sábado, outubro 27, 2007

Comentários sobre o XIX SNPTEE

O XIX SNPTEE – Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica – foi realizado no Rio de Janeiro, entre 14 e 17 de outubro. Somente agora encontrei tempo para escrever algo sobre esse evento, considerado por muitos como o maior encontro de profissionais do Setor Elétrico Brasileiro.

O local escolhido para o seminário foi o Rio Centro, na Barra da Tijuca, um lugar amplo e afastado dos cartões portais tradicionais do Rio de Janeiro, como o Corcovado, o Cristo Redentor, favelas gigantes e balas perdidas. Como cortesia da Electra, que financiou pouco mais de metade da minha participação no SNPTEE, fiquei hospedado em um hotel também na Barra da Tijuca, de frente para o mar, uma verdadeira tristeza. O nome do hotel era Tropical Barra Hotel. Por alguma razão estranha, os donos de hotel têm essa mania de escrever os nomes na ordem inversa, como se estivessem em um país de lingua inglesa. Coisas do Brasil.

Ao chegar ao hotel, na tarde de 14/10, um domingo, percebi o primeiro sinal de que eu estava realmente no Rio de Janeiro. Desci do taxi, entrei no saguão do hotel e parei em frente ao funcionário do balcão, na intenção de fazer o check-in (uma palavra que se espalhou como praga e que é agora usada no lugar de “registro” ou “despacho”). Não havia mais ninguém no saguão, mas ainda assim o funcionário demorou mais de cinco minutos para olhar para mim.

Finalmente, depois de fazer todo o processo de registro sem ao menos olhar para mim, o funcionário me entregou o cartão de acesso ao quarto (ou “apartamento”, como eles insistem). Subi ao nono andar, abri a porta e entrei. Fiquei olhando por um ou dois segundos para a cama, perfeitamente arrumada, mas sobre a qual estava depositado um um crucifixo. Alguma coisa dentro de mim adora essa sensação que surge quando nos depararmos com o inesperado, à qual chamo informalmente de “choque epistemológico”. Afinal, não se espera encontrar um crucifixo sobre a cama de um hotel brasileiro! Meio segundo depois, olhei para o lado e notei uma mala e algumas roupas. Eles haviam me dado a chave de um quarto ocupado!

Naquele momento, para o bem ou para o mal, não havia ninguém no quarto. Imagino a sensação que deve ser entrar em um quarto de hotel e se deparar, por exemplo, com um casal “fazendo cosinhas”, ou outra coisa qualquer que as pessoas fazem em quartos de hotéis.

Voltei ao saguão e reclamei com o funcionário, que me garantiu que o quarto estava desocupado. Só para curtir um pouco mais com a minha cara, ele ainda acrescentou que ele mesmo havia feito o check-out do hóspede anterior, etc. e tal. Mas, só por via das dúvidas, ele me deu a chave de outro quarto.

Então subi novamente ao nono andar, despejei minhas coisas no armário, tomei um banho, liguei a televisão e ar condicionado, abri uma cerveja (R$ 4,50 a lata!) e comecei a procurar as duas coisas que não podem faltar em um quarto de hotel de turismo de negócios: um cofre para guardar o laptop e uma conexão à internet. Encontrei ambas as coisas, mas ambas mostram que a hotelaria na Barra da Tijuca (naquele hotel, pelo menos) ainda tem muito o que progredir.

Em primeiro lugar, não havia instruções nem de como usar o cofre, nem de como se conectar à internet. O cofre era de um modelo moderno, com combinação eletrônica programável e no qual cabia um laptop inteiro, e era chumbado solidamente à parede (já vi cofres de hotel que ficavam presos à parede por meio de uma simples corrente metálica!). Telefonei para a recepção e perguntei qual o procedimento para programar o cofre. O funcionário me disse que iria enviar alguém para me explicar como fazer. Estou esperando até hoje.

Felizmente, depois de algumas tentativas, descobri como programar o cofre e digitei nele minha senha secreta, que é 4567.

