domingo, abril 15, 2007

Richard Feynman e o Prêmio Nobel

Pelo que me lembro, devo ter descoberto Richard Feynman (1918 – 1988) já no primeiro ano da faculdade de engenharia quando, ao perambular pelas estantes da biblioteca, encontrei os dois primeiros volumes das Feynman Lectures on Physics. Como tem acontecido com vários estudantes de física e engenharia quando descobrem essa obra, foi como se um mundo novo tivesse se descortinado. Nada daqueles textos chatos de física com exemplos banais, nada de planos inclinados, nada de revisão sobre sistemas de unidades. O texto de Feynman é tão original e direto que provoca um verdadeiro curto-circuito na mente do estudante.

Os três volumes das Feynman Lectures são o resultado de um curso introdutório sobre física, lecionado por Feynman no Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech), uma única vez, entre 1961 e 1963. Posteriormente, entre 1964 e 1966, as Lectures foram editadas por Robert Leighton e Matthew Sands e publicadas em forma de livro. Em 1965, Feynman, já uma lenda da física aos 47 anos, dividiu o prêmio Nobel de Física com Julian Schwinger e Sin-Itiro Tomonaga, por seus trabalhos sobre eletrodinâmica quântica.

Durante muito tempo, as Lectures foram material raro no Brasil, somente encontradas em bibliotecas universitárias ou nas estantes de professores que viajaram ao exterior. Hoje, como ocorre com quase tudo, a obra pode ser comprada online e há um grupo de alunos e professores brasileiros trabalhando em uma tradução colaborativa para o português [1]. Há também rumores de que a Editora Livraria da Física [2] teria um projeto de tradução, mas não sei em que estágio o mesmo se encontra.

Devido às Lectures, em particular, e a suas aulas, em geral, Feynman adquiriu grande reputação como professor. No CalTech, a porta de sua sala estava sempre aberta aos estudantes, os quais, ele dizia, nunca faziam perder tempo, mas sim “ganhar tempo”. Contudo, com exceção dos estudantes e de algumas outras coisas, Feynman não tinha paciência com coisas que o faziam perder tempo. Uma dessas coisas era o prêmio Nobel.

Em seu livro autobiográfico [3], Feynman comenta alguma coisa sobre sua vida após o Nobel. Ele diz, por exemplo, que organizar uma palestra rotineira havia se tornado muito complicado, pois sempre apareciam pessoas de todos os tipos e ele não sabia como agradar a todos com seus assuntos usualmente áridos. Ele dizia também não entender a razão de honrarias como o Nobel. Em um trecho de uma entrevista especial, disponível em vídeo no YouTube [4] (ver abaixo), Feynman diz, em uma tradução livre:

“Eu não sei nada sobre o prêmio Nobel, não entendo do que se trata ou o quê vale o quê. Se as pessoas na Academia Sueca decidem que X, Y ou Z devem receber o prêmio Nobel, então que seja. Eu não terei nada a ver com o prêmio Nobel, é uma dor na... (risadas)...

Eu não gosto de honrarias. Sou reconhecido pelo trabalho que fiz e pelas pessoas que gostaram dele e sei que há outros físicos que usam meu trabalho. Não preciso nada mais além disso. Não penso que haja sentido algum em algo além disso. Não vejo que haja algo de importante em que alguém da Academia Sueca ache que esse trabalho é nobre o suficiente para receber o prêmio Nobel. Já recebi o prêmio, que é o prazer de descobrir as coisas, o mergulho na descoberta, a observação de que outras pessoas a usam. Essas são as coisas reais. Honrarias, para mim, não são reais. Não acredito nelas. Elas me aborrecem. Honrarias me aborrecem. Elas são uniformes, são divisas. Meu pai me criou desse jeito, não posso evitar, isso me magoa.

