segunda-feira, julho 31, 2006

À frente do nosso tempo

O texto a seguir é a íntegra daquele publicado em 30/07/06 na revista do jornal O Estado do Paraná (O Estado Revista). A introdução é de Abonico Ricardo Smith e as duas últimas resenhas são do Fabrício Muller, umas das duas pessoas que conheço que leu tudo ou quase tudo de Tolstoi, Dostoievsky e Thomas Mann (além de Balzac no original, mas isso qualquer um faz). O resto foi escrito por mim.
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À FRENTE DO NOSSO TEMPO
Saiba um pouco mais sobre clássicos literários com histórias recheadas de tecnologia
Augusto de Almeida e Fabrício Muller
Especial para O Estado Revista

Na Wikipédia - a enciclopédia virtual na qual qualquer um pode escrever ou alterar qualquer verbete - consta: "ficção científica é "uma forma de ficção desenvolvida no Século 20, que lida principalmente com o impacto da ciência, tanto verdadeira como imaginada, sobre a sociedade ou os indivíduos. O termo é usado, de forma mais geral, para definir qualquer fantasia literária que inclua o fator ciência como componente essencial. Portanto, a literatura sempre foi um campo bastante fértil para autores criativos que não dispensam histórias onde a tecnologia é, de alguma forma, elemento indispensável. Nesta edição especial sobre tecnologia, O Estado Revista lista os clássicos sci-fi que você não pode deixar de ler. Quase todos ganharam versões cinematográficas e estão disponíveis também em DVD nas locadoras.

A Guerra dos Mundos, H.G. Wells (Itatiaia, 171 páginas)
Em linhas gerais, podemos dizer que existem dois tipos de histórias de invasão alienígena. Em um deles, o mais sutil, que geralmente ocupa telas de cinema e televisão, os alienígenas dominam a Terra aos poucos, como um vírus que se espalha lentamente, tomando mentes e corpos, usando tecnologia avançada ou simplesmente recursos biológicos. Esse é o caso do filme "Invasores de Corpos" (1956) e do seriado televisivo "Invasion" (2005). O segundo tipo, muito mais antigo, foi fundado por H. G. Wells (1866 - 1946) em seu "A Guerra dos Mundos" (1898) e trata da invasão militar por meio da força bruta. Os alienígenas de Wells são inteligentes, frios e raivosos e pretendem transformar a raça humana em animais de carga e de corte. Mas, mesmo tendo estudado a Terra durante muito tempo, os marcianos são derrotados por um inimigo invisível: o micróbio. Embora um clássico, vertido duas vezes para as telas do cinema e tendo inspirado filmes desde o oportunista "Independence Day" (1996) até o sarcástico "Marte Ataca!" (1996), sem falar na catastrófica adaptação radiofônica de Orson Welles (1938), o final de "A Guerra dos Mundos" nada mais é do que um deus ex-machina: quando tudo parece perdido, os micróbios descem dos céus e resolvem a questão. Apesar disso, Wells deixou no ar também um final alternativo, mesmo que somente como uma espécie de profecia pessimista de um certo soldado da artilharia com o qual o narrador se encontra. Nesse final, os marcianos se estabeleceriam na Terra e governariam os humanos por milênios, passando a nos tratar da maneira gentil como tratamos os outros animais, escravizando a maioria de nós e transformando alguns outros em animais de estimação. Este é certamente um final mais provável, mas somente dentro do universo improvável no qual uma raça super-avançada cruza o espaço interplanetário somente para fazer churrasco.

Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley (Globo, 309 páginas)
No século XXVI, os habitantes de Londres são produzidos em série, programados com auxílio de "hipnopédia" e controlados por meio de drogas, de modo a desempenharem adequadamente seus papéis sociais (os "alfas" são diretores e gerentes, os "betas" são trabalhadores qualificados, os "gamas" são trabalhadores braçais e assim por diante até os níveis mais baixos). As guerras e a pobreza não mais existem, pois as pessoas são controladas de maneira a não desejarem nada capaz de colocar em risco a ordem social. O progresso também não existe mais, pois a sociedade já atingiu o máximo desenvolvimento possível. Tudo seria perfeito se não fossem, é claro, um ou dois detalhes. Nesse "Admirável Mundo Novo" (1932) do britânico Aldous Huxley (1894 - 1966), a família foi também eliminada, juntamente com a arte, a literatura, a ciência, a religião e toda a diversidade cultural. Além disso, seres humanos normais (os "selvagens") continuam existindo, vivendo em reservas fora dos limites das cidades. Quando o mundo asséptico dos alfas, betas e gamas entra em contato com o mundo dos selvagens, o conflito eclode e as diferenças são expostas.

É interessante notar que, para construir uma sociedade utopicamente automatizada, Huxley tomou como base as linhas de produção de Henry Ford. Contudo, por volta de 1932, quando o romance foi escrito, o modelo de produção de Ford já estava em decadência, tendo sido substituído pelo modelo diversificado e mais mercadológico de Alfred Sloan, da General Motors. Também é curioso notar que Huxley não menciona o termo "engenharia genética", pois o DNA só viria a ser descoberto na década de 50. Mas, mesmo que fosse projetada e construída por meio da engenharia genética, a sociedade imaginada por Huxley provavelmente seria tão instável quanto qualquer outra. A natureza humana é incontrolável.

