segunda-feira, março 05, 2007

O Livre Mercado de Energia Elétrica Brasileiro – Parte III: Produtores Independentes de Energia

Os Produtores Independentes de Energia (PIEs) surgiram nos Estados Unidos e se espalharam pelo mundo. Após o primeiro choque do petróleo, na década de 70, o órgão regulador norte-americano, a FERC – Federal Energy Regulatory Comission, começou a investigar possíveis alternativas de suprimento de energia para os cenários futuros, que projetavam preços elevados para os combustíveis fósseis. Em 1978, a FERC publicou o Public Utility Regulatory Policies Act (Lei Regulamentadora das Políticas das Concessionárias Públicas), conhecido como PURPA. Um dispositivo importante desta lei era a obrigação de que as concessionárias de energia elétrica comprassem uma parcela de suas necessidades energéticas a partir de Produtores Independentes, a um preço igual ao respectivo “custo evitado” da concessionária. O custo evitado é aqui entendido como o custo que seria incorrido pela concessionária, caso ela tivesse que gerar a mesma parcela de energia.

Os detalhes da implementação do PURPA ficaram a cargo de cada um dos 50 estados norte-americanos. Em alguns casos, especialmente em Nova Iorque e na Califórnia, vários contratos de longo prazo foram assinados entre Produtores Independentes e concessionárias. A posterior queda das cotações internacionais do petróleo e derivados tornou tais contratos um pouco caros, pois, na época, a energia gerada por Produtores Independentes, geralmente detentores de usinas pequenas ou usinas de co-geração (*), era mais cara do que a energia gerada pelas concessionárias em um cenário de preços baixos do petróleo e derivados.

A partir da década de 80, o preço da energia gerada por Produtores Independentes começou a sofrer reduções, principalmente devido ao desenvolvimento das turbinas a gás a ciclo combinado, que podem ser bastante compactas e têm rendimentos mais elevados do que os das turbinas a vapor convencionais (carvão e biomassa). Para efeito de comparação, já em 1998 uma usina a carvão tinha potência ótima entre 600 e 800 MW, com custos de geração de US$ 35/MWh, enquanto usinas a gás podiam ser construídas com potências entre 40 e 150 MW e custos de geração semelhantes (1). Atualmente os custos da geração a gás são menores do que os da geração a carvão.

O mercado de geração de energia passou então a se tornar atrativo também para os “pequenos” investidores em energia (aqueles que têm apenas alguns milhões de dólares) e não somente para os grandes investidores (aqueles que têm vários bilhões de dólares).

No Brasil, o desenvolvimento da turbina a gás (que é basicamente uma turbina de avião que não voa) não causou tanto impacto. A razão é que nossa base de geração é hidrelétrica, energia ainda mais barata do que a das melhores turbinas a gás. Nossas termelétricas (gás e carvão) são então usadas para complementar a geração de energia em períodos de consumo elevado, em um regime que os especialistas chamam de “complementação hidrotérmica”. Ainda assim, o barateamento das tecnologias de geração hidrelétrica e o desenvolvimento de sistemas eletrônicos de medição de energia contribuíram para reduzir os benefícios de escala das grandes concessionárias, ainda que em menor proporção do que em outros países, tornando mais atrativas as usinas de pequeno porte.

Há que se salientar que o termo “Produtor Independente de Energia” é usado no Brasil de forma um pouco diferente. Nos EUA, o termo “independente” aplica-se porque os produtores são independentes da estrutura das concessionárias de energia (“utilities”), mas estas concessionárias também podem ser privadas. No Brasil, o PIE tende a ser visto simplesmente como um produtor privado de energia, que explora recursos naturais por sua conta e risco, independente do seu porte e da fonte energética explorada.

No Brasil, a figura institucional do Produtor Independente de Energia foi criada pela Lei 9.074/1995, que também criou as figuras de consumidor livre e abriu espaço para a criação dos agentes comercializadores de energia. No âmbito da legislação atual, os PIEs podem vender energia diretamente aos consumidores livres ou aos comercializadores de energia. Essa operação se dá no Ambiente de Contratação Livre, ACL, operacionalizado pela CCEE- Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Alternativamente, os PIEs podem vender energia nos leilões do Ambiente de Contratação Regulada, ACR, também operacionalizado pela CCEE. Nesse caso, os compradores são as distribuidoras de energia, que repassam a energia aos consumidores cativos atendidos por elas.

O surgimento dos PIEs no Brasil deu-se em paralelo com o programa de reestruturação iniciado no governo de Fernando Henrique Cardoso. Uma das metas desse programa era privatizar todos os geradores nacionais. Contudo, dificuldades políticas e conjunturais não permitiram que se atingisse tal meta. Ainda assim, considerando-se somente os agentes de maior porte, o Brasil conta hoje com 70 PIEs, 49 Autoprodutores (que podem comercializar excedentes energéticos no mercado livre) e 41 concessionárias públicas de geração (2). Os PIEs brasileiros são também bastante diversificados e servem a diversas finalidades (3):

- Usinas direcionadas ao mercado, como a UHE Cana Brava (466 MW), da Tractebel.
- Usinas construídas por grandes consumidores, como a UHE Pedra do Cavalo (160 MW), da Votorantin.
- Usinas construídas em parceria com concessionárias privadas, como a UTE Uruguaiana (639 MW), construída pela AES (privada) e CEEE (estatal).
- Usinas que suprem sistemas isolados, como as usinas de Manaus e Porto Velho.
- Usinas que produzem energia alternativa (PCHs, biomassa, solar e eólica) e vendem sua produção a consumidores livres ou por meio de programas governamentais, como o Proinfa.

A expansão futura do parque gerador brasileiro não será feita sem dificuldades. Embora nosso potencial hidrelétrico inexplorado ainda seja grande, as restrições ambientais tornarão difícil a construção de usinas hidrelétricas de médio e grande porte. Em termos de usinas termelétricas, não dispomos de grandes reservas de carvão mineral e de gás natural. Particularmente quanto ao gás natural, nossas relações com nosso maior fornecedor, a Bolívia, não tem sido estáveis o suficiente para se fazer apostas no longo prazo. A opção nuclear existe, mas, devido a questões de segurança, ela será certamente explorada pelo Governo Federal.

Apesar das incertezas, usinas de pequeno porte, como PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), usinas de biomassa, usinas eólicas, bem como usinas de maior porte, continuarão a ser construídas por investidores privados. A liberalização do mercado é irreversível, e também necessária, pois o Governo, amarrado pelas obrigações da Constituição de 1988 e pelo déficit da previdência pública, não terá mais condições de ser o único investidor em geração de energia.

No próximo artigo, abordaremos a atuação dos agentes comercializadores de energia elétrica no Brasil.

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(*) Usinas de co-geração são aquelas instaladas em indústrias, produzindo energia elétrica, vapor e calor para uso em processos industriais, e vendendo os excedentes no mercado.
(1) VAN DOREN, P.M. The deregulation of the electricity industry: a primer. Cato Institute, Policy Analysis, out. 1998. Disponível: . Acesso: mar. 2007.
(2) ELETRICIDADE MODERNA. Perfil do Setor Elétrico – jul. 2006. p. 93, 96.
(3) DE OLIVEIRA, A.; WOODHOUSE, E.J.; LOSEKANN, L.; ARAUJO, V.S. The IPP experience in the Brazilian electricity market. Stanford University, Program on Energy and Sustainable Development Working Paper #53, out. 2005. Disponível: <http://iis-db.stanford.edu/pubs/20995/Brazil_IPP.pdf>. Acesso: mar. 2007.

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