quarta-feira, março 21, 2007

Os jornalistas e a energia elétrica

Primeiro princípio de Alvaro: “Ao ler um artigo jornalístico sobre energia elétrica, a probabilidade de que você se depare com os termos ‘W/h’ ou ‘watt por hora’, ou seus múltiplos, nos primeiros cinco parágrafos é de 30%, subindo exponencialmente até atingir 99,5% ao final do artigo".

Trata-se de uma constatação já feita por qualquer estudante de engenharia, mas resolvi apropriar-me dela, ao menos até que alguém reclame. Afinal, a redação é minha, embora a reclamação não seja exclusiva.

Eu até consigo imaginar o que se passa na mente jornalística ao tentar entender como se mede o consumo ou produção de energia elétrica. Quando um jornalista entrevista um fabricante de parafusos, por exemplo, é provável que ouça o fabricante dizer que a capacidade produtiva de uma determinada planta é de 2 milhões de “parafusos-hora”, ficando perfeitamente entendido que o fabricante quis dizer “parafusos por hora”, mas não o fez, provavelmente com o intuito de dar um certo charme ao enunciado ou então deixar claro que não tem tempo a perder com preposições.

Ao entrevistar um gerador de energia, por outro lado, é provável que o mesmo jornalista ouça que a capacidade produtiva de uma determinada usina é de 100 “megawatts-hora”. Por analogia com o caso dos parafusos, o jornalista entende “megawatts por hora”.

O problema é que energia (qualquer tipo de energia) e parafusos (qualquer tipo de parafuso) são coisas diferentes.

A unidade watt (com inicial minúscula), adotada pelo Sistema Internacional de Unidades (S.I.) em homenagem a James Watt (com iniciais maiúsculas), é usada para medir a potência, que não é uma grandeza exclusivamente elétrica. Por exemplo, podemos falar na “potência mecânica” do motor de um automóvel ou na “potência elétrica” de um secador de cabelos. Nos dois casos, trata-se do mesmo conceito físico: a taxa de conversão de energia em determinada circunstância. A energia, por sua vez, é medida no S.I. usando-se o joule, em homenagem a James Prescott Joule. Por definição, a relação entre o watt e o joule é 1 W = 1 J/s, ou seja, um watt equivale a um joule por segundo. Da mesma forma, por meio de uma operação matemática simples, podemos dizer que um joule equivale a um watt vezes segundo, ou 1 J = 1 W.s. Como a expressão soa estranha, ela é freqüentemente abreviada para “watt-segundo”.

Ocorre que o joule (ou o watt-segundo) é uma unidade muito pequena e, no caso do consumo ou geração de energia elétrica, os números finais seriam muito grandes. Por exemplo, uma lâmpada de 100 W, ligada sem interrupções durante um mês inteiro, consumiria 262.800.000.000 joules, ou seja, quase 270 bilhões de joules, número que assustaria qualquer dona de casa ao final do mês. Assim, as concessionárias de energia elétrica inventaram o watt-hora, que é igual a um watt-segundo convertido durante todos os segundos contidos em uma hora. Considerando que uma hora tem 3.600 segundos, concluímos que um watt-hora é igual a 3.600 watts-segundo. Contudo, o watt-hora ainda é uma unidade pequena e é mais comum usarmos o quilowatt-hora, que equivale a mil watts-hora. Assim, temos que um quilowatt-hora é igual a 3.600.000 watts-segundo. E, lembrando que watt-segundo e joule são a mesma coisa, temos que um quilowatt-hora é igual a 3.600.000 joules.

Medido em quilowatt-hora, o consumo da nossa prosaica lâmpada ficaria em meros 73 quilowatts-hora, ou 73 kWh, pelos quais nossa dona de casa pagaria cerca de R$ 30,00 (sem considerar os impostos e com grandes variações tarifárias entre os estados brasileiros).

Quando falamos do consumo industrial de energia ou da produção de energia, mesmo o quilowatt-hora (kWh) é pequeno demais e é mais comum usarmos o megawatt-hora (MWh), que equivale a um milhão de watts-hora, ou o gigawatt-hora (GWh), que equivale a um bilhão de watts-hora. O quilowatt-hora, o megawatt-hora e o gigawatt-hora são múltiplos do watt-hora, assim como o terawatt-hora (um trilhão de watts-hora), que só aparece quando a encrenca é realmente muito grande.

A confusão surge porque, quando falamos em “parafusos por hora”, o que queremos dizer é “unidades produzidas por hora”, ou seja, estamos nos referindo à taxa de produção horária da fábrica de parafusos. Mas quando falamos em “watt-hora”, a própria unidade watt já é uma medida da taxa de conversão de energia, pois um watt é igual a um joule por segundo, ou seja, uma unidade de energia convertida por segundo. Logo, falar em “watt por hora” seria o mesmo que falar em “joule por segundo por hora”, uma unidade de medida que não faz muito sentido.

Assim, por mais estranho que pareça, a unidade de medida da energia elétrica é realmente o “watt-hora”, e não o “watt por hora”. A culpa pela confusão, naturalmente, é dos engenheiros que, por um lado, não se esforçam em explicar esses mistérios elétricos, e, por outro lado, insistem em usar uma unidade de medida não oficializada pelo S.I. (o watt-hora).

Em defesa dos jornalistas, tenho que acrescentar que o erro não é exclusivo deles. Por exemplo, tenho em mãos uma fatura de venda de energia, emitida por um conhecido Produtor Independente de Energia, onde consta a célebre unidade “MW/h”. Em tese, tal erro poderia acarretar no cancelamento da nota ou na aplicação de multa por parte da Receita Estadual. Duvido, entretanto, que isso aconteça algum dia.

É claro que sempre é possível complicar um pouco mais. Por exemplo, em vez de usar sempre o GWh para medir o consumo ou geração de grandes blocos de energia, podemos inventar uma unidade completamente nova, como o megawatt médio. Mas essa é outra história e fica para a próxima vez.

4 comentários:

  1. Prezado Alvaro, uma carga de 100 watts ligada por 30 dias consome 259.200.000 joules:

    30 dias ( 2.592.000 segundos) X 100 joules.

    será que o meu cálculo está certo?
    Abraço,
    Jonatas

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  2. Caro Jonatas,

    Se você considerar o mês de 30 dias, que tem 720 horas, então, sim, você está certo. Contudo, eu usei o "mês médio", que tem 730 horas, pois o ano de 365 dias tem 8760 horas. Estou tão acostumado a usar esse "mês médio" que esqueci de fazer a observação. Obrigado pelo esclarecimento.

    [ ]s

    Alvaro Augusto

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  3. Um último detalhe de pouca importância...

    para um prazo mais longo, mês médio mais preciso é considerar 730,5 horas por causa do ano bissexto que tem 8.784 horas.

    Rodrigo.

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  4. Obrigado pelo comentário, Rodrigo.

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