Contato, Carl Sagan (Companhia das Letras, 416 páginas)
O astrônomo Carl Sagan (1934 - 1996) ficou conhecido do grande público por meio da série televisiva de divulgação científica "Cosmos" (1980), na qual o cientista discute uma série de problemas relacionados ao universo e à vida. Em 1985, Sagan publicou "Contato", seu primeiro e único romance, que descreve as aventuras da astrônoma Eleanor "Ellie" Arroway, alter-ego de Sagan, em busca de inteligência extraterrestre. O romance gira em torno da construção da "Máquina", uma espécie de nave espacial de propósito desconhecido, cujo projeto havia sido enviado para os terráqueos por supostas criaturas extraterrestres super-inteligentes. Após construir a nave, Ellie e uma equipe internacional de cientistas embarcam em uma jornada rumo ao desconhecido, no final da qual se encontram com os projetistas da "Máquina". Os extraterrestres aparecem, decepcionantemente, com a aparência dos entes queridos de cada um dos tripulantes, não revelam grandes mistérios universais e declaram-se paternalmente preocupados com a raça humana ("aqueles nazistas aos berros deixaram claro que vocês estavam em apuros, mas a música de Beethoven nos mostrou que ainda havia esperança").

Sagan usa "Contato" como cenário para expor suas idéias a respeito de seus assuntos prediletos, como a busca por inteligência extraterrestre, religião, ateísmo, ceticismo, astronomia e ciência em geral. É curioso que Sagan, um dos grandes divulgadores do ceticismo científico, tenha escrito um romance tão repleto de significado religioso. Em vez de buscar a um Deus abramânico, onisciente e onipotente, Sagan busca contato com seres extraterrestres altamente evoluídos, capazes de viagens interestelares, telepatia e experiências em galactogênese artificial. Talvez os psicanalistas estejam certos quando dizem que o ser humano só consegue se definir e se identificar quando em contato com o outro. E, nessa era de crescente globalização, em que todas as pessoas começam a se tornar muito parecidas e quando não existem mais civilizações misteriosas a serem descobertas, é possível que os extraterrestres sejam o "derradeiro outro". A busca por eles é, portanto, a busca por nós mesmos.

Parque dos Dinossauros, Michael Crichton (Best Seller, 473 páginas)
Michael Crichton (n. 1942) é freqüentemente considerado como o criador do techno-thriller, gênero literário que mistura ação, guerra (conforme o caso) e ficção científica, com grande profusão de detalhes técnicos. Em "Parque dos Dinossauros" (1990), Crichton conta a história de um parque temático no qual dinossauros foram recriados a partir de DNA fóssil. Antes da abertura ao público, as empresas de seguro exigem que uma equipe de cientistas (dois paleontólogos e um matemático especializado em teoria do caos) faça uma auditoria das instalações. Durante a visita, os dinossauros fogem ao controle e provocam muita destruição e morte. Embora freqüentemente use seus livros para apresentar novas descobertas científicas, Crichton sempre envolve suas histórias em uma aura de "complexo de Frankenstein", aquele pressuposto segundo o qual a criatura se volta contra o criador. Apesar disso, o livro abriu um debate científico sobre as reais possibilidades de se clonar seres extintos, além de apresentar ao grande público a teoria de que os dinossauros teriam sido criaturas de sangue quente e muito bem adaptados ao meio-ambiente ancestral.

2001: Uma Odisséia no Espaço, Arthur C. Clarke
"2001: Uma Odisséia no Espaço" (2001: A Space Odyssey, 1968) foi escrito por Arthur C. Clarke (n. 1917) concomitantemente com o roteiro da versão cinematográfica de Stanley Kubrick. A história começa quando uma antiga raça alienígena, na África, há três milhões de anos, usa uma espécie de monolito para ensinar alguns hominídeos a construir armas e começar a comer carne. Posteriormente, já em 1999, o monolito reaparece na Lua, onde é descoberto por uma expedição. Dois anos depois, entra em cena a espaçonave Discovery, tripulada por David Bowman, Frank Poole, três astronautas em animação suspensa e pelo computador HAL. A nave está em missão a Japeto, lua de Júpiter. HAL começa a apresentar certos defeitos (identificados por alguns como uma espécie de paranóia cibernética) e passa a acreditar que os astronautas estão colocando a missão em risco. Após matar os astronautas em hibernação, arremessar Poole ao espaço e quase matar Bowman, HAL é finalmente desligado pelo astronauta sobrevivente. Sem condições de retornar à Terra, Bowman continua se aproximando de Japeto. Ao embarcar em atividade extra-veicular para investigar o monolito recém-descoberto em órbita da lua, Bowman é engolido por ele, transformando-se em um ser imortal, capaz de viajar pelas estrelas: a "criança estelar". Tanto o livro quanto o filme levantam mais perguntas do que as respondem, tocando em assuntos que transitam entre a evolução humana, contato com seres extraterrestres, inteligência artificial e os perigos da tecnologia e da exploração espacial. As relações entre a humanidade e os construtores dos monolitos ficam mais claras nos livros seguintes: "2010: Odyssey Two" (1982), "2061: Odyssey III" (1988) e "3001: Final Odyssey" (1997). Ao leitor que porventura pense que os alienígenas da serie "Odisséia" são místicos ou espirituais demais, fica o recado da terceira lei de Clarke: "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia".

