segunda-feira, março 28, 2011

Preços da energia elétrica em alta para consumidores cativos

De acordo com a IEA (International Energy Agency), o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de energia hidrelétrica, perdendo apenas para China e Canadá. Em 2010 nossa produção de hidreletricidade foi de 370 TWh, correspondendo a 11,2% da produção mundial desse tipo de energia [1]. Em termos percentuais, nossos 79,8% de geração hidrelétrica perdem apenas para os 98,5% da Noruega. Considerando que a hidreletricidade é o tipo mais barato de energia, nossos preços de energia elétrica deveriam estar também entre os mais baixos. Contudo, isso não acontece e, na verdade, o Brasil está em terceiro lugar no ranking das tarifas mais caras, ficando atrás apenas de Itália e Eslováquia. E dois dos grandes responsáveis são fáceis de apontar: impostos e encargos setoriais.

O mais antigo encargo do setor elétrico brasileiro, a Reserva Global de Reversão (RGR), surgiu em 1957. A RGR é paga mensalmente pelas empresas concessionárias de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica e tem a finalidade de prover recursos para a reversão das concessões dos serviços públicos de energia elétrica, bem como para a expansão e melhoria dos serviços públicos de energia elétrica e financiamento de outras atividades do Governo no setor elétrico. A RGR deveria ter sido extinta ao final de 2002, mas foi inicialmente prorrogada até 2010 e finalmente prorrogada por mais 25 anos.

Outros encargos bastante pesados são a Cota de Consumo de Combustível (CCC) e a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). A CCC foi criada em 1973 e tem a finalidade de subsidiar a compra de combustíveis fósseis para geração de energia elétrica. A CDE foi criada em 2002, em decorrência do racionamento energético de 2001/2002, e tem a finalidade de promover a competitividade da energia produzida a partir de fontes eólicas, biomassa, gás natural, carvão mineral e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), bem como estimular a universalização do serviço de energia elétrica.

Além dos encargos acima, temos a Taxa de Fiscalização de Energia Elétrica (TFSEE), criada em 1996 para manter as atividades da ANEEL, o Encargo de Serviço do Sistema (ESS), cuja finalidade é cobrir os custos com o combustível das usinas térmicas despachadas fora da ordem de mérito, e a Compensação Financeira pelo Uso de Recursos Hídricos (CFURH), que provê recursos para os Estados e Municípios afetados pelos reservatórios de usinas hidrelétricas. Finalmente, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de energia Elétrica (PROINFA), criado também como consequência do racionamento de 2001/2002, procurou incentivar a produção independente em energia eólica, biomassa e PCHs. Todavia, o governo atual, bem como o anterior, tem procurado evitar programas como o PROINFA, preferindo os leilões de energia alternativa no ACR (Ambiente de Contratação Regulada, destinado ao atendimento dos consumidores cativos). Mesmo assim, a conta dos projetos já implantados pelo PROINFA deverá ser paga pelo consumidor durante ainda muito tempo.

De acordo com um estudo da FGV em conjunto com a Abrace [2], as tarifas de energia seriam 24% menores se não fossem os encargos setoriais. Além disso, o PIB brasileiro aumentaria em R$ 540 bilhões entre 2011 e 2020 em decorrência da extinção dos encargos, pois a redução das tarifas estimularia o aumento da competitividade empresarial. Infelizmente, tudo indica que a situação não mudará, pois boa parte da arrecadação com encargos é contingenciada pelo Governo para fechar suas contas.

Um segundo estudo [3], realizado pela consultoria Andrade&Canellas a pedido das associações Abrace, Abal, Abividro, IABr e Abrafe indica que, até 2015, a expectativa é de que o aumento real (sem inflação) das tarifas seja de 8% para consumidores residenciais e 19% para os industriais, supondo que as políticas tributária e de encargos permaneçam as mesmas. O estudo aborda também o aumento dos preços da energia em si. Desde 2005, por exemplo, o ACR contratou quase 10 GW de termelétricas a diesel e a óleo combustível, com preços entre R$ 139/MWh e R$ 164/MWh somente pela disponibilidade (ou seja, se tais usinas precisarem ser acionadas, o custo sobe ainda mais, por causa do combustível gasto). De acordo com o estudo, a contratação de tais usinas elevou o custo médio da energia vendida no ACR de R$ 75/MWh, em 2005, para R$ 102/MWh, em 2010.

É esse o impasse no qual o Brasil se encontra: para continuarmos a crescer economicamente, precisaremos de energia elétrica barata e competitiva. Entretanto, de um lado temos a pressão dos encargos e impostos, que encarecem diretamente a energia e não dão mostras de redução futura. Do outro, temos uma dificuldade cada vez maior para aprovar e construir aproveitamentos hidrelétricos de grande porte. E, se não pudermos construir grandes hidrelétricas e nem usinas nucleares (por causa do aumento da percepção de risco decorrente do acidente em Fukushima, no Japão), só nos restará, além de investir em fontes de energia limpa, como PCHs, usinas eólicas e de biomassa, construir usinas termelétricas a gás e a carvão, sem falar nas usinas a diesel e a óleo combustível, caríssimas e poluentes.

