professor pra frente, vocacionado, com aulas dinâmicas e ótimo conteúdo. Outras, dão o azar de topar com um profissional desmotivado, desatualizado e que não compreende a amplitude de seu papel como educador.

Falamos tanto em gestão do conhecimento, mas me responda uma coisa: o seu professor de Administração Financeira sabe o que você está vendo nas aulas de marketing?

Pois é... Parece que a comunicação não anda fluindo muito bem em boa parte dos cursos de Administração de nosso país. Ensina-se uma coisa, pratica-se outra. Mas podemos contornar esses problemas, e você pode exercer um papel importante nesse processo de mudança.

Talvez você não saiba o tipo de administrador que a sua instituição deseja que você se torne, mas VOCÊ, pelo menos, deve saber.

Primeira dica: não se restrinja, jamais, a fazer apenas ao que lhe é cobrado. É muito comum encontrarmos professores “light”, que não exigem o suficiente e são condescendentes com os alunos. A turma adora, não aprende nada e acaba passando com nota boa. Na verdade, desperdiçam uma ótima oportunidade para adquirir conhecimento e desenvolver competências. Administração, no geral, é um curso fácil, enquanto que administrar é extremamente complicado. Se você não aproveitar a faculdade para desenvolver realmente as habilidades que um administrador precisa ter, terá dificuldades para ingressar no mercado posteriormente ou dar respostas na organização que vier a trabalhar. Apresentar um trabalho em grupo, por exemplo, é uma oportunidade ímpar para aprimorar sua capacidade de comunicação, trabalhar em equipe, exercer liderança e de superar expectativas. Administradores são obrigados a fazer isso o tempo o todo.

Segundo: aproveite todas as oportunidades que a instituição oferece. A coisa não se restringe à sala de aula. Muitas instituições oferecem programas de iniciação científica e de monitoria, por exemplo. O aluno que participa dessas atividades aprende a pesquisar, escrever, fica mais inteligente e, acredite, isso conta pontos lá na frente, depois da faculdade.

Terceiro: participe de uma empresa júnior. Essa é a melhor forma de aprender na prática tudo aquilo que um administrador precisa saber. Acompanho de perto o trabalho de muitas empresas juniores e, devo admitir, muitas delas não deixam nada a desejar às empresas de consultoria profissionais. Normalmente, os participantes de uma empresa júnior têm carreiras brilhantes, pois já saem da faculdade com experiência, auto-confiança e com uma bela rede de contatos.

Quarto: leia bastante. Faça da leitura um hábito. É um erro pensar que apenas praticando é que se aprende. Essa é uma meia verdade. Você deve ter um excelente embasamento teórico e saber aplicá-lo na prática.

Quinto: corra, Lola, corra! Procure formas de se aprimorar sempre. Faça cursos de extensão, aproveite seus fins de semana para aprender algo novo, viaje e, por favor, não esqueça de aprender outros idiomas. Inglês é fundamental, mas saber outras línguas além dessa, com certeza, irá lhe abrir mais portas.

Sexto: seja legal. Já escutei algumas vezes em sala de aula algum aluno falar que ali são “todos concorrentes”, pois irão competir por um lugar ao sol mais na frente. Besteira. Sei que o mundo é extremamente competitivo, mas as pessoas cooperativas são muito mais queridas - e acabam levando vantagem sobre os individualistas e mesquinhos. Inclusive, algumas organizações, como o Google, já aplicam diversas técnicas em seus processos de seleção para identificar – e descartar – os malas de plantão.

Por fim, lidere movimentos de mudança em sua instituição. Não fique esperando melhorias do tipo top-down (de cima para baixo). Muitas instituições de ensino estão apenas enroscadas no catatau de processos burocráticos que criaram ao longo dos anos. Os paradigmas estão aí para serem quebrados. Lembre-se de que você é parte da instituição. No fim das contas, você, os seus professores, coordenadores e diretores, estão no mesmo barco. Qualquer um pode dar sua contribuição e deixar seu legado. Foi-se o tempo em que as melhores estratégias saíam apenas das cabeças do presidente ou dos membros iluminados do conselho. Muitas das grandes idéias que revolucionaram o mundo partiram de pessoas envolvidas diretamente com o processo. Se você consegue identificar falhas e – o mais importante – consegue enxergar soluções para os problemas identificados, você pode ser um importante agente de mudança. Todo mundo irá ganhar com isso, inclusive você.