O Guia do Mochileiro das Galáxias, Douglas Adams (Sextante, em quatro volumes: O Guia do Mochileiro das Galáxias - vol. 1 ; O Restaurante no Fim do Universo - vol. 2 ; A Vida, o Universo e Tudo Mais - vol. 3 ; Até Mais, e Obrigado Pelos Peixes! - vol. 4)
Em uma bela manhã inglesa, o inglês Arthur Dent descobre que sua casa inglesa será demolida para dar passagem a uma nova rodovia. Pior do que isso, pouco depois ele descobre que seu amigo Ford Prefect é na verdade um alienígena nascido em um pequeno planeta na vizinhança de Betelgeuse. Muito pior ainda, ele descobre que em breve a Terra será destruída pelos vogons, alienígenas emburrados, para dar passagem a uma nova rodovia hiperespacial. Pegando carona em uma nave vogon e com auxílio do Guia do Mochileiro das Galáxias, Prefect e Dent iniciam uma viagem pelo universo, visitam o lendário planeta Magrathea, onde há muito vicejou uma indústria de construção de planetas, e descobrem que a Terra era um supercomputador construído por uma raça de seres pan-dimensionais, conhecidos por aqui como "camundongos", com o objetivo de responder à pergunta definitiva sobre a vida, o universo e tudo mais. Contudo, os vogons destruíram a Terra cinco minutos antes da finalização do programa que estava rodando há 10 milhões de anos!

Com sua prosa sarcástica e repleta de nonsense, Douglas Adams (1952 - 2001) conta uma história absurda, com personagens absurdos vivendo situações absurdas. Contudo, o que é mais absurdo: destruir um planeta para construir uma rodovia hiperespacial, ou destruir um país inteiro para resgatar um ou dois soldados? O humor de Adams agrada a muitos, pois os alienígenas retratados por ele são humanos, muito humanos, e desagrada a outros tantos, provavelmente pela mesma razão. Para felicidade dos fãs, Adams continuou sua sátira em "O Restaurante no Fim do Universo" (1980), "A Vida, o Universo e Tudo Mais" (1982) e "Até mais, e Obrigado pelos Peixes!" (1984). O quinto livro da série, Mostly Harmless (1992), ainda não foi lançado no Brasil. A pergunta sobre a vida, o universo e tudo mais foi finalmente respondida, mas até o momento ninguém entendeu a resposta.

Eu, Robô, Isaac Asimov (Ediouro, 320 páginas)
Em "Eu, Robô" (1950), Isaac Asimov (1920 - 1992) nos apresenta nove contos publicados nas pulp magazines Super Science Stories e Astounding Science Fiction entre os anos 40 e 50. Os contos são entrelaçados por meio de uma entrevista dada pela Dra. Susan Calvin, primeira robô-psicóloga da história, a um repórter, e cobrem desde o aparecimento dos primeiros robôs positrônicos na Terra até o advento das viagens hiperespaciais, desenvolvidas com auxílio de cérebros positrônicos. Asimov cria um conjunto de "leis da robótica" e usa seus robôs humanóides para testar situações nas quais as leis entram em conflito. Em dada altura, um robô é fabricado com um defeito que lhe confere a capacidade de ler mentes humanas. Ninguém sabe qual o defeito, exceto o robô. O conflito aparece quando a Dra. Calvin ordena que o robô lhe conte como reproduzir tal defeito. Caso não obedeça, o robô entrará em conflito com a segunda lei ("um robô deve obedecer às ordens dadas pelos humanos, a não ser naquelas situações em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei"). Contudo, podendo ler a mente da Dra. Calvin, o robô sabe que ela ficará desapontada quando descobrir que ele é capaz de saber algo sobre os cérebros positrônicos que ela não sabe. Assim, caso obedeça à ordem, ele causará mal a um ser humano e entrará em conflito com a primeira lei ("um robô não pode causar mal a um ser humano, ou, por inação, permitir que um ser humano sofra um mal"). Como resultado, o pobre robô entra em um dilema deôntico e coloca sua existência em risco, entrando em conflito com a terceira lei ("um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira e a segunda leis").

Asimov domina com maestria essas situações de conflito envolvendo as leis da robótica, mesmo que elas não passem de conflitos humanos simplificados. Não sendo um grande construtor de personagens humanos, Asimov tornou-se um grande construtor de personagens robóticos. Antes dele, os robôs já existiam na ficção científica, mas eram vistos como meros servos ou então como ameaça no estilo "Frankenstein". É curioso que Asimov tenha passado à historia como o escritor que conseguiu humanizar os robôs, ao mesmo tempo em que robotizou os personagens humanos.

