segunda-feira, setembro 26, 2011

Tarifas de energia elétrica e revisão da estrutura tarifária

A atual estrutura tarifária do Setor Elétrico Brasileiro foi desenvolvida na década de 80 e implantada no início da década de 90. De maneira geral, as revisões posteriores concentraram-se apenas nos valores das tarifas, não na estrutura tarifária. Contudo, não só o Setor Elétrico evoluiu desde a década de 90, mas também a tecnologia, o que permite pensar em uma estrutura tarifária mais adequada aos tempos atuais e que possa ajudar a resolver alguns problemas da estrutura vigente.

Um desses problemas é a inexistência de sinais tarifários passados aos consumidores de baixa tensão, o chamado Grupo B, especialmente no caso dos consumidores residenciais. Consumidores de alta tensão contratantes da Tarifa Azul, por exemplo, pertencentes ao Grupo A, pagam diferentes tarifas de uso (também conhecidas como tarifas "fio", em R$/kW) conforme o consumo ocorra dentro ou fora do horário de ponta. Além disso, as tarifas de energia da modalidade Azul (em R$/MWh) variam conforme o período do ano, sendo maiores no período seco (de maio a novembro) e menores no período úmido (de dezembro a abril). Ao Grupo A pertencem consumidores industriais e comerciais de grande porte, por exemplo, que podem ajustar seus consumos de maneira mais eficiente, tendo em vista os sinais tarifários desse sistema horossazonal.

Além da modalidade Azul, existem no Grupo A as modalidades Verde e Convencional Binômia (somente para consumidores abaixo de 44 kV). Na modalidade Verde existe apenas uma tarifa fio, independente do consumo ocorrer dentro ou fora de ponta. Em compensação, a tarifa de energia na ponta é muito maior do que a respectiva tarifa na modalidade Azul. A modalidade Verde é adequada a consumidores que possam se desligar da rede no horário de ponta ou que disponham de geradores que possam suprir a energia nesse horário. Já na modalidade Convencional Binômia existem apenas duas tarifas: fio (em R$/kW) e de energia (em R$/MWh), independente do horário do dia ou do período do ano em que ocorrer o consumo. Consumidores residenciais, por outro lado, dispõem apenas de uma modalidade Convencional Monômia, na qual pagam uma única tarifa, em R$/MWh, sendo totalmente indiferentes à curva de carga da distribuidora ou ao período do ano.

No final de 2010 a ANEEL instituiu a Audiência Pública 120/2010 [1], cuja proposta é finalmente rever a estrutura tarifária do Setor Elétrico. Uma das principais alterações previstas pela AP 120/2010 é a extinção dos períodos seco e úmido e a substituição destes pelas bandeiras tarifárias. Existirão três bandeiras, Verde, Amarela e Vermelha, conforme indiquem as condições operacionais do sistema. Um grande problema do mercado cativo é a grande inércia de repasse das variações do Encargo do Serviço do Sistema (ESS) aos consumidores. No início de 2008, por exemplo, O CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) autorizou o despacho de usinas térmicas fora da ordem de mérito, resultando em um ESS da ordem de R$ 2,3 bilhões para o Sudeste naquele ano (ESS_SE). Tal encargo foi pago mensalmente pelas distribuidoras e consumidores livres, conforme o despacho térmico ia ocorrendo, mas só foi percebido pelos consumidores cativos a partir do reajuste tarifário seguinte. A criação das bandeiras tarifárias visa reduzir tal inércia a um ou dois meses.