Pronto para começar?

Rubem Alves e o vestibular

A revista Ler & Cia, da Livrarias Curitiba, publicou há algum tempo uma curta reportagem sobre as opiniões de Rubem Alves, onde esse grande educador discorre brevemente sobre o vestibular, que ele considera um “tumor maligno”. Para resolver o problema da injustiça promovida pelo vestibular, Alves sugere que as vagas nas universidades sejam ocupadas por meio de sorteio, não por meio de provas, como feito atualmente. “Continua sendo injusto”, diz ele, “mas menos do que o sistema atual, com provas injustas, cotas injustas e conteúdos injustos. Isso pelo menos retiraria a sombra que o vestibular cria em cima das escolas, que poderiam ensinar o que realmente importa.

Com todo respeito a Rubem Alves, tremo só de pensar no dia em que eu tiver que dar aulas a alunos que foram escolhidos por sorteio. Se esse “vestibular randômico” daria maior flexibilidade aos professores do ensino médio, certamente transformaria a vida dos professores universitários em um inferno. Em pouco tempo os alunos perceberiam que não vale à pena se preparar para o vestibular e passariam a ser admitidos sem os pré-requisitos necessários. Os professores dos primeiros semestres dos cursos universitários passariam então a dedicar um tempo enorme para preencher as lacunas na formação dos alunos, já enormes no sistema atual, e os professores dos semestres seguintes passariam a perder mais tempo ensinando aquilo que os professores dos primeiros semestres deveriam ter ensinado. O incentivo perverso criado com o “vestibular randômico” produziria uma grande bola de neve, que seria passada de um semestre a outro, aumentando a evasão escolar e reduzindo a qualidade do ensino universitário.

O vestibular não é um tumor. Ele é apenas um dos muitos desafios que os alunos deverão enfrentar ao longo de uma vida que viverão no mundo real, não no mundo dos contos de fadas. A alma do povo brasileiro se revolta tão freqüentemente contra o vestibular porque ele representa algo que vai contra o igualitarismo a todo custo sempre pregado nesse grande país ensolarado: a meritocracia. Se os ensinos fundamental e médio são tão ruins que não permitem que a maioria tenha mérito, então são esses níveis de ensino que devem ser melhorados. Mas não é com uma solução rósea e romântica que a melhoria virá. Afinal, como dizia Arthur C. Clarke, “não existe problema complicado que não tenha uma solução simples, atraente e... errada!”

terça-feira, junho 03, 2008

Administração: como vincular a teoria com a prática (e vice-versa)?

O editor do Portal Administradores, Leandro Vieira, realizou um bate-papo com o Prof. Walter Nique, da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e da Ecole Supérieure de Commerce de Troyes. Para o Prof. Nique, o ensino da Administração requer vivência anterior em organizações públicas ou privadas: “aqueles que entrarem em uma sala de aula com as mãos abanando em termos de experiência, serão ejetados rapidamente do sistema”, afirma.

Embora eu seja um engenheiro, não um administrador, decidi publicar a entrevista aqui, autorizado pelo Leandro, pois a mesma toca em assuntos que me interessam: educação, administração e conflitos entre a academia e o "mundo lá fora".

Administradores: Muitos alunos de Administração se queixam que o curso é muito teórico e carece de prática. O senhor concorda?

