domingo, janeiro 22, 2023

50 livros que você deve ler antes de morrer

Sempre me irritam essas listas que aparecem por aí com o título "50 livros que você deve ler antes de morrer". Afinal, que livros você poderá ler "depois de morrer"? Além disso, eu pareço nunca ter lido mais de cinco dos livros dessas listas. Um amigo então me sugeriu que eu devo estar lendo as "listas erradas". Assim, depois de uma boa e dolorosa filtragem, segue a minha lista:

1. Abraham Pais, "Sutil é o Senhor: Vida e pensamento de Albert Einstein"
2. Adrian Desmond e James Moore, "Darwin, a vida de um evolucionista atormentado"
3. Alan H. Guth, "O Universo inflacionário"
4. António Damásio, "O erro de Descartes: Emoção, razão e o cérebro humano"
5. Arthur C. Clarke, "Canções da Terra distante"
6. Carl Sagan, "O mundo assombrado pelos demônios"
7. Darcy Ribeiro, "O povo brasileiro"
8. Douglas Adams, "O guia do mochileiro das galáxias"
9. Érico Veríssimo, "As aventuras de Tibicuera"
10. Fabricio Muller, "Um amor como nenhum outro"
11. Françoise Giraud, "Marie Curie"
12. Frank Herbert, "Duna"
13. Geoffrey Stokes, "The Beatles"
14. Gore Vidal, "Criação"
15. Hans Ruesch, "No país das sombras longas"
16. Ian Stewart, "Será que Deus joga dados? A nova matemática do caos"
17. Isaac Asimov, "O Fim da Eternidade"
18. Ivar Ekeland, "O cálculo e o imprevisto"
19. James Gleick, "Caos - a criação de uma nova ciência"
20. Jane Hawking, "A teoria de tudo"
21. Jean Gimpel, "Revolução Industrial da Idade Média"
22. Karl Popper, "Em busca de um mundo melhor"
23. Kurt Vonnegut, "Matadouro 5"
24. Laurentino Gomes, "Escravidão III
25. Lawrence Krauss, "Um Universo que veio do nada"
26. Lima Barreto, "O triste fim de Policarpo Quaresma"
27. Luis Fernando Veríssimo, "O analista de Bagé"
28. Machado de Assis, "Memórias póstumas de Brás Cubas"
29. Marcelo Rubens Paiva, "Feliz Ano Velho"
30. Mario Henrique Simonsen, "Textos Escolhidos"
31. Mark Pallen, "The rough guide to evolution"
32. Michael Crichton, "O enigma de Andrômeda"
33. Milan Kundera, "A insustentável leveza do ser"
34. Oliver Sacks, "Um antropólogo em Marte"
35. Orson Scott Card, "Orador dos Mortos"
36. Ray Bradbury, "O vinho da alegria"
37. Richard Dawkins, "O maior espetáculo da Terra"
38. Richard P. Feynman, "O que é uma lei física?"
39. Robert Heinlein, "Estranho numa terra estranha"
40. Robert Wright, "The evolution of God"
41. Roger Fouts e Stephen T. Millsarente, "O parente mais próximo"
42. Roger Penrose, "A mente nova do rei"
43. Stephen Hawking, "O Universo em uma casca de noz"
44. Susan Townsend, "O diário secreto de um adolescente"
45. Thomas Cahill, "Como os Irlandeses salvaram a civilização"
46. Ursula Le Guin, "A mão esquerda da escuridão"
47. Viktor Frankl, "Em busca de sentido: Um psicólogo no campo de concentração"
48. Walter M. Miller, "Um cântico para Leibowitz"
49. William Faulkner, "A árvore dos desejos"
50. William Golding, "O senhor das moscas"

sábado, outubro 22, 2022

Trecho do prefácio de "A Moeda e a Lei", de Gustavo H. B. Franco, 2018

 "O leitor tem diante de si o produto desse esforço, no qual as ideias foram decantadas e refinadas pela exposição à curiosidade crítica de dezenas de alunos que contribuíram para que o material adquirisse alguma coerência e unidade. Em retrospecto, talvez não tenha sido o melhor curso do ponto de vista deles, pois o professor queria ouvir sua própria voz, testar a lógica interna de seu discurso, muito mais que engajar os estudantes e fazê-los empreender suas próprias descobertas. A eles agradeço pelo permanente e rigoroso exercício da crítica, inclusive quando manifestada em seu formato mais cruel: o desinteresse - agora grandemente incentivado pelas possibilidades abertas pelos smartphones." 