Quando eu estava no secundário, uma das primeiras honrarias que recebi foi ter me tornado membro do Arista, que era um grupo de meninos com boas notas. Todos queriam ser membros do Arista. Descobri que o que eles faziam em suas reuniões era sentar-se para discutir quem tinha valor suficiente para se unir àquele maravilhoso grupo que nós éramos. Esse tipo de coisa me aborrece psicologicamente por uma ou outra razão. Eu não entendo a mim mesmo. Honrarias, desde aquele dia, sempre me aborreceram. Tive problemas quando me tornei membro da Academia Nacional de Ciências. Declinei após algum tempo, porque era outra organização que passava a maior parte do tempo decidindo quem era ilustre o suficiente para se unir a ela. Isso incluía questões como: ‘nós físicos temos que nos unir, porque há um químico muito bom que está tentando entrar e não temos espaço suficiente...’. Qual o problema com os químicos? A coisa toda era podre, porque o propósito era principalmente decidir quem poderia receber as honrarias. OK? Não gosto de honrarias!”

Ao pensar dessa forma, Feynman caiu na “armadilha das honrarias”: ao aceitá-las, aceitamos também que somos dignos delas e não nos colocamos em uma posição muito humilde; ao recusá-las, ou ao desprezá-las, colocamo-nos acima delas e abandonamos de vez a humildade.

Apesar de tudo, Feynman aceitou o Nobel, pois, segundo ele, “recusá-lo teria sido mais complicado”(*). Em seu discurso no banquete ao rei da Suécia [5], em 10 de dezembro de 1965, ele finalizou com um misto de ironia e cortesia:

“Assim, vocês, povo da Suécia, com suas honrarias, seus trompetes e seu rei, perdoem-me, pois, finalmente entendo que tais coisas falam ao coração. Usadas por um povo sábio e pacífico, elas podem gerar bons sentimentos, até mesmo amor, entre os homens, até mesmo em terras muitas distantes das suas. Por esta lição, eu agradeço.“

A falta de humildade de Feynman não diminui sua dimensão intelectual, mas, vivendo em um país que nunca recebeu um Nobel, e que ainda está vivendo sua infância científica, tenho sérias dificuldades em entender a relutância dele, ou de qualquer outra pessoa, em relação ao prêmio. Afinal, não se trata de uma simples homenagem concedida por um clube de estudantes. Do meu ponto de vista, nem santos nacionais, nem anjos, nem o hexacampeonato mundial falariam mais fundo ao coração brasileiro do que um Nobel conquistado por algum de nossos conterrâneos. Com um pouco de sorte e muito trabalho, quem sabe algum dia um de nós poderá até mesmo desprezar esse prêmio.






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[1] Ver http://feyntrad.wikidot.com/start. (Não me perguntem sobre direitos autorais!).
[2] Ver http://www.livifusp.com.br/.
[3] FEYNMAN, R. Surely you’re joking Mr. Feynman!: adventures of a curious character, 1985.
[4] Ver http://www.youtube.com/watch?v=f61KMw5zVhg.
[5] Ver http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1965/feynman-speech.html.
(*) Em toda a história do prêmio, iniciada em 1901, apenas duas pessoas o recusaram: Jean-Paul Sartre, que recusou o prêmio de literatura de 1964, sob a alegação de nunca aceitar honrarias oficiais, e o general vietnamita Le Duc Tho, que recusou o prêmio da paz de 1973, sob a alegação de que o Vietnã não estava em paz e, logo, a honraria, concedida a ele e a Henry Kissinger, não seria válida.

2 comentários:

  1. Anônimo9:29 AM

    Discordo quando você diz que recusar o nobel é se colocar "acima" dele. Isso é cair numa armadilha dualista. A verdade é que o Nobel realmente nem sempre significa alguma coisa. Oferecê-lo a alguém como Henry Kissinger, por exemplo, mostra bem o quanto o "valor" do prêmio é relativo, mesmo que em determinado momento Kissinger tenha sido menos belicoso do que , por exemplo, Brzezinsky.

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  2. Caro revo,

    No que diz respeito ao Nobel da paz, imagino que você esteja correto, pois a premiação é sempre política e nunca técnica. Já no caso do Nobel de física, embora o mérito sempre possa ser discutível, rejeitar o prêmio dificilmente seria bem visto.

    [ ]s

    Alvaro Augusto

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