Prof. Nique: Sim, concordo plenamente. A prova disso é que minhas aulas estão estreitamente vinculadas à realidade. Penso que QUALQUER matéria ou disciplina - e mesmo as mais árduas como estatística, matemática, entre outras - podem e devem ser vinculadas à realidade. Lembro-me que, no início de minha vida acadêmica, lecionava a disciplina Pesquisa Operacional para as turmas de engenharia da UFRGS. No programa, constavam as medidas de tendência central e de dispersão (que são os primeiros passos da estatística). Para criar o link entre a teoria e a prática, eu mandava os alunos medir e buscar a altura média dos porto-alegrenses (homens e mulheres) e saber qual a percentagem de cada sexo costumava ir aos estádios de futebol para que, de posse desses dados, eles projetassem arquibancadas onde quase ninguém (97% das pessoas) que estivesse sentado à frente de alguém atrapalhasse a visão do jogo. Este é um típico exemplo que comprova que se pode ajustar qualquer disciplina para que os alunos façam o amálgama realidade/teoria.

Administradores: No Brasil, é muito comum a academia e mercado torcerem o nariz um para o outro. O que se produz na academia (inclusive na área de Administração) permanece restrito ao meio acadêmico. O que perdemos com isso?

Prof. Nique: Isso acontece, e é um grande absurdo. Se a nossa missão como universidade é capacitar os nossos alunos para poderem atuar como executivos e empreendedores no mercado (99% dos alunos da graduação vão para as empresas enquanto apenas 1% se dirige ao ensino e à pesquisa), como abstrair-se deste mesmo mercado? Essa prática, que até admito que existam alguns professores que assim agem, é o mesmo do que tomar veneno e esperar que o inimigo morra.

As pontes de aproximação entre a academia e o mundo dos executivos existem, mas elas não são utilizadas. Os bancos de dados de teses, trabalhos, monografias, etc. estão à disposição por internet e vários outros meios. Por algumas razões, até de desconhecimento, os executivos não possuem a reação de vasculhar o que se fez para não ter que inventar a roda novamente. Aliás, eles pensam que o caso deles é específico e único - como muitas vezes fazemos quando nossos filhos nos preocupam. No fundo, a academia é como um Manual de Instruções que ninguém lê...

Administradores: É muito comum entre aqueles que optam por seguir a carreira acadêmica seguirem a seguinte trajetória: graduação>mestrado> doutorado. Entre a graduação e o mestrado, não têm nenhuma experiência no mercado e, após o mestrado, começam logo a dar aulas. Como você encara isso?

Prof. Nique: Em relação e esse percurso clássico de formação de professores (graduação/mestrado/doutorado), aqueles que entrarem em uma sala de aula com as mãos abanando em termos de experiência nas organizações serão ejetados rapidamente do sistema. Aliás, toda a formação dos professores está centrada na pesquisa, que é a busca do conhecimento da realidade, o que necessariamente implica em atuar nas organizações - tanto no conhecimento da realidade com um quadro teórico para o entendimento, como para realizar trabalhos de consultoria, por exemplo. O sujeito que não percorre este caminho está por fora da realidade, é um alienado sem chances de sucesso em qualquer universidade digna deste nome. O tripé da formação de professores de Administração é o ensino, a pesquisa e a consultoria, portanto sempre em contato estreito com a realidade.

Administradores: Em resumo: Para ensinar a administrar é necessário saber administrar?

Prof. Nique: Penso que sim. Administrar é tomar decisões - e tomar decisões necessita um processo de aprendizagem que tem necessariamente uma dupla entrada: a teoria e a prática. Muitas vezes, quando se hierarquiza alternativas para decisão, é muito fácil, na sala de aula ou teoricamente. Entretanto, quando chega o momento real de decidir nas organizações, a conversa é um pouco diferente, pois nunca se leva em conta todos os aspectos políticos (e política é a arte da relação) internos e externos. Isso é fundamental. Tratar com seres humanos requer muita prática, observação e perspicácia.

Administradores: O senhor disse que é possível fazer o vínculo da teoria com a prática em qualquer disciplina do curso de Administração. Como o senhor faz esse link em suas aulas?

Prof. Nique: Vou citar o exemplo da disciplina Pesquisa em Marketing, na qual a turma constrói na prática – do começo ao fim – uma pesquisa de marketing. Essa disciplina que desenvolvemos na Escola de Administração da UFRGS tem um método pedagógico bastante diferente em relação à forma como é ministrada em outras Escolas de Administração do Brasil e mesmo do exterior. Tenho plena convicção de que, se o aluno não consegue ver os resultados nos processos desenvolvidos em sala de aula, ele perde completamente o interesse na matéria. Além disso, o que é pior, no exercício de sua profissão, ele terá preconceitos em relação àquela área. O conhecimento, para mim, é um processo solitário que cada indivíduo desenvolve conforme suas capacidades, valores pessoais e objetivos de vida. A construção deste conhecimento é necessariamente uma mescla dinâmica da teoria com a práxis.

