terça-feira, julho 10, 2007

Igreja Católica: a única “igreja de Cristo”

Aos poucos, Bento XVI mostra suas garras. Embora tente vestir o manto de “papa pop” tecido por João Paulo II, Bento XVI não consegue escapar de suas origens conservadoras e autoritárias. Nessa terça-feira, o Vaticano publicou um documento, ratificado pelo papa, no qual afirma que a Igreja Católica é e sempre foi a única igreja de Cristo [1]. Nessa era de pluralidade ideológica, essa posição não reflete apenas a megalomania do Vaticano, mas é também repleta de preconceitos históricos.

A história é conhecida de todos. Em um belo dia, após uma famosa profissão de fé, Jesus de Nazaré teria se dirigido a Simão Barjona e dito: “...e eu digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela. E eu te darei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado também nos céus"( Mateus, XVI, 16-19). A Igreja Católica tem usado esse singelo versículo, desde os primórdios, para assegurar sua prioridade sobre as demais denominações cristãs. Há, contudo, outras interpretações.

Para os protestantes, Jesus não estaria falando sobre Pedro, mas sim sobre ele mesmo: “sobre esta pedra” seria uma referência ao próprio Cristo, não ao apóstolo. É sobre a divindade atribuída a Jesus que seria construída a nova igreja, não sobre a autoridade meramente humana de um discípulo qualquer. É claro que tal interpretação deixa o texto evangélico imerso em uma certa confusão, mas, tratando-se de um texto religioso, não se pode esperar uma lógica muito refinada.

Outra interpretação é que, mesmo considerando-se que Jesus tenha conferido a Pedro o cargo de primeiro pontífice, de modo algum ele indicou como se daria a sucessão. Ele não disse “... tu és Pedro, sobre esta pedra edificarei minha igreja... e teus sucessores serão eleitos por meio do voto direto de cardeais reunidos em conclave...

Por que razão deveríamos acreditar que o papa que aí está é resultado de uma linha sucessória que remonta ao próprio Pedro? Por que razão deveríamos acreditar que um processo sucessório de origem divina teria levado à eleição de 212 papas italianos dentre os 265 papas que já viveram? Não é muita coincidência?

A resposta a essas questões é justamente aquela que o Vaticano jamais será capaz de dar: sede de poder. De fato, a Igreja Católica é a única igreja no mundo que é também uma instituição. Se resolvesse compartilhar decisões com o arcebispo de Canterbury ou com outros líderes religiosos, a igreja perderia poder e estaria ameaçada como instituição. E isso seria o fim do cargo de papa, coisa que os cardeais, que estão sempre de olho nele, jamais poderão permitir.

Resta esperar qual será a reação dos outros líderes religiosos sobre essa mais recente reafirmação de poder por parte da Igreja Católica. Para quem acredita no princípio da liberdade religiosa, inclusive na liberdade de não ter religião alguma, o documento do Vaticano é como uma pá de areia, embora não se trate de algo realmente inesperado. Afinal, a Igreja Católica é uma instituição da idade do ferro, com fortes raízes na idade do bronze. Não se pode esperar que religiosos criados e educados nessa tradição pré-medieval possam entender como é o mundo da era da informação.

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[1] "Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a igreja". Disponível em <http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/
rc_con_cfaith_doc_20070629_responsa-quaestiones_po.html
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