quinta-feira, julho 29, 2010

Datena, ateus e falta de método

Em programa recente o Sr. Datena voltou a ofender os ateus deste ensolarado país. Não vou repetir aqui as palavras dele, as quais já foram exaustivamente reproduzidas em vários lugares, mas cabe lembrar que, em resposta, os ateus brasileiros se comportaram exatamente como queria Datena, ou seja, fazendo propaganda gratuita dele e espalhando uma certa dose de injúrias.

Talvez os ateus brasileiros devessem ter aprendido com o epísódio do #calabocagalvão, que pretendia abafar a voz de Galvão Bueno durante a Copa do Mundo, mas foi habilmente usado pela Rede Globo em sentido contrário. E, se Datena ganha a vida criando confusão, ele deve saber muito bem o que pretende também dessa vez. Sem falar que ele está muito acostumado com esse estilo "bateu-levou" adotado por muitos que estão no contra-ataque.

Além das injúrias dirigidas contra Datena, outra reação dos ateus que me deixa decepcionado é a citação de exemplos de que eles são "boa gente", geralmente iniciando pela inclusão do próprio autor da citação. Ora, isso nada mais é do que evidência anedótica, ou seja, algo como aqueles testemunhos que os religiosos usam em profusão ("eu fui salvo", "minha mãe foi salva", etc). Esse tipo de evidência não tem nem mesmo validade estatística, quanto mais validade científica. Estudos sérios sobre a moralidade dos não religiosos, sejam eles ateus, agnósticos, céticos ou assemelhados, por certo existem (e apontam em favor deles), mas, até onde percebi, poucos blogs os citaram dessa vez (uma exceção foi o Bule Voador, sempre atualizado, que lembrou um estudo citado pelo Estadão). É preciso um pouco mais de método, especialmente vindo de quem diz valorizar a ciência acima de tudo.

Para que não me acusem de não fazer minha própria lição de casa, citando fatos sem evidências, aqui vai uma pequena amostra. Fiquei alguns minutos conectado ao trend topic #calabocadatena via TweetDeck e os tweets recebidos, entre 20h19 e as 23h30, de um total de 139, encaixam-se nas seguintes categorias de frases:

  1. "Segundo Datena: 'Ateus são pessoas sem limites, por isso matam, cometem essas atrocidades'" (30,22%).
  2. "#calabocadatena" (seguido de nada ou quase nada) (25,18%).
  3. "Se o Datena falasse a mesma coisa, mas com negros ou homossexuais, ele estaria no TT mundial agora e cheio de processo" (10,79%).
  4. "Como nós temos mais de mil ateus? Aposto que muitos desses estão ligando da cadeia" (2,88%).
  5. 'Como pode homens sem Deus serem bons? Como dizia José Saramago, como pode homens COM Deus serem tão ruins, Datena?" (2,88%).
  6. "Será que o Datena se lembrou que seu colega da Band, Ricardo Boechat, é ateu?" (2,88%).
  7. "ateus desabafam contra intolerância" (1,44%).
  8. "Vá estudar HISTÓRIA, Datena. Algumas das maiores atrocidades foram cometidas por religiosos como você" (1,44%).
  9. "De acordo com o Datena 65% dos japoneses e 48% dos russos cometem atrocidades, matam e são sem limites" (1,44%).
  10. "Datena se esqueceu que preconceito é CRIME. É justamente isso que vemos no programa dele, criminosos" (1,44%).
  11. "Precisamos de mais apresentadores como @marcelotas do que Datenas na televisão Brasileira" (1,44%).
  12. Restante dos tweets (de um total de 139) (8,71%).
Fica evidente que mais da metade dos "tuiteiros" nada mais fez do que repetir o primeiro tweet recebido (item 1) ou simplesmente citar o trend topic #calabocadatena (item 2). E, de acordo com o teorema da amostragem, o comportamento do Twitter hoje não deve ter se afastado muito disso.

É claro que o rápido levantamento acima nada tem de científico (e nem tenho tempo para isso) e alguém pode até me acusar de estar esperando seriedade demais de uma ferramenta como o Twitter. Mas o levantamento ao menos mostra que a atuação dos ateus brasileiros na internet talvez esteja um pouco fora de perspectiva.

Da minha parte, fica a sugestão de que o ateísmo, quando tomado isoladamente, não é tão importante quanto pensam os ateus e nem tão perigoso como temem os religiosos. Sim, muitos cientistas são ou foram ateus, mas, antes de ateus, são ou foram cientistas. Assim, o que interessa não é pregar a falta de religião, mas divulgar a ciência e investir em educação. O resto, se é que existe resto, virá junto.

quarta-feira, julho 21, 2010

Criação Imperfeita, de Marcelo Gleiser

Em agosto de 2006 Marcelo Gleiser esteve em Curitiba, para uma palestra sobre seu livro então recém-lançado, "A Harmonia do Mundo", uma biografia romanceada de Johannes Kepler. Naquela ocasião ele lotou o Teatro Regina Vogue, no Shopping Estação, falou sobre alguns modelos cosmológicos, dos gregos antigos a Kepler, e respondeu algumas perguntas formuladas por escrito.