sábado, novembro 20, 2021

Enedina Alves Marques - Primeira engenheira paranaense e primeira engenheira negra do Brasil

Enedina Alves Marques (1913 –1981) nasceu na capital paranaense e era filha de Paulo Marques e Virgília Alves Marques. Dona Duca, como a mãe de Enedina era chamada, ganhava a vida como lavadeira e, na década de 1920, foi trabalhar como lavadeira para a família do delegado e major Domingos Sobrinho, negro de posses do bairro do Portão que tinha uma filha de mesma idade de Enedina. Domingos financiou, por meio da troca de serviços domésticos, a educação de Enedina em colégios particulares, para que ela fizesse companhia à sua filha.

Entre 1925 e 1926, Enedina formou-se na Escola Particular da Professora Luiza e, no ano seguinte, ingressou na Escola Normal, onde permaneceu até 1931. Entre 1932 e 1935 formou-se no curso Normal e passou a trabalhar como professora no interior do Estado.

Em 1935, Enedina retornou à sala de aula na condição de aluna para se qualificar por meio do Curso Madureza no Ginásio Novo Ateneu em 1937. A legislação da época determinava que professores deveriam fazer uma capacitação profissional de três anos para o exercício do ofício de professor e um curso complementar para ingresso em curso superior. A passagem de Enedina pelo curso complementar aconteceu entre os anos de 1938 e 1939. No mesmo período, ela morou com a família do construtor Mathias e sua esposa Iracema Caron. O financiamento dos estudos foi sempre feito por meio da troca de serviços domésticos e ela sempre soube aproveitar.

Em 1940, Enedina ingressou na Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná e graduou-se em 1945, tornando-se a primeira Engenheira do Paraná e a primeira Engenheira negra do Brasil. No curso de Engenharia Civil, Enedina sofreu grande resistência de alguns professores. Mesmo assim, sem pensar em desistir, aplicada aos estudos e contando com o auxílio de alguns colegas, conseguiu se formar em seis anos, apenas um ano a mais do que duram os cursos de Engenharia. Quem é professor ou aluno de Ensino Superior sabe o que isso significa.

Em 1946, Enedina tornou-se auxiliar de Engenharia na Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas. Enedina foi Chefe de Hidráulica, Chefe da Divisão de Estatísticas e do Serviço de Engenharia do Paraná, na Secretaria de Educação e Cultura do Estado. No ano seguinte, o governador Moisés Lupion, concedeu-lhe transferência para o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica. Enedina trabalhou no Plano Hidrelétrico do Estado e atuou no aproveitamento das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu. Em outubro de 1960, Moisés Lupion, antes de sair do governo do Estado, assegurou a Enedina um vencimento equivalente ao de um Promotor Público do Estado.

Em 1961 o Governador Ney Braga, reconhecendo as realizações desta grande Engenheira paranaense, incorporou de forma retroativa, 10% aos vencimentos de Enedina, valores suficientes para sua aposentadoria, que ocorreria em 1962, após 29 anos de servidora pública.

segunda-feira, agosto 09, 2021

Livros e cachimbos

Meu pai era um grande colecionador de enciclopédias, tarefa que exigia muita disciplina. Em meio a todas as enciclopédias que ele mantinha em uma pequena biblioteca, que para mim era gigantesca, uma se destacava: "Os Bichos", uma enciclopédia ilustrada em 14 volumes, publicada em 1970 pela Abril Cultural, quando eu tinha 5 anos. O último volume se chamava "Os Bichos Evoluem" e tinha um Triceratops na capa. Um belo dia eu comecei a achar aquilo muito estranho e perguntei ao meu pai porque aquele volume tinha um nome diferente. Ele me disse então que todos os bichos atuais "vieram" de bichos mais primitivos e completou: "Por exemplo, o homem veio do macaco". Não sei se foi exatamente o que aconteceu depois, pois já se passaram mais de 50 anos, mas me lembro claramente de ter dito a ele, como se fosse um desafio: "Então me mostre uma foto de quanto você era macaco!" Não sei qual foi a explicação que ele me deu, mas não tenho dúvidas de que ele sabia a diferença entre "árvore evolutiva" e "escada evolutiva" e não deve ter se atrapalhado com a resposta.