Solaris, Stanislaw Lem (Relume Dumará, 272 páginas)
Em "Solaris" (1961), Slanislaw Lem (1921 - 2006) aborda o tema do encontro entre seres humanos e uma criatura alienígena não humanóide. Em vez de se dedicar a uma gosma esverdeada fantasmagórica flutuante, Lem nos apresenta o planeta Solaris, cujo oceano é um único organismo vivo, com demonstrações de inteligência e consciência, embora em um sentido completamente alienígena. Enquanto todas as tentativas de comunicação falham, o oceano de Solaris parece se divertir com os humanos, vasculhando-lhes o inconsciente e tirando deles lembranças dolorosas do passado, as quais são materializadas em forma de pessoas e apresentadas aos pesquisadores. Kris Kelvin, o protagonista, é enviado ao planeta e emerge inadvertidamente em meio à confusão. Rapidamente Kelvin passa a receber a visita de sua ex-mulher Rheya, que havia cometido suicídio depois de se separar dele. Diferentemente do final ameno na recente adaptação para o cinema, Lem não nos oferece soluções definitivas para os conflitos emocionais que se instauram na mente de Kelvin e na da mulher sintética, recriada à perfeição pelo Oceano. Em vez disso, Lem deixa claro que nosso antropomorfismo ocidental, segundo o qual o homem é a medida de todas as coisas, é irrelevante em termos universais. Se o homem sempre se projeta no universo, em Solaris é o universo que se projeta no homem. E isso é insuportável para nossos cérebros ego-centrados.

As Crônicas Marcianas, Ray Bradbury (Globo, 304 páginas)
"As Crônicas Marcianas" (1950) formam um conjunto de contos publicados por Ray Bradbury (n. 1920) nos anos 40, apenas levemente costuradas em forma de livro e nem sempre pertencentes ao mesmo universo ficcional. Esqueça tudo o que você sabe sobre Marte. Esqueça as descobertas atuais e esqueça o pouco que se sabia sobre esse planeta na década de 40. Em vez de um planeta frio, árido e de atmosfera tênue, Bradbury nos apresenta um Marte que só poderia existir em um universo paralelo: quente, respirável, repleto de canais construídos por uma civilização antiga, habitado por marcianos românticos e sonhadores. Fugindo de uma Terra tumultuada, os seres humanos começam a ocupar Marte lentamente, chegando com seus foguetes, construindo cidades humanas e fazendo piqueniques humanos. O futuro da Terra é incerto e a esperança parece residir em outro planeta. Bradbury, o poeta da ficção científica, escrevendo no início da Guerra Fria, aproveita para expor suas preocupações acerca do progresso tecnológico, imperialismo, poluição, censura, guerra nuclear e valores familiares. "As pessoas me pedem para prever o futuro, quando tudo que eu quero é preveni-lo", diz ele.

O Homem de Dois Mundos, Frank Herbert e Brian Herbert
Frank Herbert (1920 - 1966) é mais conhecido como autor dos livros da série "Duna". Em "O Homem de Dois Mundos" (1986), ele se une ao seu filho Brian para contar a história do encontro entre os dreens e os seres humanos. Os dreens, os seres mais poderosos do universo, vivem no distante planeta Dreenor. Tudo que existe no universo, vivo ou inanimado, é fruto da imaginação dos dreens, ou melhor, da "idmaginação". Em um canto escuro da galáxia, entretanto, franceses e chineses lutam pelo domínio do planeta Vênus e estão prestes a descobrir o segredo das viagens interestelares. Se essa espécie primitiva e beligerante chegar até Dreenor, será o fim do universo. Os anciãos de Dreenor resolvem então destruir a Terra. Antes que isso aconteça, um adolescente dreen, chamado Ryll, embarca em uma viagem não autorizada até a Terra. Ao colidir com uma nave terrestre, Ryll sofre ferimentos graves e é forçado a se fundir a Lutt, um humano. Um só corpo e duas mentes: um alienígena ingênuo e um terráqueo agressivo. Se alguma coisa acontecer a Dreenor, restará a Ryll, e a apenas outro dreen, a tarefa de manter o universo no lugar, com um agravante: os dreens ficam chapados com manjericão, planta da qual a Terra está cheia! As inquietações existenciais de Frank, temperadas pelo humor e cinismo de Brian Herbert, produziram um misto sem igual de fantasia e ficção científica.