No primeiro encontro com os alunos, discutimos o processo que teremos durante o semestre e proponho que eles discutam possíveis temas que serão o objeto da pesquisa que irão realizar durante o semestre. Duas coisas que faço questão de salientar: o tempo dispensado à disciplina e a característica de utilização dos resultados pela comunidade (no caso, sempre se passa em Porto Alegre. por problemas de aplicação em outras áreas geográficas). Em relação à primeira, eles sabem que no mínimo, os mesmos quatro créditos (60 horas) eles terão de trabalho fora da sala de aula. A sala de aula é o espaço para o desenvolvimento teórico e para as perguntas e dúvidas que necessariamente surgirão. No que diz respeito ao segundo item, não vejo sentido algum um grupo de pessoas dispensar gratuitamente uma enorme energia para satisfazer necessidades comerciais de uma ou outra organização cujo fim é o lucro. A UFRGS é uma universidade pública e gratuita e, portanto, aqui vemos uma oportunidade de fazer um gesto à comunidade que, através de seus impostos, financia o ensino que os estudantes estão usufruindo.

Após dois ou três encontros, definimos o tema a ser abordado e começamos a definição do(s) objetivo(s) da pesquisa. Os alunos se dividem em grupos para racionalizar o processo de pesquisa. Saliento que não existe nenhuma indicação por parte do professor, e os alunos decidem participar em quantos grupos se lhes aprouver. Há um grupo coordenador, um grupo que montará a busca e seleção dos dados secundários, um outro que montará o grupo motivacional ou “focus group”. A partir destes dados, haverá a construção de um questionário que é tarefa de outro grupo. Paralelamente, existe um grupo para preparar o processo amostral que, necessariamente, será aleatório, e todos os procedimentos operacionais de aplicação do questionário. Depois de pré-testar o instrumento de coleta de dados, TODOS os alunos aplicam 20 questionários, o que nos faz uma amostra de umas 600 respostas. Cada estudante digitaliza seus 20 questionários, depois de haver participado de três aulas de manejo do software SPHINX (específico para pesquisas de marketing), e existe um grupo que fará a consolidação do banco de dados e a análise dos dados. Terminada a análise e discussão com o conjunto dos alunos, os coordenadores dos grupos reúnem-se com a coordenação para a construção do relatório de pesquisa que será disponibilizado através do site da disciplina e, às vezes, entregue a autoridades que se achar pertinente. Finalmente, este último grupo responsável pelo relatório, faz uma síntese (máximo de 10 páginas) apoiado por uma apresentação em “power point”, para divulgar para toda a turma em sala de aula. Faz-se um documento também para os meios de comunicação, de maneira a dar a maior visibilidade possível aos resultados obtidos. Seguidamente, os alunos são convidados a participar de programas inteiros de televisão ou de paginas inteiras de reportagens de jornais de grande circulação do Rio Grande do Sul. A discussão inicial do tema tende a privilegiar os assuntos mais na moda e, por conseqüência, tem espaço garantido na mídia.

No final, gosto muito de ressaltar, nesta disciplina não existe “copiar/colar”, prática bastante comum em algumas disciplinas do curso... Nesta disciplina, eles criam conhecimento que não existia anteriormente. E todos ficam realmente muito orgulhosos em ver seu conhecimento sendo entregue à coletividade.

Administradores: Muito interessante! De que forma isso impacta diretamente na formação dos alunos, futuros administradores?