Não tínhamos a "Enciclopédia Britannica" em casa, talvez porque ela não pudesse ser colecionada a partir de fascículos. Mas, uma outra enciclopédia que tínhamos era a "Conhecer", publicada 12 volumes, também pela Abril Cultural, em meados da década de 60. Também me lembro da "Ciência Ilustrada", publicada em 12 volumes, também pela Abril Cultural, e que abrangia assuntos como Astronomia, Biologia, Física e Química. Para quem se dispusesse a ler e tivesse interesse, aquela enciclopédia era um poço sem fundo. Não tenho dúvidas de que moldou meus interesses. 

Entre tantos livros e enciclopédias havia um pequeno livro que fez minha cabeça explodir: um livro ilustrado sobre a conquista da Lua. Eu não tinha mais de 5 anos quando Armstrong deu aquele famoso passo em 1969, de modo que o livro ainda demorou algum tempo para aparecer na estante. Depois disso, Neil Armstrong tornou-se meu herói (Steve Austin veio alguns anos depois), tanto que de vez em quando eu achava muito estranho que algumas pessoas pensassem que Armstrong fosse um trompetista de jaz.

Mas aquilo trazia um problema. Eu já sabia que a Terra era redonda, mas como os astronautas saiam dela? Afinal, se a Terra era redonda, ela devia ser um tipo de "casca esférica" e os astronautas deviam acertar exatamente o "buraquinho" nessa casca para sair dela a ir até a Lua. Então, perguntei ao meu pai e ele me disse algo como: "Os astronautas não estão dentro da Terra, eles ficam em cima da Terra como uma mosca fica em cima de uma laranja". Aquilo foi uma revelação. Eu não me lembro de ter perguntado o que mantinha os astronautas "grudados" em cima da Terra, mas eu também não sabia o que mantinha as moscas "grudadas" em cima da laranja, de modo que a explicação bastava.

Meu pai trabalhou como economista no BADEP (Banco de Desenvolvimento do Estado do Paraná) até a aposentadoria. Ele não tinha enciclopédias de economia, mas tinha vários livros sobre estatística e economia. Eu me lembro de "Trustes e Carteis", de Richard Lewinsohn, cujo título sempre me pareceu muito misterioso e que nunca li, e de outros livros que desapareceu em meio a duas ou três mudanças. Ainda tenho comigo "Ensaios Analíticos", de Mario Henrique Simonsen, um livro de 1994, e "A Revolução Financeira da Idade Média", de Jean Gimpel e "Princípios de Administração Financeira", de Lawrence Gitman. Uma vez ele me disse que ninguém mais tinha o livro do Gitman na época do curso e todos queriam ser amigos dele, pois nem mesmo Xerox existia. Ainda tenho também o "Manual de Economia" de professores da USP e "Dicionário de Economia", de Paulo Sandroni, livros que atrairiam minha atenção quase 15 anos depois da minha formatura, pois, por uma dessas coincidências da vida, durante uma boa parte da minha vida profissional eu vim a trabalhar com avaliação de projetos de investimento e até mesmo fiz um curso de pós-graduação em "Finanças Empresariais". Ninguém poderia prever isso, absolutamente ninguém.

Além do conhecimento em várias áreas e do amor pelos livros, meu pai tinha um hábito que lhe dava um certo "ar intelectual": fumar cachimbos. De vez em quando ele me levava para cortar o cabelo e depois íamos comer pastel. Em algumas dessas vezes ele parava para "abastecer" na Tabacaria Lima. Em uma época em que era mais fácil você encontrar alguém fumando cigarros do que não fumando, em que comerciais de cigarros eram permitidos, em que os professores fumavam em sala de aula e em que as pessoas podiam fumar em seus escritórios, fumar cachimbo dava ao menos um certo "charme". 

Fumar (não cachimbo, mas aquelas porcariazinhas brancas que se seguram entre os dedos) também era um hábito da minha mãe e de algumas irmãs dela. Um belo dia, passou a ser um hábito de dois dos meus irmãos também. E é estranho que se possa ter certeza de que algo aconteceu, embora se tenha certeza de que não aconteceu, mas me lembro claramente de meu pai indo falar comigo, o primogênito, sobre um hábito que ele teria adquirido por causa de seus amigos, que ele estava tentando largar há anos e que esperava que eu não adquirisse.

Depois da aposentadoria ele deixou de fumar, embora tenha adquirido o hábito de mascar palitos de fósforo e cuspi-los no chão.

Eu nunca fumei. Livros bastam.

 








quarta-feira, outubro 14, 2020

"Rua Paraíba", de Fabricio Muller

Recebi o livro mais recente do Fabricio Muller, "Rua Paraíba", há dois ou três dias e já o li mais de duas vezes. Para alguém que trabalhou com ele durante pouco mais de cinco anos, além de contatos fora do ambiente de trabalho, é uma obra emocionante e perturbadora, uma verdadeira viagem no tempo.

