Discurso de formatura - 28 de agosto de 2009
Os mais novos engenheiros e engenheiras da UTFPR formaram-se ontem, 28 de agosto, no auditório do campus Curitiba. Tive novamente a honra de ser convidado como paraninfo. Segue abaixo o meu discurso.
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Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Marcos Flávio Schiefler Filho, demais autoridades já mencionadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.
É uma satisfação e uma grande honra ter sido escolhido como paraninfo da turma de vocês. Dessa vez a satisfação é ainda maior porque 2009 é um ano especial, não pelo fato da formatura ter sido quase cancelada por causa da gripe suína, mas, em primeiro lugar, porque este é o ano do centenário da UTFPR. Além disso, o ano de 2009 está sendo também marcado pelos aniversários de 50 anos do DAELT e de 30 anos do curso de Engenharia Elétrica, sem falar na comemoração dos 400 anos das primeiras descobertas de Galileu Galilei, nos 200 anos do nascimento de Charles Darwin, nos 150 anos da publicação de A Origem das Espécies, nos 130 anos de nascimento de Albert Einstein e no aniversário de 80 anos do professor Newton da Costa, matemático curitibano de renome internacional, que de vez em quando aparece por aqui para um seminário ou conversa rápida.
Mas, antes que alguém diga que 2009 é um ano mágico, tenho que lembrar que essas comemorações só estão acontecendo neste ano por causa da nossa mania de usar o sistema numérico de base decimal...
De qualquer forma, aniversários são importantes, pois nos lembram que o tempo passa para todos, a não ser, é claro, que você seja professor. Afinal, ser professor é mais ou menos como trabalhar na Terra do Nunca: embora seja evidente que o tempo passa para nós, não parece que ele passa para os alunos; os alunos nunca envelhecem.
De fato, os alunos de uma universidade como a nossa têm sempre 20 e poucos anos em média, enquanto os professores vão ficando cada vez mais grisalhos, mais fofinhos e, segundo a lenda, mais sábios. O problema é que trabalhar na Terra do Nunca é sempre um pouco preocupante, pois, se você não faz parte da turma desse Peter Pan de vinte e poucos anos, então, ou você é pirata, ou você é canhão.
Mas nem só de piratas, canhões e meninos vive o curso de Engenharia Elétrica. Como aconteceu na Terra do Nunca da ficção de James Barrie, um outro tipo de habitante começou a chegar já na primeira turma do nosso curso, no longínquo ano de 1979: as mulheres. A trajetória das mulheres no nosso curso fica clara quando analisamos os famigerados coeficientes de rendimento de nossos egressos.
Na nossa antiga grade 1 formaram-se 383 alunos. Destes, aproximadamente 6% eram mulheres e a aluna mais bem classificada aparece em um modesto 43° lugar, embora com um coeficiente de rendimento nada desprezível de 0,757.
Na grade 2, formaram-se 475 alunos, aproximadamente 7% eram mulheres e a aluna mais bem classificada aparece em 25° lugar, com um coeficiente de rendimento de 0,81.
Na grade 3, ainda não totalmente descontinuada, formaram-se até o momento 454 alunos, dos quais 13,5% são mulheres. A aluna mais bem classificada aparece agora em primeiro lugar, não só na grade 3, mas em todas as grades desde os primórdios, com um coeficiente de rendimento de 0,897.
Na verdade, dentre os cinco melhores alunos de todos os tempos, três são mulheres e, dentre os dois melhores alunos de todos os tempos, duas são mulheres. Nos outros cursos de engenharia do campus, infelizmente, a situação não é a mesma.
Mesmo que algum estatístico ou matemático me acuse de algum abuso metodológico, a conclusão aqui é cristalina e inescapável: senhores, fomos invadidos. As mulheres chegaram! (até que enfim!).
Alguém poderia dizer que essas alunas provavelmente teriam sido as melhores em qualquer curso de engenharia do mundo, e eu irei concordar. Contudo, nosso mérito nesse caso foi termos sido capazes de atraílas e retê-las durante cinco anos, sem tê-las estragado muito. Afinal, todos sabem como é difícil agradar uma mulher!
É claro que nem só de coeficiente de rendimento vivem nossos alunos, e talvez isso nem seja tão importante fora do mundo acadêmico. Outros fatores também são importantes, como participação em atividades extra-classe, estágios, projetos de iniciação científica, etc.
Ainda assim, essa mudança de perfil no nosso curso, mesmo que ainda pouco pronunciada, traz inegáveis vantagens a todos. E essas vantagens não têm somente a ver com a famosa capacidade de articulação verbal das mulheres, ou com a capacidade de entender as diferenças entre tons de "vermelho carmim" e "vermelho maravilha", ou, ainda, com a capacidade de descobrir facilmente algo que um homem está tentando esconder.
