sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O Livre Mercado de Energia Elétrica Brasileiro – Parte II: Consumidores Livres

Antes de 1999, todo consumidor brasileiro de energia elétrica era “cativo” de uma distribuidora de energia, ou seja, não era livre para escolher de quem iria adquirir energia elétrica ou para negociar os preços. O fornecedor de energia era obrigatoriamente a distribuidora que detinha a concessão da área onde o consumidor estava instalado. Em 1999, a Carbocloro S.A. Indústrias Química, instalada em São Paulo, transformou-se no primeiro consumidor livre brasileiro quando passou a ser atendida pela Companhia Paranaense de Energia – Copel, instalada no Paraná. Naquela época, distribuidoras de energia podiam atender consumidores livres, até mesmo na área de concessão de outras distribuidoras. No modelo atual, as distribuidoras não podem mais atender consumidores livres, somente os cativos, e não podem atuar fora de suas áreas de concessão.

Consumidores livres são aqueles que podem escolher livremente de quem adquirir energia elétrica. Fisicamente, o consumidor livre está sempre conectado à distribuidora local (ou à rede de transmissão, caso o acesso se dê em tensões iguais ou superiores a 230kV). Comercialmente, o consumidor adquire energia de uma fonte que pode estar em qualquer ponto do Sistema Interligado Nacional, o qual abrange 97% da capacidade de produção de energia do sistema elétrico brasileiro (ficam de fora apenas alguns sistemas isolados, localizados principalmente na Amazônia). O consumidor livre pode negociar livremente os preços da energia elétrica, mas deve pagar para ter acesso à rede por meio de uma Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), caso esteja conectado a uma distribuidora, ou por meio de uma Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), caso esteja conectado à Rede Básica de transmissão (tensões iguais ou superiores a 230kV). A atuação de comercializadoras de energia, empresas especializadas que podem atuar como “brokers” ou como “traders”, é bastante comum, pois o “core business” do gerador é produzir energia elétrica, não comercializá-la. Assim, do ponto de vista comercial, tanto geradores quanto comercializadoras podem ser caracterizadas como “fontes de energia”.

No momento atual, nem todo consumidor brasileiro pode se tornar livre, prerrogativa concedida penas aos consumidores que atendam os requisitos estabelecidos pela Lei 9.074/1995, que criou as figuras do Consumidor Livre e do Produtor Independente de Energia. O primeiro desses requisitos é pertencer ao “Grupo A”, que é o grupo dos consumidores de alta tensão. Assim, consumidores residenciais não podem se tornar livres, pois pertencem ao “Grupo B”, de baixa tensão. Os demais requisitos são os seguintes:

  • Consumidores instalados antes de 8/7/1995 (“consumidores velhos”): demanda mínima de 3 MW e tensão de atendimento maior ou igual a 69 kV.
  • Consumidores instalados após 8/7/1995 (“consumidores novos”): demanda mínima de 3 MW e atendimento em qualquer tensão do Grupo A.
  • Consumidores atendidos por Fonte de Energia Incentivada (Pequena Central Hidrelétrica, Biomassa, Solar ou Eólica): demanda mínima de 500 kW e atendimento em qualquer tensão do Grupo A.

Nota-se, no que diz respeito aos consumidores denominados “novos”, que a única restrição à migração para o mercado livre é a demanda contratada, que deve ser igual ou superior a 3 MW (consumidores com esse nível de demanda já são obrigatoriamente do Grupo A). Esses consumidores “novos”, contudo, são pouco numerosos se comparados aos consumidores instalados antes de 1995, que enfrentam a restrição adicional do atendimento em tensões iguais ou superiores a 69 kV.

Os consumidores incentivados são aqueles atendidos por Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), usinas de biomassa, solares ou eólicas, coletivamente denominadas Fontes de Energia Incentivada (FEI). A demanda mínima de tais consumidores deve ser de 500 kW e o contrato de compra e venda deve ser firmado diretamente entre consumidor e gerador. Embora não haja restrição de tensão, os preços de energia das FEI só tornam a migração viável quando o consumidor pertencer aos grupos A4 (2,2kV a 25kV), A3a (30kV a 44kV) ou AS (subterrâneo) [1].

Em julho de 2006 existiam cerca de 500 consumidores registrados como membros da CCEE. Isso não significa, contudo, que existam somente 500 unidades consumidoras livres, pois cada agente pode representar mais de uma unidade. De fato, o consumo das unidades livres já representa mais 25% do consumo nacional. E continua crescendo.

Nos países mais desenvolvidos, como é de se esperar, os consumidores livres são muito mais presentes. Na Inglaterra, todos os consumidores são livres. Na Austrália, 100% do mercado da Costa Leste é elegível, ou seja, qualquer consumidor, inclusive os residenciais, pode optar por outro fornecedor de energia, se assim o desejar. Na Europa, 80% do mercado é livre e a meta é atingir 100% de elegibilidade em 2007. Nos Estados Unidos, mais de 62% dos consumidores são livres, com o avanço da liberalização variando bastante de um estado para outro. Mesmo no Canadá, tradicionalmente monopolista e estatal, e onde o processo de desregulamentação se deu no velho estilo brasileiro “passinho pra frente, passinho pra trás”, mais de 40% dos consumidores já são livres [2].

Nos mercados mais desenvolvidos, as distribuidoras funcionam apenas como empresas de transporte e entrega de energia e não atendem mais o consumidor no que se refere à comercialização de energia em si. No jargão do setor elétrico, dizemos que tais distribuidoras são “empresas fio”, enquanto os contratos de compra e venda de energia são firmados entre consumidores e comercializadoras de energia, as quais, por sua vez, adquirem energia no atacado, por meio de contratos de curto ou longo prazo firmado com produtores independentes de energia. Outra possibilidade é a aquisição de energia em “bolsas de energia”, que funcionam de maneira semelhante às conhecidas bolsas de commodities. Assim, como todos os consumidores de tais mercados já são livres, não há mais competição “pelo mercado” (entre comercializadoras e distribuidoras). Toda a competição se dá “no mercado”, exclusivamente entre comercializadoras, com a possível participação dos produtores independentes, dependendo do modelo adotado. No Brasil, onde a figura do consumidor cativo foi mantida, ainda existe competição entre distribuidoras e comercializadoras, situação que se espera mudar nos próximos anos.

A figura dos produtores independentes de energia é assunto do nosso próximo artigo.

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[1] ALMEIDA, Alvaro A. A comercialização da energia elétrica no varejo: riscos e oportunidades. In: XVIII SNPTEE. Curitiba. 2005.

[2] LUDMER, Paulo. Expansão do setor elétrico: mercado, recursos escassos, obras prioritárias e administração dos riscos. In: ABRACE - Fórum Continuado de Energia. Agosto de 2004. Disponível: http://www.ebape.fgv.br/novidades/pdf/D01P02A03.ppt .

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