Prof. Nique: Posso citar alguns resultados bastante evidentes. Vários alunos desenvolveram projetos de criação de empresas de Pesquisa em Marketing e de Consultoria. Cito, por exemplo, a Focal, desenvolvida pelo Gustavo Campos (), e a Destaque, criada pelo Marcelo Godói, duas grandes referências de pesquisa no Rio Grande do Sul.Em termos de feed-back, vários ex-alunos me mencionaram que, apesar de não haver feito mais pesquisas como a desenvolvida na disciplina, eles contratam, nas organizações onde atuam hoje em dia, serviços de empresas especializadas, e esta formação contribui enormemente para discutir cada projeto de pesquisa bem como fazer a crítica dos resultados. Este conhecimento é particularmente útil quando da decisão de adquirir esses serviços entre várias empresas/projetos.

Administradores: Quais metodologias adotadas em outros centros de excelência no ensino da administração do mundo que poderiam servir de referência para as instituições brasileiras?

Prof. Nique: Em termos de métodos de ensino adotados no ensino da administração, além do clássico de Harvard com seus estudos de caso, eu gostaria de salientar um curso que julgo ser o melhor (e medi bem as minhas palavras quando disse “o melhor”) curso de administração da América. Trata-se do curso Gestão para a Inovação e Liderança da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Desde logo, ressalto que sou professor da UFRGS, e não mantenho vinculos empregaticios com a UNISINOS, o que fortalece a minha legitimidade em fazer esta afirmação.

Este curso está concebido sobre duas colunas principais. A primeira é o tipo de abordagem, pois ela se diferencia da tradicional que é sob forma de disciplinas e estuda os fatos dos diversos prismas presentes. Por exemplo, vamos falar em renascença e, portanto, a “aula” será coordenada por um economista, um historiador, por um cientista político e por algum professor de arte. Todos os professores, isto é em conjunto na mesma sala, discutirão e apresentarão a realidade da renascença desde sua perspectiva. Posteriormente, os alunos vão às organizações (eu disse organizações por ser muito mais amplo que empresas) ver os vínculos com aquilo que foi discutido em aula. Este é um método absolutamente congruente com a realidade pós-moderna do hiper-espaço e totalmente inovador. A segunda coluna, decorrente da primeira e aflorada há pouco, é a prática sistemática nas organizações daquilo que é discutido em classe. E estas são em todos os sentidos e hierarquias e geografias... O assunto pode ser ligado ao processo produtivo que pode ser comparado entre o que existe no Rio Grande do Sul, na Argentina e no Uruguai, ou em outros estados do Brasil. Os alunos vão para os países citados, além do Chile, Canadá e Estados Unidos para estágios curtos de duas ou três semanas observando, trabalhando, discutindo nos diversos níveis funcionais da administração. Eu sou um grande entusiasta deste curso e lastimo não haver podido fazer um benchmarking aqui na Escola de Administração da UFRGS.

segunda-feira, junho 02, 2008

CPMF: bicho feio e difícil de matar

Após ter sido solenemente morta e enterrada pelo Congresso Nacional, a CPMF está em vias de viver sua segunda encarnação, agora rebatizada de CSS (Contribuição Social para a Saúde) e em versão menos agressiva (0,1% em vez de 0,38%). A criação da CSS foi proposta por causa da possível aprovação da chamada “Emenda 29”, que amplia em pouco mais de R$ 20 bilhões os recursos anuais para a saúde. Existem dois projetos de lei que regulamentam a Emenda 29: um na Câmara e outro no Senado. Do ponto de vista do governo federal, se o Congresso quer aumentar as verbas para a saúde, então que diga de onde sairá o dinheiro. Daí a proposta de ressurreição da CPMF, um imposto de padrasto e sem atestado de paternidade.

A propósito desse tão combatido imposto, é sempre bom lembrar um fato pouco comentado: se a CPMF arrecadava R$ 40 bilhões por ano, e se nossa carga tributária é de aproximadamente 40% do PIB, então, no fim de 2008, quando o dinheiro antes destinado à CPMF tiver retornado integralmente ao mercado consumidor, transformando-se em renda, outros R$ 16 bilhões adicionais terão sido arrecadados via outros impostos. Assim, o buraco deixado pela CPMF seria de "apenas" R$ 24 bilhões, não R$ 40 bilhões como diz o governo. Somando a isso os outros R$ 20 bilhões possíveis de serem arrecadados acima da meta do Tesouro, falta pouco para cobrir o buraco. Um mero aperto no cinto já daria conta do recado. Uma gestão mais adequada dos recursos existentes melhoraria ainda mais a situação.

