segunda-feira, maio 12, 2008

Aos 90 anos de nascimento de Richard P. Feynman

Richard P. Feynman (1918 – 1988), que teria feito 90 anos ontem, foi possivelmente o maior físico norte-americano do século XX. Alguns poucos brasileiros tiveram contato com ele nas vezes em que ele esteve por aqui, outros ficaram sabendo dele através das "Feynman Lectures on Physics", um conjunto de três volumes sobre física introdutória, e a maioria o conheceu quando a Editora Gradiva, de Lisboa, publicou a tradução de sua autobiografia "Surely You’re Joking, Mr. Feynman", em 1988.

Autobiografias de grandes homens são sempre perigosas. Einstein, ao escrever suas “Notas Autobiográficas”, foi criticado por ter se concentrado excessivamente na física, deixando os detalhes pessoais de lado. Feynman, por outro lado, foi criticado por ter se concentrado excessivamente nos detalhes de sua vida pessoal, deixando a física de lado. Na época do lançamento da edição original de "Surely You’re Joking" (1985), um editorial do American Journal of Physics o descreveu como “um gigante com pés de barros”, por causa de seus hábitos pouco acadêmicos: freqüentava bares de strip-tease, tocava bongô em todos os lugares por onde passava, não se preocupava em interagir com “gente comum”, desfilou no carnaval do Rio de Janeiro e participou de experiências psicológicas sobre “estados alterados”, as quais envolviam a imersão em tanques de privação dos sentidos e, de vez em quando, como ele confessou em sua autobiografia, o uso de um pouco de maconha.

Não sei se Feynman tinha pés de barro, mas ele certamente tinha pés humanos e não se esforçava em esconder essa humanidade e o desapego ao formalismo, como deixa transparecer nos “dados biográficos” fornecidos por ele na introdução de “Surely You’re Joking”:

Alguns fatos sobre minha vida: nasci em 1918, numa cidadezinha chamada Far Rockway, nos arredores de Nova Iorque, perto do mar. Vivi lá até 1935, tinha então 17 anos. Freqüentei o MIT durante quatro anos e depois fui para Princeton, por volta de 1939. Enquanto estive em Princeton comecei a trabalhar no Projeto Manhattan e fui finalmente para Los Alamos em abril de 1943, até as alturas de outubro ou novembro de 1946, quando fui para Cornell.

Casei-me com Arlene em 1941 e ela morreu de tuberculose enquanto eu estava em Los Alamos, em 1946.

Estive em Cornell mais ou menos até 1951. Visitei o Brasil no verão de 1949 e passei lá meio ano em 1951, indo depois para o Caltech, onde tenho estado desde então.

Estive no Japão umas semanas em 1951 e voltei lá passado um ano ou dois, logo depois de ter casado com a minha segunda mulher, Mary Lou.

Agora estou casado com Gweneth, que é inglesa, e temos dois filhos: Carl e Michelle.


Há duas omissões importantes nesses curtos dados autobiográficos: a menção aos trabalhos de Feynman em eletrodinâmica quântica, que lhe renderam o Nobel de física de 1965, e a menção à conquista do próprio prêmio Nobel. Também é curioso que ele tenha omitido o Nobel, mas citado o Brasil.

Feynman falava português com certa fluência. Ele conta ter conhecido o físico brasileiro Jaime Tiomno (n. 1920) em um seminário de física em Nova Iorque, no final dos anos 1940. Pouco depois, Tiomno conseguiu uma colocação para Feynman no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio de Janeiro, onde ele viria a passar um semestre em 1951, tentando ensinar física aos estudantes brasileiros.

As observações de Feynman sobre a educação brasileira não são nem um pouco agradáveis. Por exemplo, ele ficou particularmente irritado quando descobriu que os alunos estavam acostumados a decorar tudo, mas não eram capazes de aprender nada. No fim do ano letivo, ao dar uma palestra sobre suas experiências de ensino no Brasil, ele comentou: “o principal objetivo da minha palestra é mostrar que no Brasil não se ensina ciência alguma!”. Pode-se imaginar a confusão causada com tal declaração. Todavia, ele tinha argumentos consistentes e, no final da palestra, os professores e autoridades presentes acabaram por concordar com ele.