A bandeira Verde sinalizará tarifas normais, nas quais as usinas térmicas não estão sendo despachadas fora da ordem de mérito e o ESS_SE é nulo ou se mantém em níveis reduzidos. Já a bandeira Amarela indicará um despacho fora da ordem de mérito um pouco maior. A ANEEL estima incrementos tarifários de R$ 15/MWh para a bandeira Amarela. A bandeira Vermelha será aplicada quando o ESS_SE subir ainda mais e os incrementos tarifários nesse caso são estimados pela ANEEL em R$ 30/MWh. A decisão de qual bandeira usar não caberá às distribuidoras e será mensal, comunicada aos consumidores com um mês de antecedência. Outra modificação atingirá os consumidores livres e especiais. Tais consumidores pagam hoje uma tarifa fio semelhante em estrutura (mas não em valor) àquela da modalidade cativa Azul, mas passarão a dispor de uma modalidade Verde, desde que pertençam aos subgrupos A4 ou AS (o subgrupo A4, em particular, será redefinido, englobando o atual subgrupo A3a).

Para o Grupo B, ao qual pertencem os consumidores residenciais, será criada a modalidade Branca, dividida em três postos horários: ponta, intermediária e fora de ponta, válidos somente de segunda a sexta-feira (sábados, domingos e feriados serão considerados integralmente como fora de ponta). Os horários de cada posto serão definidos pelas distribuidoras. O consumidor poderá decidir se desejará migrar para a modalidade Branca ou permanecer na Convencional Monômia, na qual existirá, como hoje, apenas um posto tarifário. A adoção da modalidade Branca implicará na necessidade de se instalar medidores eletrônicos de energia, mais precisos do que os medidores eletromecânicos encontrados atualmente na maioria das residências brasileiras.

De acordo com notícias recentes [2], a ANEEL pretende implantar a nova estrutura tarifária em 2012, sob a forma de teste. Seria uma espécie de "Ano Educativo", segundo a ANEEL, com as bandeiras publicadas apenas como simulação e não de fato. Em 2013 a nova estrutura deverá ser implantada definitivamente em todas as distribuidoras. Vamos esperar que a reestruturação tarifária pretendida resulte em maior eficiência para as distribuidoras e em custos que reflitam o consumo real dos consumidores, sejam eles livres ou cativos.

[1] ANEEL, Resultados da Audiência 120/2010. Disponível em http://bit.ly/o95dt8 .
[2] JORNAL DA ENERGIA. Aneel prevê aplicar bandeira tarifária em 2012; preço da energia pode variar a cada mês, 21 de setembro de 2011. Disponível em http://bit.ly/qiDcP2.

segunda-feira, setembro 12, 2011

Energia solar

Geração de energia solar é um desses temas que sempre esteve na cartilha de projetos dos Engenheiros, mas que demorou a atingir o estágio de viabilidade comercial. Não estamos falando aqui de uns poucos quilowatts, produzidos por placas fotovoltaicas instaladas no teto de residências, ou de energia solar usada para aquecimento residencial de água, mesmo que no caso de grandes prédios ou condomínios, mas sim de vários megawatts, destinados à interligação com a rede elétrica e submetidos a um contrato comercial de compra e venda. Sendo assim, baixos custos e rendimentos razoáveis são essenciais.

A primeira usina solar comercial, a SEGS (Solar Energy Generating System), de 310 MW, foi comissionada entre 1984 e 1990 e produz energia para a Southern California Edison, a distribuidora de energia do sul da Califórnia. A tecnologia empregada pela SEGS, ainda a maior usina solar em operação comercial, é a de concentração dos raios do Sol por meio de espelhos parabólicos. Tubos são colocados nos pontos focais dos espelhos, dentro dos quais circula um fluido de transferência de calor (geralmente um óleo sintético). Dependendo do posicionamento dos espelhos, a temperatura do fluido pode atingir até 400°C [1]. A seguir, o fluido é usado para produzir vapor e acionar um gerador convencional. Trata-se, portanto, de uma usina termossolar, não fotovoltaica. O rendimento de tais usinas encontra-se entre 22% e 42%, dependendo da tecnologia empregada.