É claro que, do ponto de vista exclusivo do governo, a CPMF, em qualquer de suas encarnações, tem ao menos dois grandes méritos. Primeiro, o esforço arrecadatório é mínimo: o contribuinte deposita seu dinheiro no banco, o banco desconta a alíquota correspondente e envia os recursos e informações para a Receita Federal. O governo tem apenas que fiscalizar os bancos, coisa que já faz com rigor, e não uma infinidade de pessoas físicas e jurídicas.

O segundo mérito é o tão propalado efeito fiscalizador do imposto. É óbvio que o esforço fiscalizador deve ser levado muito a sério, mas, para cumprir seu papel nessa área, a alíquota da CMPF poderia ser calculada de maneira que o imposto fosse, digamos, R$ 1,00 ao ano, ou ainda menos, para os contribuintes de menor renda. Digamos ainda que esse contribuinte receba um salário mínimo mensal, correspondendo a R$ 5.533 anuais (deixando de fora os descontos do IR, INSS e outros, mas incluindo décimo-terceiro e férias). Esse dinheiro, ao cair no mercado, gera CPMF. Assim, para arrecadar anualmente R$ 1,00 desse contribuinte, seria suficiente uma alíquota de 0,021%, ou seja, quase cinco vezes menor do que a alíquota da CSS atualmente proposta pelo governo.

Um efeito adverso mais assustador da CPMF, sempre ressaltado por economistas e tributaristas e que torna esse bicho tão feio, é a questão da base real do imposto. Ora, se a CPMF arrecadava R$ 40 bilhões anuais, e se a alíquota do imposto era 0,38%, então a base de cálculo era igual a R$ 40 bilhões divididos por 0,38%, que resulta em R$ 10,5 trilhões anuais. Esse número impressionante equivale a 4,9 vezes o PIB brasileiro nominal! Implantada a CSS, a situação não mudará muito: a alíquota diminuirá para 0,1%, mas a arrecadação prevista é de R$ 10 bilhões anuais, resultando em uma base de cálculo igual a 4,7 vezes o PIB nominal. Esse efeito é fácilmente explicável: quando o trabalhador tem seu salário depositado em uma conta bancária, a CPMF não é descontada; contudo, ao usar o dinheiro para comprar pão, por exemplo, o trabalhador transfere parte de sua renda ao padeiro, que depositará o dinheiro em outra conta e originará um desconto da CPMF; ao pagar seus fornecedores, o padeiro usará o dinheiro já tributado uma vez, mas que será tributado uma vez mais quando for depositado na conta dos fornecedores; esses fornecedores pagarão seus próprios fornecedores e assim por diante. Em resumo: a moeda circula e a CPMF (ou CSS) circula junto com ela. É por isso que o governo reluta em se livrar desse imposto que quase nenhum país adota atualmente: ele sabe que é impossível replicar tal nível de arrecadação, sem falar no baixo esforço arrecadatório, por meio de impostos convencionais. O bicho é feio, mas paradoxalmente irresistível!

Apesar de tudo, o ressurgimento da CPMF ainda não é certo, pois a feiura do bicho é tão grande que nem mesmo os deputados governistas, proponentes da Emenda 29, querem ver seus nomes associados a ele. Isso pode colocar o governo em uma situação difícil: se a Emenda 29 for aprovada, mas a CSS não, o presidente Lula terá a difícil missão de vetar o aumento dos repasses à saúde, por mera falta de recursos, coisa difícil de se fazer em qualquer época, mas especialmente difícil em ano eleitoral.

Ao contribuinte menos afeito à matemática fica o consolo de que o tributo tem ares de inocência. Afinal, uma arrecadação adicional de 0,1% não matará ninguém e talvez até salve, supondo-se que os recursos venham a ser de fato aplicados na saúde. Mas a todos fica a esperança de que algum dia uma desoneração fiscal possa durar mais de um ano no Brasil.