A arte de fazer perguntas
Sempre me preocupa a seção de perguntas que se segue a uma palestra de um escritor ou cientista. Pelo conteúdo delas, fico com a impressão de que as pessoas não entenderam muito bem a palestra, o que é sempre muito frustrante para o palestrante, ou que o conteúdo foi espremido por tantos filtros cognitivos que o que sobrou tem apenas uma vaga semelhança com o que o palestrante tentou transmitir.
Por exemplo, ao final de uma palestra para promover seu livro “The God Delusion”, Richard Dawkins abriu a seção de perguntas, as quais poderiam ser feitas de forma oral ou escrita. Um aluno muito hesitante, embora corajoso, contribuiu com aquilo que deve ser um dos melhores exemplos de como não se fazer uma pergunta a um palestrante. A primeira parte da primeira pergunta durou cerca de 15 segundos e foi respondida por Dawkins com um singelo “não”. A segunda parte durou cerca de 47 segundos e foi interrompida por um Dawkins um tanto impaciente. Não satisfeito, o aluno fez ainda uma segunda pergunta que durou inacreditáveis 55 segundos. Para quem não acredita, o vídeo está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=cSbDUCCjrE4.
Objetividade é uma dádiva, mas pode ser cultivada. O aluno que inquiriu Dawkins talvez aprenda isso com o tempo, mas, sendo ele um aluno da Liberty University, instituição fundamentalista criada pelos batistas, não há razão para muita esperança. Em vez de fazer uma pergunta curta, explorando o conteúdo da palestra, ele tentou expor uma complicada teoria sobre filosofia da ciência, pedindo a opinião de Dawkins e tentando roubar o show.
Depois de alguns anos de sala de aula, alguma experiência como palestrante e ainda alguma experiência como “perguntador”, minha opinião é que existem apenas três mandamentos para se fazer uma pergunta bem feita a um palestrante (perguntas em aulas convencionais são diferentes, pois o professor dispõe de mais tempo).
O primeiro mandamento ao se fazer perguntas a palestrantes é lembrar que você não está lá para dar o show, mas apenas para ajudar o palestrante a dar o show dele. Assim, é de bom tom não fazer da sua pergunta uma pequena palestra, tentando ensinar algo ao palestrante. Se você não conseguir resistir à tentação, prefira falar com o palestrante em particular ou então escreva para ele posteriormente.
O segundo mandamento é fazer a pergunta da maneira mais simples possível, envolvendo poucas palavras e um único conceito. Escrever a pergunta previamente é uma boa idéia. Tentar reduzí-la de maneira a conter menos de 100 palavras é uma idéia melhor ainda. Dessa forma, você não cairá na tentação de incluir dezenas de sub-perguntas dentro de uma mesma pergunta, o que sempre causa confusão e bocejos.
Finalmente, o terceiro mandamento é planejar aquilo que você vai perguntar. Pesquisar previamente sobre o assunto da palestra é uma boa idéia. Pesquisar sobre o palestrante é uma questão de elegância e uma idéia melhor ainda.
É claro que sua intenção pode não ser ajudar o palestrante, mas apenas importuná-lo. Contudo, mesmo para importunar alguém é necessário pesquisa e planejamento, de modo que os dois últimos mandamentos continuam válidos. Lembre-se disso se Dawkins aparecer por aqui, pois “The God Delusion” acaba de ser traduzido para o português [1].
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[1] DAWKINS, Richard. "Deus, um delírio". Companhia das Letras, 2007, 528 pag.
Muito bom.
ResponderExcluirParabéns pelo texto e os "mandamentos". Utilizei os mesmo para a vida prática - sou uma espécie de "papa palestras" - e percebi como as maiorias das questões são feitas justamente para mostrar conhecimento, ou seja, roubar o show. :)
Caro Igor,
ResponderExcluirObrigado pelos comentários e apareça sempre!
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Alvaro Augusto