1984, George Orwell (Nacional, 302 páginas)
"1984", de George Orwell (1903 - 1950) é provavelmente uma distopia mais conhecida do que "Admirável Mundo Novo". Uma das razões talvez seja a crença de que os eventos descritos por Orwell tinham data marcada para acontecer e, de fato, por volta de 1984 houve muita agitação em torno do livro. Contudo, acredita-se que o título do livro, que originalmente se chamava "O Último Homem na Europa", venha de uma simples troca dos últimos dígitos do ano em que Orwell acabou de escrevê-lo: 1948. Outra razão é que a sociedade de "1984" é mais verossímel do que a de "Admirável Mundo Novo". Nunca existiu na Terra uma sociedade cientificamente planejada e controlada como a de Huxley, mas todos presenciamos tentativas de construção de sociedades totalitárias como a de Orwell. Referências ao "Grande Irmão" nos apavoram, pouquíssimos de nós apreciam a opressão maciça e nosso amor pela liberdade de expressão é grande a ponto do governo cubano nunca ter repelido hordas de norte-americanos cruzando o mar rumo a Havana. Se Huxley retrata uma sociedade que retira a liberdade de seus cidadãos por meio de drogas, engenharia social e lavagem cerebral, Orwell retrata uma sociedade que retira a liberdade por meio da opressão, da violência e da instauração do temor coletivo. Difícil decidir qual a mais aterradora.

A Mão Esquerda da Escuridão, Ursula Le Guin
Ursula Le Guin já foi definida como uma escritora de ficção científica para quem não gosta de ficção científica. Apesar disso, "A Mão Esquerda da Escuridão" arrematou os mais cobiçados prêmios do gênero: o Nebula, em 1969, e o Hugo, em 1970. No livro, Genly Ai é o representante de uma federação galáctica de mundos cujo objetivo é arrebanhar o gelado mundo de Gethen. Os habitantes do planeta são humanóides não muito diferentes dos seres humanos, a não ser por uma única e importante característica: eles são andróginos. Durante três semanas de cada mês, os gethenianos são biologicamente neutros, e durante a semana restante podem ser macho ou fêmea, dependendo das interações entre os feromônios de um possível parceiro. A tese de Le Guin é que em uma sociedade igualitária a guerra e o nacionalismo seriam inexistentes. As nações existiriam, certamente, com diferentes culturas separadas pela distância, mas se fundiriam facilmente quando necessário. A diminuição do ímpeto pela conquista tornaria o progresso mais lento e as pessoas seriam menos apressadas. Como tal sociedade dificilmente surgiria pelas pressões evolutivas naturais, Le Guin argumenta que os gethenianos teriam sido produzidos por meio de engenharia genética, como forma de resistir aos rigores glaciais do planeta Gethen, que desempenha o papel de um personagem adicional. Uma tese fascinante, desenvolvida com talento e lirismo. O preço da paz imaginada por Le Guin, contudo, talvez seja alto demais, ao menos de um ponto de vista meramente humano.

Laranja Mecânica, Anthony Burgess : (Aleph, 200 páginas)
No início da década de 60, o britânico Anthony Burgess antevia um futuro desolador e violento, no qual jovens se dividem entre a veneração pela música erudita de Beethoven e a violência gratuita e desenfreada provocada pelas ruas. Tais atos são pontuados por uma estranha gíria criada pelo autor, o nasdat. Apesar de situado em um futuro impreciso, Laranja Mecânica reflete uma série de preocupações do autor, relacionadas à época em que ele foi escrito, no início da década de 60. As gangues mostradas no livro têm relação direta com a delinqüência juvenil de então - era época das brigas entre mods e rockers. E o método de lavagem cerebral testado no personagem principal, um líder de gangue chamado Alex, é reflexo da preocupação de Burgess com o totalitarismo da União Soviética - não por acaso, a gíria nasdat possui diversas expressões de origem russa. Laranja Mecânica teve uma extraordinária versão para o cinema (para muitos melhor que o livro) lançada em 1971 e dirigida por Stanley Kubrick.

Neuromancer, William Gibson (Aleph, 305 páginas)
Case é uma espécie de super-hacker do futuro, especializado em penetrar em sistemas corporativos para espalhar vírus e obter informações sigilosas, numa época futura em que a tecnologia consegue transformações espantosas na biologia do ser humano (como olhos computadorizados, por exemplo). Lançado originalmente em 1984, Neuromancer é o primeiro (e, segundo muitos, o melhor) dos livros de uma corrente da ficção científica chamada cyberpunk. Gibson criou um futuro assustador, no qual as organizações mafiosas e terroristas, as grandes corporações e as metrópoles atingem um padrão de gigantismo inimaginável nos dias de hoje. É um mundo praticamente sem ética, de competição acirrada e desleal, e em que os seres humanos estão constantemente preocupados com possíveis avanços da Inteligência Artificial. No livro, a fusão entre informática e vida real é tão aprofundada que, muitas vezes, esta fica em segundo plano: o mundo físico em Neuromancer é freqüentemente sujo, abandonado e decadente.

sexta-feira, julho 28, 2006

Coincidências 1

Há muitos anos, quando eu fazia parte de uma comunidade jovem de uma igreja católica (não sou mais tão jovem e muito menos católico), costumávamos jogar pingue-pongue aos domingos.

Uma bela tarde, quando quase todos já haviam se cansado, acabamos ficando eu e um sujeito novo, que não jogava muito melhor do que eu (coisa fácil), nem muito pior (coisa bastante difícil). Após algum tempo, perguntei o nome dele.