Essas vantagens têm mais a ver com a revolução pela qual estão passando as engenharias de todos os tipos e o ensino das engenharias no mundo todo.
O fato é que nossa área nasceu dos esforços de uma multidão de artistas e cientistas, mas rapidamente ganhou a reputação de ser fria, racional e exata. Afinal, é isso que se espera de uma área que exige centenas de cálculos e conhecimentos detalhados.
O problema é que a chegada dos computadores e da internet mudou tudo. De um lado, os cálculos tornaram-se mais fáceis e mais rápidos. De outro, a disseminação da informação reduziu o custo desta a quase zero. De uma hora para outra, os profissionais passaram a valer não tanto pelo que sabem, mas pela capacidade de inovação, pela capacidade de se reinventarem.
Agora a realização de cálculos extensos pode ser deixada a cargo dos computadores e a engenharia pode voltar a ser aquilo com que sonhavam os engenheiros renascentistas: não uma ciência exata, mas uma mistura de arte e ciência; não uma disciplina árida, mas uma maneira de se exercitar a imaginação e a criatividade.
Essa revolução é tão profunda que, se nossas instituições de ensino não forem capazes de estimular a imaginação e a criatividade de nossos alunos, então teremos nos reduzido ao papel de um mero mecanismo de buscas na internet. O ensino da engenharia, daqui para frente, deverá ser mais sobre imaginação e criatividade do que sobre disseminação de informação.
O papel das mulheres na engenharia é importante porque agora precisamos ser mais criativos e menos analíticos. Não estou querendo dizer que mundo da engenharia deve ser composto somente por mulheres, pois, como disse aquele filósofo asiático, "a verdade está no meio". Também não estou, com isso, querendo dizer que todas as engenheiras são criativas e sensíveis e que todos os engenheiros são analíticos e racionais, mas é inegável que todos só temos a ganhar com este e outros tipos de interação profissional.
De fato, de tudo que sabemos sobre criatividade, uma coisa que fica clara é que ela surge mais facilmente quando pessoas diferentes interagem entre si: pessoas com diferentes tipos de inteligência, com diferentes habilidades, pertencentes a diferentes etnias, diferentes crenças e diferentes sexos. Entretanto, nessa área não há garantias e, da mesma forma que a criatividade pode surgir da interação entre pessoas diferentes, pode também acontecer aquilo que os físicos chamam de "aniquilação matéria-antimatéria". Mas vale a tentativa, pois, sem ela, a aniquilação não é apenas possível, mas certa.
No futuro, talvez no futuro próximo, sejam vocês homens ou mulheres, vocês terão certeza de que foram criativos, e não somente analíticos, quando um resultado surgir de maneira completamente inesperada, quando algo aparecer quase por mágica depois de dias, meses ou anos de esforços. Sobre isso, eu ouvi recentemente uma história de uma escritora fantástica chamada Elisabeth Gilbert, autora do livro "Eat, Pray, Love" (traduzido no Brasil como "Comer, Rezar, Amar").
Diz ela que, séculos atrás, os povos do norte da África se reuniam para festivais religiosos de música e dança, os quais duravam horas e prosseguiam até o amanhecer. Os dançarinos eram todos grandes profissionais e a dança era invariavelmente perfeita. Mas, de vez em quando, muito raramente, um dançarino acabava por transcender a si mesmo. Apesar de já ter executado aquela dança centenas de vezes, em situações especiais as coisas se alinhavam de tal forma que esse dançarino parecia ter se tornado mais do que humano, tomado por um surto de criatividade, paixão, emoção. E as pessoas daquela região, em sua um maioria de origem árabe, entendiam que o dançarino havia sido tomado por algo de origem divina e respondiam da melhor forma que podiam responder naquela época, dizendo Alá, Alá.
Mais tarde, quando os mouros invadiram a Espanha, eles levaram esse costume na bagagem. A pronúncia misturou-se aos dialetos locais e mudou ao longo do tempo, secularizando-se e transformando-se em "olé, olé!", um grito até hoje usado nas danças de Flamenco e, infelizmente, no odioso "esporte" das touradas. Hoje você não precisa mais ser muçulmano ou religioso para reconhecer o caráter transcendente da criatividade. Quando vocês tiverem feito algo de inesperado, de novo, de transcendente, basta dizer "olé!" Se não houver ninguém para presenciar esse seu momento mágico, mande-me um scrap, um twitter ou um e-mail dizendo "olé", e eu saberei.
Obrigado por tudo. Vocês são ótimos. Vida longa e próspera!
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