Os consumidores livres pagam todos os encargos acima, mas, ao contrário dos cativos, podem administrar mais eficientemente seus contratos de compra e venda de energia. Em vez de comprarem energia de um "mix" de usinas, a um preço médio, como fazem os cativos (mesmo que não saibam), os consumidores livres podem definir bilateralmente todos os itens de seus contratos, obtendo reduções de preço e maior flexibilidade. Infelizmente, consumidores residenciais ainda não podem se tornar livres no Brasil, ao contrário do que ocorre em vários países, e tais vantagens só podem ser obtidas por consumidores de alta tensão.

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[1] IEA. "Key world energy statistics". 2010. Disponível em http://www.iea.org/textbase/nppdf/free/2010/key_stats_2010.pdf
[2] O GLOBO. "Sem encargos, conta de luz seria até 24% menor". 27/02/2011. Disponível em http://www.abrace.org.br/port/noticias/ler.asp?id=19905
[3] O GLOBO. "Conta de luz deve subir 8% para o consumidor até 2015, diz estudo". 07/03/2011. Disponível em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2011/03/conta-de-luz-deve-subir-8-para-o-consumidor-ate-2015-diz-estudo.html

Um pouco mais sobre Consumidores Especiais

Os consumidores especiais têm atraído cada vez mais atenção do mercado de energia elétrica. Ao final de 2010, dentre os 940 agentes registrados na CCEE, 455 (quase metade do total) eram agentes consumidores especiais. Além disso, enquanto o número de consumidores convencionais aumentou apenas 9% entre dezembro de 2009 e dezembro de 2010, o número de consumidores especiais aumentou 106%. O consumo dessa classe em 2010 foi de aproximadamente 1.000 MW médios, ou 2% do consumo nacional, e o potencial de expansão é estimado em 10.000 MW médios. Em outras palavras, o mercado de consumidores especiais pode atingir, nos próximos anos, 10 vezes o seu tamanho atual.

Consumidores especiais são aqueles cuja demanda é superior a 500 kW e que consomem energia de fontes alternativas, tais como PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), usinas de biomassa, usinas eólicas e usinas  solares. Por causa dos custos de geração envolvidos, entretanto, até o momento os consumidores especiais têm fechado contratos apenas com PCHs e usinas de biomassa. É possível que contratos com usinas eólicas venham a ser fechados em breve, mas usinas solares, por causa de seus elevados custos de geração, ainda deverão esperar algum tempo.

PCHs e usinas de biomassa têm direito a um desconto de pelo menos 50% na TUSD, sendo por isso denominadas fontes incentivadas. As PCHs, em particular, são isentas da CFURH (Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos), da RGR (Reserva Global de Reversão) e de investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). Quando consomem energia de fontes incentivadas, os consumidores especiais "herdam" da fonte o direito ao desconto na TUSD, passando a ser denominados consumidores incentivados.

Consumidores especiais já existiam em 2004, quando a reforma setorial tornou obrigatório que os consumidores livres e consumidores especiais se tornassem agentes da CCEE. Antes, na época do MAE, os consumidores podiam ser representados por uma comercializadora, esta sim obrigatoriamente agente do MAE. Embora tal mudança não tenha impedido o aumento do número de consumidores especiais, a migração para o Mercado Livre tornou-se mais lenta e burocrática, pois, antes de ter suas unidades modeladas, o consumidor deve se tornar agente da CCEE, o que exige um grande número de documentos.

Como forma de flexibilizar a migração e a operação dos consumidores especiais, e somente destes, a CCEE está atualmente estudando a criação da figura do comercializador varejista. Uma vez aprovado esse tipo de operação, o consumidor especial passará a ser tratado como agente vinculado, transferindo suas responsabilidades para o comercializador por ele contratado, conforme ilustrado na figura abaixo. Em vez de se relacionar com a CCEE e o comercializador, como ocorre atualmente, o consumidor vinculado se relacionará apenas com o comercializador varejista, reduzindo burocracia e custos.


Alguns documentos deixarão de ser exigidos, tais como o Termo de Compromisso, o Termo de Adesão e o Contrato com o SCL (Sistema de Contabilização e Liquidação). O consumidor vinculado não precisará mais abrir conta bancária, como exigido atualmente, pois toda a movimentação financeira será feita pelo comercializador varejista, o qual ficará também responsável pela contabilização, liquidação, aporte de garantias, pagamento de encargos e pagamento de penalidades. O relacionamento entre consumidor vinculado e comercializadora varejista poderá se dar via contrato de prestação de serviços, como ocorre atualmente, mas com cláusulas e responsabilidades adicionais.

Outra novidade é que, de acordo com a proposta, o envio dos dados de medição ao SCDE (Sistema de Coleta de Dados de Energia Elétrica) será feito pela distribuidora local, não mais pelo consumidor. Este precisará manter apenas o medidor principal, ficando dispensado do medidor de retaguarda e do canal de comunicação exclusivo entre o medidor e a CCEE. A apresentação de contratos de compra e venda de energia continuará obrigatória e algumas providências serão tomadas para proteger o consumidor caso o comercializador seja desligado da CCEE.