Conheci o Fabricio no final de 1994, quando entrei no departamento de planejamento da geração da Copel. Ele havia entrado alguns meses antes no departamento de hidrologia, que ficava no mesmo andar. Em poucas horas me dei conta de que todos os engenheiros que trabalhavam naqueles dois departamentos eram engenheiros civis. Eu, sendo um engenheiro eletricista, pensei: "onde foi que eu vim parar?". Me disseram então que o objetivo da minha contratação era fazer uma interface entre o planejamento da geração e o planejamento da transmissão, que ficava no andar de cima e que era dominado por engenheiros eletricistas. Contudo, isso nunca aconteceu de fato e acabei aprendendo mais sobre hidrologia do que sobre planejamento da transmissão. Além de ficarem no mesmo andar, os departamentos de hidrologia e do planejamento da geração eram unidos por uma verdadeira interface: a mesa do cafezinho. Foi aí, até onde me lembro, que comecei a conversar com o Fabrício. Mas não tive essas conversas com todos os outros, o que significa que o cafezinho não é suficiente.

Eu já conhecia vários assuntos do livro: as dificuldades no mestrado, a participação em campeonatos de natação, a paixão por Morrissey, Madredeus (ou, mais apropriadamente, por Teresa Salgueiro do Madredeus) e por música de maneira geral, a experiência de um ano com vegetarianismo (abandonada quando um garçom português lhe disse que "peixe é peixe, carne é carne), as opiniões sobre economia, a paixão por literatura e a conversão ao catolicismo por meio da leitura dos livros de Santa Teresa d'Ávilla.

A parte em que o Fabrício fala sobre natação sempre me lembra de uma grande coincidência. Eu frequentei o segundo grau na mesma instituição que o Fabrício, o antigo CEFET-PR, hoje UTFPR, onde mais tarde cursei Engenharia Elétrica. Na disciplina de Educação Física, de acordo com o cronograma semestral, éramos forçados a enfrentar a piscina, fingindo que sabíamos nadar. Uma coisa que sempre me deixava impressionado durante essas aulas era a existência de gente que enfrentava a piscina voluntariamente durante todo o semestre, sem estarem matriculados. Eram os integrantes da equipe de natação e competiam com outras escolas em nome do CEFET-PR. Outra coisa que me deixava impressionado era uma dupla desses nadadores que estava sempre conversando em francês. Eu sabia que aquela língua era o francês, por causa de alguns filmes franceses que eu sempre assistia. Só nunca havia encontrado pessoas "vivas" falando francês. Quando entrei na Copel descobri que um desses integrantes era o Fabrício. Muito pequena esta cidade. 

É claro que o livro traz algumas surpresas, como o fato do Fabrício revelar que acha impossível alguém gostar mais do The Cure do que de Justin Bieber. Acho isso bem estranho, mas, afinal, alguém que é coxa-branca devia ter ao menos mais um defeito.

Nos últimos dois anos em que trabalhei com o Fabricio na Copel ele migrou da hidrologia para o planejamento da geração. Este departamento era pequeno, formado por cinco engenheiros civis, incluindo o Fabricio, e por mim. O Fabricio fala brevemente (e misteriosamente) de três desses colegas. Ele se refere a um deles como "o sujeito que tinha o banco de dados de usinas hidrelétricas" e a outro como aquele que "nunca participava de conversas". Ele fala ainda do terceiro colega como "o ateu de carteirinha, um professor amante de ficção científica, etc.". E acrescenta: "Tínhamos ideias semelhantes sobre economia". Por exclusão (eu não tinha um banco de dados de usinas e, embora fale pouco, não sou exatamente calado), imagino que este terceiro seja eu. Esse trecho é realmente emocionante e quero deixar claro que tudo que está lá é recíproco.

Nossas ideias sobre economia dizem respeito ao liberalismo. No final dos anos 90 o Setor Elétrico estava sendo privatizado e a ideia de mercado livre de energia estava sendo introduzida aos poucos. Se tudo desse certo, hoje estaríamos comprando energia elétrica de maneira muito fácil: bastaria entrar em um site de comparação de preços de energia e escolher a comercializadora que estivesse oferecendo o pacote mais vantajoso na ocasião. Depois de pagar, os respectivos quilowatts-hora seriam creditados pela comercializadora de energia em um medidor eletrônico em nossa casa. Seríamos então avisados por este medidor da situação diária ou horária dos créditos. Os consumidores que não tivessem cartão de crédito poderiam comprar um cartão de plástico com os quilowatts-hora desejados na banquinha mais próxima, que seria então introduzido no medidor eletrônico. É claro que sempre haveria aqueles consumidores desconfiados, que prefeririam permanecer cativos, consumindo energia com tarifas anuais fixas, da mesma maneira de sempre.