"Hércules", ele respondeu.

Então, pensei rápido, lembrando-me que Hércules e Perseu eram ambos filhos de Zeus, e perguntei:

"Então você é irmão do Perseu?"

E ele perguntou, fazendo uma cara de espanto:

"Você conhece o meu irmão?"

Bem, essas coisas acontecem o tempo todo. Os místicos dizem que coincidências não acontecem, que tudo é planejado, etc. Eu poderia ter chutado qualquer outro herói grego filho de Zeus, como Apolo ou Hermes, mas acabei citando Perseu, provavelmente por ter me lembrado do filme "Fúria de Titãs" (1981). Coincidências acontecem e o Hércules da vida real, como muitos por aí, era filho de um professor de história.

sexta-feira, julho 21, 2006

Simpósio Brasileiro de Sistemas Elétricos - SBSE 2006

O SBSE 2006 veio e se foi. O CD com os anais foi inacreditavelmente entregue no momento do registro e meu artigo está lá: "Política Tarifária e Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente de Contratação Livre".

O simpósio ocorreu no Centro de Convenções Raymundo Asforda, anexo ao Garden Hotel, Campina Grande, Paraíba. O hotel foi inaugurado em abril de 2006, como resultado de uma parceria público-privada, e tem padrão cinco estrelas. Apesar disso, nem todos os quartos estão funcionando, pois encontrei um deles que ainda vai demorar para ficar pronto. O quarto em que fiquei ainda tinha alguns resquícios de cimento aqui e lá e o carpete guardava marcas de obras recentes.

Cheguei somente no segundo dia do simpósio, às quatro horas da manhã de terça-feira, depois de quase onze horas de viagem. Peguei um taxi até o hotel e tenho quase certeza que o motorista pretendia me assaltar, pois ele fez um caminho muito estranho, pegando ruas de terra repletas de buracos, mas deve ter desistido na última hora. Amadores! Além disso, ele não tinha troco para uma corrida de R$ 20, que eu pretendia pagar com uma nota de R$ 50. Teve que voltar no outro dia para pegar o dinheiro. Na volta, já na quinta-feira, o motorista da perua (que hoje em dia todo mundo insiste em chamar de "van"), fez um caminho completamente diferente, mais curto e por ruas asfaltas.

É interessante que saí de Curitiba com 30°C e a seca mais violenta dos últimos 10 anos, mas cheguei em Campina Grande com uma temperatura mais amena e um pouco de chuva. Esse mundo do século XXI está mesmo virado de cabeça para baixo!

Tendo ido dormir depois das cinco da manhã, acordei às nove, tomei o café da manhã (muito bom, mas ainda precisando evoluir para chegar a um verdadeiro nível cinco estrelas) e fui assistir às seções técnicas, todas elas sobre sistemas de potência. Para minha surpresa, consegui entender muita coisa, mas os trabalhos são de altíssimo nível, envolvendo o uso de C++ para cálculo de fluxo de potência, busca vertical, algoritmos genéticos e outras coisas. Na área de máquinas elétricas, o uso do MatLab e do Simulink tem sido uma constante. Vou ter que aprender essas coisas, não tem jeito.

As palestras da tarde de terça-feira foram interessantes, versando sobre linhas de transmissão de capacidade aumentada e automação de subestações, mas as palestras da manhã de quarta-feira foram ainda mais interessantes, versando sobre o Plano Decenal de Expansão, sobre o ONS e sobre manutenção em subestações de alta tensão. Após minha pergunta, o palestrante do ONS garantiu que a situação energética no Sul está sob controle, não havendo motivação política para não ter se decretado o racionamento.

As seções "pôster" ocorreram na tarde da quarta-feira. Encontrei lá dois ex-alunos da UTFPR, um deles apresentando um trabalho sobre FACTs e outro apresentando um trabalho sobre gestão de compra de energia no ACR usando algoritmos genéticos. Ambos estão fazendo mestrado na UFPR.

Meu trabalho teve exatamente o impacto esperado, ou seja, quase nenhum. Eu não esperava mais do que isso de um trabalho sobre comercialização de energia apresentado em um simpósio onde os assuntos mais comuns diziam respeito a transmissão, geração e distribuição de energia elétrica. É mais ou menos o mesmo que apresentar um trabalho sobre antidepressivos em um simpósio sobre psicanálise freudiana! Mas, pelo menos, ninguém criticou meu trabalho e ele está nos anais, além de concorrer a uma vaga para a próxima edição da revista IEEE Latin America.

No geral, o simpósio foi muito bem organizado. Menos de uma semana depois do evento, as fotos e artigos já estão disponíveis online, ao contrário de outros seminários por aí, que nunca mais atualizam o website após o encerramento.