Há outro detalhe no conflito entre Feynman e a educação brasileira: ele insistia que o valor que damos a definições dicionarísticas de conceitos (palavras em termos de outras palavras) era exagerado. Em vez disso, deveríamos valorizar o real aprendizado dos conceitos, pois as palavras podem ser expressas em muitas línguas, enquanto os conceitos são universais. Só para citar um dentre inúmeros exemplos, grande parte de nossos estudantes de engenharia elétrica aprende que o termo “correto” a ser usado é “tensão elétrica”, e não “voltagem”. Contudo, esses mesmos estudantes muitas vezes falham ao serem solicitados a diferenciar “força eletromotriz” de “diferença de potencial”. As palavras corretas são importantes, especialmente quando os alunos forem escrever seus próprios artigos técnicos, mas os conceitos são muito mais importantes.

Em defesa dos professores brasileiros, vale ressaltar que o ensino da física no Brasil, por volta do início da década de 1950, estava em seu início. O CBPF havia sido fundado somente em janeiro de 1949, por Jaime Tiomno, César Lattes e José Leite Lopes. Antes disso, a física no Brasil era largamente ensinada por engenheiros ou por pesquisadores formados em outros países. Albert Einstein, por exemplo, quando esteve por aqui em 1925, foi recebido por matemáticos, não por físicos. Hoje, pouco menos de 60 anos depois da passagem de Feynman por aqui, já estamos em condições de exportar cérebros, não somente de importá-los. Também já temos inúmeros professores e pesquisadores capazes de ensinar no “estilo Feynman”. Contudo, o resto do mundo também evoluiu e melhorou, de forma que o caminho à frente ainda é longo em todas as áreas do conhecimento.

Quando visitou o Brasil, Feynman ainda estava a uma década e meia de se transformar na lenda viva que viria a ser. Por causa de sua personalidade exuberante e de sua grande capacidade didática, Feynman tornou-se muito mais conhecido do que os outros dois físicos com os quais dividiu o Nobel de 1965: Julian Schwinger (1918 – 1994) e Sin-Itiro Tomonaga (1906 – 1979). É por essa razão que quem quiser conhecer Feynman não encontrará grandes dificuldades, pois há muitos livros dele e sobre ele, traduzidos ou escritos diretamente em português. Para quem quiser conhecer o trabalho dele, por outro lado, o melhor caminho é começar pelas "Feynman Lectures on Physics", recentemente traduzidas pela editora Artmed sob o título “Lições de Física”. Os artigos técnicos de Feynman são em geral inacessíveis aos leigos, mas as "Lectures" continuam legíveis, atuais e instigantes, 42 anos depois de seu lançamento em língua inglesa.

quinta-feira, maio 08, 2008

As "Feynman Lectures" em português

Com apenas 42 anos de atraso, as Feynman Lectures on Physics acabam de receber uma tradução para o português, sob o título “Lições de Física”. A editora é a Artmed e o preço de lançamento é R$ 248 (apenas um pouco mais salgado do que o original em inglês, que custa US$ 133, cerca de R$ 224 ao câmbio do dia, frete incluso). A edição da Artmed é baseada naquela que recebeu o subtítulo “Edição Definitiva”, contendo os três volumes originais e mais 176 páginas de “dicas de física”.

As Feynman Lectures são o resultado de um curso introdutório de física, lecionado por Richard Feynman (1918 – 1988) no Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech). O curso foi oferecido uma única vez, entre 1961 e 1963. Posteriormente, entre 1964 e 1966, as Lectures foram editadas por Robert Leighton e Matthew Sands e publicadas em forma de livro. Em 1965, Feynman, já uma lenda da física aos 47 anos, dividiu o prêmio Nobel de Física com Julian Schwinger e Sin-Itiro Tomonaga, por seus trabalhos sobre eletrodinâmica quântica.

Feynman foi possivelmente o maior físico norte-americano do século XX. Tive sorte de descobri-lo bem no iníco da minha vida universitária, quando encontrei os dois primeiros volumes das Lectures on Physics na biblioteca do CEFET-PR. A diferença entre aquilo que os professores de física ensinavam e o conteúdo das Lectures era realmente impressionante e temo que a situação não tenha mudado. Foi um choque, mas, a muito custo, consegui acabar a leitura dos dois primeiros volumes (Mecânica Clássica e Eletromagnetismo) e ainda uma parte do terceiro (Mecânica Quântica), que consegui emprestado de outra biblioteca.

Vamos esperar que os estudantes brasileiros de engenharia e de física possam se beneficiar dessas Lições de Física da mesma forma que os leitores da língua inglesa até então. Assim, respirem fundo, pois são 1798 páginas!