Infelizmente, muita coisa não deu certo e apenas os consumidores de alta tensão podem atualmente se tornar livres, operando em um mercado baseado em oferta e demanda e contratos livremente negociados, ainda assim com algumas restrições. Isso ocorreu por várias razões, dentre as quais o racionamento energético de 2001/2002, o atentado ao World Trade Center e a entrada do PT no governo.

Um verdadeiro mercado livre deveria ser composto unicamente por empresas privadas. De fato, Roberto Campos, citado pelo Fabricio no livro, dizia que "No Brasil, empresa privada é aquela que o governo controla. Já empresa pública é aquela que ninguém controla". Não sei se atualmente, depois do caso Odebrecht, Roberto Campos teria tanta certeza disso, mas, de qualquer forma, em um mercado livre, uma empresa estatal poderia contar com mais ajuda do governo do que uma empresa privada, estabelecendo um quadro de concorrência desigual. Depois de tantos anos de mudanças, é quase este quadro que existe hoje. As empresas estatais ainda existem, mas as geradoras e comercializadoras privadas mostraram que têm mais agilidade e flexibilidade operacional, reduzindo um pouco a concorrência desigual. 

A Copel estava na lista para ser privatizada em outubro de 2001 e isso teria sido muito fácil de se fazer, não fosse o atentado contra o WTC, que fez os investidores se retraírem. Houve outra tentativa em novembro, mas depois veio o ano eleitoral e o governador eleito, Roberto Requião, era contrário à privatização e até mesmo a ligações da Copel com empresas privadas. No início de seu governo, ele disse enfaticamente que "A Copel não foi vendida pela garra do movimento social e pela desgraça do atentando ao World Trade Center. Foi o atentado que suspendeu o processo”. Mais tarde, em um grande evento do setor elétrico realizado em Curitiba, Paulo Pimentel, o presidente da Copel escolhido por Requião, mostrou que tinha a mesma opinião, dizendo que "Foi um ato de Deus que impediu a privatização da Copel". Não sei se ele estava se referindo ao movimento social ou ao atentado, mas imagino que, se dependesse de Deus, o movimento social bastaria.

Na parte em que fala sobre Roberto Campos, o Fabrício diz que o ápice de sua ligação com este economista, professor, escritor, diplomata e político brasileiro foi a leitura do "monumental Lanterna na Popa, autobiografia de mais de mil páginas". E acrescenta: "...lembro do tamanho (e do enorme peso) do livro a Lanterna na Popa, do tipo de impressão utilizado, das cores, de algumas figuras, da quantidade enorme de notas (boa parte das quais eu não li). Lembro da importância que ele teve na minha vida na época, e como eu gostava dele como uma criança com seu brinquedo preferido."

Esses trechos me deram um certo mal-estar, pois Lanterna na Popa ainda está comigo. Felizmente consegui preservá-lo nas duas mudanças de residência que fiz depois que saí da Copel, pois nessas mudanças alguns livros meus sumiram misteriosamente. Infelizmente, nunca li mais do que um quarto do livro, mas, em minha defesa, ele está guardado entre A Moeda e a Lei, de Gustavo Franco, e The Beatles, de Bob Spitz, dois tijolinhos que ainda pretendo ler. Assim, ainda há esperanças. 

Quanto ao ateísmo, o problema não é exatamente esse. Afinal, como dizia Mário Henrique Simonsen, para ser ateu é antes necessário provar que Deus não existe, tarefa tão difícil quanto provar que Deus existe. O problema são as religiões e, como as religiões são uma invenção humana, o problema na verdade são os seres humanos. Imagino que, se Jesus voltasse, ele diria: "O que eu disse foi para pregar o amor ao próximo, não para guerrear e se dividir em nome de Deus, para tentar se mostrar superiores a outras "raças", para subjugar as mulheres, para doutrinar as crianças em vez de educá-las, para tentar provar que o Universo tem 6 mil anos de existência e para enriquecer à custa do dízimo. Vamos recomeçar. Anotem aí!" 

Seria interessante discutir todas essas questões com o Fabricio. Quem sabe depois da pandemia.