Apesar do sucesso da SEGS, a indústria termossolar demorou a experimentar o crescimento observado nos últimos anos. A Espanha, por exemplo, o país com maior capacidade solar instalada além dos EUA, colocou seu primeiro megawatt termossolar em operação somente em 2008 e a China ainda não tem usina termossolar alguma em operação. No momento a capacidade termossolar mundial instalada é de apenas 1.170 MW, com 49,7% nos EUA, 43,3% na Espanha e o restante divididos entre vários países. Contudo, outros 17.400 MW estão em construção ao redor do mundo, divididos principalmente em 49,8% para os EUA, 25,6% para a Espanha e 14,4% para a China [2].

A tecnologia fotovoltaica também tem evoluído e crescido bastante. Nesta tecnologia, usam-se placas de material semicondutor para a conversão direta de energia solar em energia elétrica. O rendimento médio das placas disponíveis no mercado encontra-se entre 12% e 18%, mas já se falam em placas com rendimento de 35% [3]. A capacidade fotovoltaica mundial instalada ao final de 2010 era de 40.000 MW, com 44% instalados na Alemanha, 10% na Espanha, 9% na Itália, 9% no Japão e apenas 6% nos EUA [4]. Entre 2005 e 2010, a tecnologia fotovoltaica experimentou um crescimento de 49%, contra 25% da tecnologia termossolar. Entretanto, em 2010 isoladamente a fotovoltaica cresceu 72%, contra 77% da termossolar, o que indica que a competição entre as duas tecnologias vem se acirrando.

No Brasil a situação é totalmente incipiente. De acordo com dados da ANEEL [5], o Brasil tem seis usinas fotovoltaicas em operação, correspondendo a uma potência outorgada de 5,1 MW e a uma potência fiscalizada de 1,1 MW. Nenhuma usina solar encontra-se em construção no Brasil, a despeito de nossa insolação apreciável. Apesar disso, a ANEEL recebeu, no último 6 de setembro, pedidos de outorga para três usinas fotovoltaicas, cada uma de 30 MW, duas delas localizadas no Estado do Tocantins e uma no Mato Grosso. Usinas termossolares também não demorarão a aparecer. Uma delas, que teria 50 MW e geraria energia solar durante o dia e funcionaria a biomassa durante a noite, teve sua participação vetada pela EPE no último leilão A-3. Todavia, a EPE já estuda liberar a participação de usinas solares nos próximos leilões e tem incentivado que usinas desse tipo continuem a se inscrever nos processos.

A situação brasileira é certamente muito diferente daquela de países como EUA, Alemanha e Espanha. A usina SEGS, por exemplo, pode funcionar também com gás natural até um limite de 27% e ainda continuar a ser considerada uma fonte de energia renovável, de acordo com a regulamentação norte-americana. No Brasil, construir uma usina desse tipo seria um tanto estranho: no Mercado Livre ela não teria direito aos 50% de desconto na TUSD e, no Mercado Regulado, provavelmente seria mais cara do que uma usina 100% a gás, dificilmente vindo a se classificar nos leilões. Ademais, nossa capacidade hidrelétrica ainda não foi totalmente explorada e, embora usinas hidrelétricas de grande porte não sejam nem totalmente renováveis, nem totalmente não poluentes, são certamente mais ecologicamente corretas e mais baratas do que as usinas a carvão ou a gás dos países mais desenvolvidos. Logo, é com as usinas hidrelétricas, e não com usinas a carvão ou a gás natural, que nossas possíveis usinas solares deverão competir, o que torna mais difícil, mas não impossível, a entrada do Sol no nosso mercado de energia.

[1] Solar Energy Generating Systems, http://bit.ly/oKDSBU.
[2] WANG, Ucilia. The rise of concentrating solar thermal power, 6/6/2011, http://bit.ly/qH2aXw.
[3] PHYSORG. Sharp develops solar cell with world's highest conversion efficiency of 35.8%, 22/10/2009, http://bit.ly/oEJYeZ.
[4] REN21. Renewables 2011: global status report, 2011, p. 22, http://bit.ly/rmEsZx.
[5] ANEEL. Banco de Informações da Geração, http://bit.ly/nUDxe0.