Durante a palestra dei-me conta de que todas essas teorias físicas que buscam harmonia, simetria, etc., baseiam-se em um princípio filosófico muito vago, e não em um princípio científico sólido. Assim, a pergunta que fiz foi: “qual princípio científico nos garante que exista harmonia no Universo?”.

Para minha surpresa, Gleiser leu e gostou da pergunta, a ponto de perguntar pelo autor dela. Ele então revelou que a questão da desordem e da desarmonia no Universo era muito importante e que seria tema de seu próximo livro. O que eu não sabia era que, por aquela época, Gleiser já havia abandonado o clube dos unificadores, que são os físicos que buscam pela teoria final, pela derradeira simetria, pela harmonia total do Universo. “Criação Imperfeita”, lançado no Brasil em março de 2010, relata parte desse processo de “desconversão” e apresenta uma visão do Universo que vai contra o sonho dos unificadores.

Um dos argumentos de Gleiser é que o sonho de uma teoria final, que explicaria todas as interações físicas (gravitacional, eletromagnética, fraca e forte) por meio de simetrias, nada mais é do que um reflexo da origem monoteísta e pitagórica da ciência ocidental. Não podendo entrar em contato com Deus à maneira direta pretendida pelos religiosos, os unificadores passaram a buscar explicações para a Criação em si. E, se Deus é perfeito e belo, a Criação também deve ser.

Será que a ideia de Gleiser procede? Talvez. Coincidentemente, em entrevista recente o físico Michio Kaku disse que o objetivo da teoria das supercordas, a mais famosa candidata a teoria final, é “ler o que se passava na mente de Deus no momento da Criação”. Einstein pensava de maneira semelhante, afirmando que tudo o que desejava era “desvendar os segredos do Velho”. Cabe a ressalva de que para os cosmólogos modernos, dentre os quais Einstein se incluía, Deus não é um ser antropormórfico, mas apenas uma metáfora pitagórica, usada para denotar o “código oculto do Universo”.

Pitágoras, o sábio grego que viveu entre 570 e 495 aC, afirmava que a natureza é construída a partir de princípios de simetria que traduzem a ordem fundamental – o tal código oculto – que existe por trás de todas as coisas. Gleiser reconhece essa origem pitagórica da ciência e argumenta que talvez o sonho de uma teoria final não passe de uma maneira altamente sofisticada de tentarmos forçar o Universo a funcionar da maneira como gostaríamos que funcionasse.

“Criação Imperfeita” é o mais autobiográfico dos livros de Gleiser. Ainda vamos ter de esperar por uma autobiografia completa, mas aqui ele usa fragmentos autobiográficos como pano de fundo para apresentar, em primeiro lugar, uma visão da origem do Universo e da física de partículas e, em segundo, uma visão da origem da vida. Gleiser argumenta que as assimetrias e imperfeições não são apenas importantes, mas essenciais para o Universo e para a vida. Sem elas não estaríamos aqui, pois, por exemplo, as mutações genéticas não seriam possíveis e a vida, caso existisse, consistiria apenas de seres unicelulares. Além disso, sem a violação de algumas simetrias físicas, nem mesmo a matéria teria se formado, pois matéria e antimatéria teriam se aniquilado mutuamente e perfeitamente, logo após o Big Bang. O Universo consistiria de espaço, tempo, energia e mais nada.

Gleiser usa os últimos quatro capítulos para discutir um assunto que deixará desolados muitos fãs de ficção científica: a raridade da vida e nossa decorrente solidão cósmica. Segundo ele, os acidentes e eventos necessários para que a vida inteligente tenha surgido são conjuntamente tão improváveis que não é seguro afirmar que isso tenha acontecido em mais do que um punhado de lugares na nossa galáxia. É essa a solução de Gleiser para o “paradoxo de Fermi”: possíveis civilizações inteligentes estão por demais afastadas entre si para que qualquer contato ou comunicação seja possível.

Diz a lenda que, por volta de 1950, o físico italiano Enrico Fermi (1901–1954) participava de uma discussão informal sobre a existência de civilizações extraterrestres, quando perguntou, quase à queima-roupa: “tudo bem, mas se eles existem, onde estão?”. Essa singela pergunta foi denominada “paradoxo de Fermi” por representar um conflito entre a probabilidade aparentemente elevada da existência de civilizações extraterrestres e a ausência de evidência delas. Em um Universo tão grande como o nosso, vida inteligente deveria ter surgido em algum outro lugar e, como o Universo é também muito antigo, alguém já deveria ter entrado em contato conosco. Como isso não aconteceu, surge um paradoxo.