Os nordestinos são realmente mais expansivos do que os curitibanos, mas não muito, apesar do sotaque divertido deles. É verdade que eu quase só falei com engenheiros, e somos todos muito parecidos, especialmente nessa era de globalização. Isso piora quando se fica hospedado em um hotel moderno que, apesar das particularidades regionais, é muito parecido com qualquer hotel do mundo. Como em qualquer cidade, os participantes do simpósio agem da mesma maneira, os professores agem como professores, os estudantes agem como estudantes e algumas alunas ainda não aprenderam que não devem comparecer a um compromisso profissonal usando salto 15 e decote panorâmico.

De qualquer forma, é muito melhor ficar no hotel do evento, pois podemos dar uma escapada de vez em quando para checar os e-mails no quarto. Por outro lado, é muito pior ficar no hotel do evento, pela mesma razão (de vez em quando um desses e-mails é um incêndio e lá se vão duas horas de trabalho!).

Apesar do Garden Hotel não ter internet banda larga, e apesar da TV a cabo apresentar uma qualidade de imagem deplorável, há nos quartos um detalhe interessante que não tenho visto por aí: um cofre com segredo digital programável, dentro do qual cabe o laptop inteiro. Um verdadeiro alívio para animais digitais!

O próximo SBSE será realizado em 2008, em Belo Horizonte, e pretendo submeter alguns artigos, dessa vez sobre máquinas elétricas.

sexta-feira, julho 14, 2006

Dublagem obrigatória de filmes estrangeiros?

É do Acre que vem a última novidade desse país ensolarado, cheio de ônibus queimados e analfabetos: o deputado Nilson Mourão, do PT, quer tornar obrigatória a dublagem de filmes estrangeiros.

Um dos argumentos do deputado é que as legendas dificultam a compreensão por parte das pessoas de menor poder aquisitivo. Só que essas pessoas são justamente aquelas que não freqüentam os cinemas, os quais, na maior parte das grandes cidades brasileiras, encontram-se escondidos no interior de Shopping Centers, redutos das classes sociais mais altas.

Outra justificativa é que a obrigatoriedade da dublagem aumentaria o campo de trabalho para os dubladores. Mas, como argumenta muito bem Marcos Petrucelli, os filmes que interessam já são dublados quando do lançamento em DVD. A obrigatoriedade da dublagem para o cinema apenas anteciparia o trabalho, mas não produziria mais trabalho. Além disso, o deputado se esquece de mencionar que todo o pessoal que trabalha legendando os filmes perderá imediatamente o emprego!

Do meu ponto de vista, que imagino seja compartilhado por muita gente que já passou infindáveis tardes e noites em cinemas, uma dublagem mal feita é uma grande porcaria. Já uma dublagem bem feita é apenas uma pequena porcaria.

Os dubladores que me perdoem, mas não há como ser diferente. Mesmo que não houvesse o problema do sincronismo labial, não seria possível substituir a voz de um ator ou atriz, que está vivendo o filme, pela voz de um dublador, que trabalha no conforto de um estúdio de gravação. Grandes atores podem trabalhar como dubladores, mas o inverso é muito menos freqüente.

É claro que há precedentes perigosos, pois outros países adotam há anos essa política de pasteurizar filmes estrangeiros. Isso acontece, por exemplo, na França, mas os franceses têm também outros hábitos estranhos, como comer sapos e caracóis, e não podem ser tomados como exemplo. O problema é que, se a coisa virar moda, cedo ou tarde o Congresso vai tornar obrigatório que até mesmo as músicas estrangeiras sejam dubladas!

De qualquer forma, é provável que essa lei seja apenas parte do plano da ala radical do PT para dominar o mundo. Uma vez aprovada a lei, os ricos e milionários continuarão assistindo os filmes em Nova Iorque e Londres, antes do lançamento no Brasil. A classe média continuará escondida em casa, fugindo dos bandidos e assistindo filmes em DVD, onde já é possível escolher o idioma e as legendas. E os pobres finalmente tomarão conta dos Shopping Centers, instaurando a revolução do proletariado prevista por Marx, e poderão assistir filmes dublados por um preço módico, pelo menos enquanto os cinemas aguentarem. No fim, teremos conseguido fazer aquilo que nem os soviéticos e nem Fidel conseguiram: quebrar Hollywood!

domingo, julho 09, 2006

Acabou o campeonato mundial de cobradores de pênaltis!

De quatro em quatro anos, uma cambada de moleques milionários se reúne para organizar algumas peladas, onde fingem jogar algum tipo de jogo, cujo objetivo é roubar uma bola de alguns moleques e depositá-la atrás de uma linha defendida por outro moleque, geralmente o mais alto de todos ou o mais perna-de-pau.

Um observador atento perceberá que o real objetivo dessa brincadeira de milionários excêntricos é decidir quem consegue marcar a maior quantidade de pênaltis na disputa final. A pelada que antecede os pênaltis serve apenas para ver quem consegue dar o maior número de cabeçadas, cotoveladas e caneladas sem que o juiz veja. Além disso, seria difícil convencer alguém a assistir somente a disputa final, que seria muito curta, reduziria o interesse dos canais de televisão, prejudicaria as quotas de patrocínio, etc.