Existem várias respostas para o paradoxo de Fermi. A mais radical é dizer que não há nenhuma outra civilização no Cosmos além da nossa. Somos um evento único e estamos absolutamente sós. Outra resposta é supor que civilizações inteligentes podem ter surgido em muitos lugares, mas todas acabaram por se destruir logo após terem aprendido a construir bombas atômicas.

Há também respostas aindas mais especulativas e e mais melancólicas, como aquela dada por David Bowie em sua canção Starman (1972), cujo refrão diz: “There’s a Starman waiting in the sky, he’d like to come and meet us, but he thinks he’d blow our minds. There’s a Starman waiting in the sky, he’s told us not to blow it, ‘cos he knows it’s all worthwhile”. Em uma tradução livre: “Há um homem estelar esperando nos céus, ele gostaria de vir nos conhecer, mas acha que explodiria nossas cabeças. Há um homem das estrelas esperando nos céus, ele nos disse para não destruirmos (a Terra), pois sabe que tudo vale a pena”. Em outras palavras, seres extraterrestres ultraevoluídos podem até estar por aí, mas preferem não entrar em contato conosco, por nos julgarem primitivos demais.

Gleiser adota a linha científica de que só podemos conhecer aquilo que podemos medir. E, até onde podemos medir, extraterrestres inteligentes não existem ou estão longe demais para que qualquer contato seja possível. Segundo ele, essa distância nem precisa ser algo como cem mil ou um milhão de anos-luz. Duzentos anos-luz já seriam suficientes para garantir nosso isolamento cósmico.

O livro se encerra com uma sugestão de que nossa solidão cósmica não deve ser motivo de angústia ou depressão. Pelo contrário, se somos um evento tão raro no Universo, devemos valorizar a vida acima de qualquer coisa e lutar para preservá-la, pois ela é o que existe de mais precioso.

Será que Gleiser curte Bowie? Eu apostaria que sim.

segunda-feira, julho 19, 2010

Frases que nunca deveriam ter sido ditas

  1. "Pode ir em frente, é só um pedacinho de gelo!" (capitão do RMS Titanic, pouco antes da colisão com o iceberg, em 1912).
  2. "OK, Challenger, potência máxima!" (controle de Houston, pouco antes da explosão da Challenger, em 1986).
  3. "Nem todo mundo gosta de sexo, de vinho ou de sorvete..." (Dunga, pouco antes do início da Copa de 2010).

domingo, julho 11, 2010

Coisas que aprendi com a Copa de 2010

  1. Nem o Brasil nem país algum se tornaria melhor ou pior com a conquista da copa, mas os jogos são uma excelente desculpa para matar trabalho.
  2. A profissão mais fácil do mundo é a de comentarista de futebol: se você acertar, é um gênio, se errar, não havia mesmo como acertar.
  3. Não importa se o time ganhou ou perdeu, os comentaristas sempre encontrarão uma explicação ex-post adequada.
  4. Apesar disso, a profissão de comentarista de futebol é tão desimportante que até um polvo pode exercê-la.
  5. O som das vuvuzelas é frequentemente mais agradável do que a voz dos narradores e comentaristas.
  6. De vez em quando futebol é como sexo tântrico: mais de 90 minutos e nada acontece!
  7. Se você se tornar comentarista e não souber o que dizer, basta inserir frases como "valorizar o toque de bola", "estão sem ritmo de jogo" e "faltou calma na conclusão".
  8. Aquilo que acontece nas arquibancadas é sempre mais interessante do que aquilo que acontece em campo.
  9. Eu também tenho uma previsão para os jogos de 2014, mas só se me derem um lanchinho antes.
  10. Continuo sem entender como um jogo que acaba empatado pode atrair tanta atenção!

Política de comentários

Este blog tem recebido recentemente alguns comentários anônimos, particularmente no que diz respeito ao meu post sobre o livro "Quem mexeu no meu queijo?". Gostaria de esclarecer que, em primeiro lugar, não publico comentários, anônimos ou não, que sejam ofensivos a mim ou a qualquer outra pessoa.

Em segundo lugar, se o comentário for anônimo e posicionar-se contra o assunto em questão ou contra meu posicionamento, mas não contiver qualquer tipo de ofensa pessoal, posso publicá-lo e já fiz isso várias vezes. Ainda assim, prefiro comentários assinados, pois sempre assino os meus.

Como regra geral, se você quiser fazer qualquer tipo de comentário, dirija-se ao assunto em discussão, não a mim. Afinal, ofensas pessoais não agregam nada.

É claro que essa política deve se estender também aos meus posts, não só aos comentários. Assim, se você, caro leitor, perceber alguma ofensa pessoal em qualquer texto meu, peço o favor de me avisar e inserirei as ressalvas necessárias, pois posso ter resvalado aqui e lá.