A maior prova de que nossa raça de macacos cabeçudos está condenada à extinção é o fato de que milhares de trouxas, denominados "torcedores", vindos de vários lugares do mundo, economizam durante anos, vendendo casas, terrenos e carros, com o único objetivo de assistir a esse "campeonato mundial de cobradores de pênaltis".

Para nossa felicidade, independente de quem ganhou dessa vez, agora podemos voltar a nossos afazeres diários e tentar mostrar que resta alguma dignidade à raça humana.

Roberto Carlos: marcar Henry não estava na descrição do cargo!

Todos que assistiram aquele patético Brasil x França viram que Roberto Carlos estava pateticamente abaixado enquando Henry fazia aquele patético gol, originado de uma falta patética cobrada por Zidane, que agora se despediu pateticamente da Copa, de Berlim e de sua carreira.

Agora, em entrevista ao Fantástico, Roberto Carlos vem nos dizer que "não tinha nada que fazer" na posição onde Henry estava. Não era a função desse lateral, mundialmente famoso por suas crises de disenteria verbal.

Se Roberto Carlos estava ou não ajeitando sua meia, é coisa totalmente irrelevante. O que importa, segundo ele, é que marcar Henry simplesmente não fazia parte da descrição de seu cargo, pois ele havia sido escalado para jogar como lateral, não como zagueiro.

A situação é conhecida. Conta-se que, ao perceber que o barco estava afundando, um pescador sentou-se tranquilamente, pois "o furo não era do lado dele". Não era responsabilidade dele, mas o barco afundou assim mesmo, levando junto todos os pescadores.

E assim afundou também o barco da seleção brasileira, levando junto todos aqueles moleques milionários, alguns deles donos de patrimônios maiores do que o PIB da Bolívia. Todos eles sobreviverão, é claro, mas, para nossa felicidade, outra palhaçada dessa, só daqui a quatro anos!

sábado, julho 01, 2006

Vive la France!

Dizem que o primeiro tempo de Brasil x França foi monótono, mas, embalado por três chopes absorvidos durante a tragédia que foi Inglaterra x Portugal, não o assisti. Torcer pela Inglaterra é a única coisa divertida em qualquer Copa, pois os ingleses fazem tudo com muita classe, até mesmo perder. Além disso, o único quarteto mágico que jamais existiu era inglês, formado por Lennon, McCartney, Harrison e Starkey. A tragédia, além de ver os ingleses derrotados no esporte inventado por eles, está em ver Scolari avançar no campeonato usando aquele estilo australopitecíneo tão caro aos portugueses.

Acordei após o gol francês. Aparentemente, o jogo continuou na mesma durante o segundo tempo. Nada que já não fosse esperado, claro, por razões que serão muito melhor analisadas por gente que entende muito mais de futebol do que eu.

Alguns dirão que a culpa foi de Parreira e sua arrogância imperial, incapaz de ver o óbvio que milhões de "técnicos" e comentaristas não cansaram de apontar. O mesmo Parreira que disse não ter se preparado para a derrota nessa fase do mundial, mostrando ser um verdadeiro discípulo de Zagalo, que, em 1974, disse que não estava "preocupado com a Holanda", pois estava apenas "se preparando para enfrentar a Alemanha na final".

Outros dirão que a culpa foi de Roberto Carlos, que estava ajeitando a cinta-liga quando deveria marcar Thierry Henry, único artilheiro da partida.

Outros, finalmente, dirão que a culpa foi de um time formado por jogadores milionários, jogando em clubes europeus, sem compromisso algum com o torcedor brasileiro. Como apontado pela imprensa, poucos deles choraram com a derrota, poucos deles se emocionaram e todos falaram com se tivessem perdido apenas um jogo do campeonato da oitava série. Afinal, para quem ganha milhões de dólares a cada jogo de um clube europeu, deve ser uma grande chateação ser crucificado ao perder jogando de graça.

De qualquer forma, agora que a Copa se transformou em um torneio europeu, resta a opção de torcer para qualquer seleção, desde que não seja Portugal, é claro. Por um lado, Scolari vitorioso seria uma boa lição para Parreira, mas, por outro lado, Portugal vitorioso seria humilhação demais para qualquer brasileiro, até mesmo para aqueles que não gostam de futebol. Se bem que um título português seria o coroamento definitivo para o espetáculo em que se transformou a Copa do Mundo: uma grande palhaçada.

A derrota para a França tem pelo menos quatro vantagens. Primeira, vamos voltar a ver Fátima Bernardes maquiada decentemente. Segunda, o comércio e a indústria brasileiros não terão mais prejuízos enormes com paralisações em dias de jogo da seleção. Terceira, não teremos que ver a equipe brasileira ser recebida em Brasília, homenageada por um presidente que entende mais de futebol do que de economia. E, quarta, com um pouco de sorte, perderemos todos os mundiais daqui para frente. Só assim nos daremos conta de que vale muito mais a pena investir nosso dinheiro e energia nas coisas que realmente importam: educação, cultura, ciência e tecnologia. O resto, pão e circo patrocinados por fabricantes de artigos esportivos e redes de televisão, é bobagem pura.