Feito isso, telefonei novamente para a recepção, tentando me informar sobre a internet. O funcionário me informou que havia uma conexão sem fio (ou “wireless”, como dizem aqueles que não falam português). O procedimento para cadastrar a conexão era simples, mas o custo de acesso era R$ 0,20 por minuto.

Senhoras e senhores, vinte centavos por minuto de acesso é uma taxa que nem os provedores de internet da Camorra têm coragem de cobrar! Mas, se você está na Barra da Tijuca, imagino que tenha que pagar o preço, mesmo que não haja instruções escritas sobre formas de pagamento ou, na verdade, instruções sobre coisa alguma.

Apesar de tudo, os outros serviços do hotel eram razoáveis, embora impessoais. O café da manhã era bom, os travesseiros não tinham os usuais trinta centímetros de altura, o ar condicionado não fazia muito barulho, o chuveiro funcionava decentemente e as toalhas eram bastante limpas, pelo menos a olho nu. A televisão, contudo, não oferecia mais do que uma dúzia de canais por assinatura, sem contar aqueles canais abertos, que ninguém mais agüenta.

Todavia, não tive muito tempo de assistir televisão. Na noite de domingo, tive que preparar minha apresentação para a tarde de segunda-feira, e, na noite de segunda-feira, tive que preparar minha apresentação para a tarde de terça-feira (sim, eu deixei tudo para a última hora!). Na noite de terça-feira, aproveitei para relaxar e acabei de ler “A arte de escrever”, de Arthur Schopenhauer. Recomendo.

Na dia seguinte, cheguei ao local do seminário com a certeza de que a UTFPR ainda não teria feito o pagamento da minha taxa de inscrição. Inacreditavelmente, deu tudo certo. Embora a inscrição ainda não estivesse paga, eles me deixaram entrar sem fazer comentário algum.

A exposição anexa ao XIX SNPTEE foi organizada praticamente como um clone da exposição análoga de dois anos antes, realizada em Curitiba e patrocinada pela Copel. Os expositores eram os mesmos (Siemens, Furnas, Eletrobrás, Copel, Cemig, Areva, etc), os boxes foram organizados de maneira semelhante e até mesmo a falta de apelo comercial foi a mesma de sempre.

Isso é que me deixa intrigado em relação ao SNPTEE.

No evento de 2005, realizado no Estação Embratel Convention Center, anexo ao Shopping Estação, em Curitiba, todos os participantes estavam bem perto de livrarias, farmácias, cinemas, lanchonetes e restaurantes. Entretanto, isso ocorreu por causa do local do evento, não por causa dos organizadores. Nesse evento do Rio Centro, a falta de visão comercial ficou mais evidente: havia apenas um “Cyber Café”, e mais nada. Nada de livrarias, nada de lanchonetes, nada de farmácias. Aparentemente, no Setor Elétrico ninguém fica com dor de cabeça, ninguém sente fome fora de hora e, claro, ninguém lê!

Será que nenhuma livraria do Rio de Janeiro se propôs ou foi convidada a instalar um box durante o evento? Nenhuma franquia de cachorro-quente ou de maria-mole percebeu o potencial de um seminário pelo qual circularam mais de duas mil pessoas? Estranho.

É também estranho que durante um seminário desses você possa comprar isoladores de alta tensão, equipamentos de telecomunicações, máquinas elétricas, possa contratar consultoria e assessoria de diversos tipos, iniciar e fechar negócios, mas não consiga comprar uma simples aspirina!

De qualquer forma, não assisti muitas palestras durante o primeiro dia. Bem que tentei, mas não consegui me concentrar, por causa da expectativa para a minha primeira palestra, que seria realizada às 15h50, após o intervalo para o café da tarde. Horário pior do que esse, só mesmo quarta-feira depois da feijoada.

De fato, o horário era tão impróprio e o tema da minha primeira palestra (“Uma visão dos cursos de Tecnologia como produtos disruptivos: sugestões para estruturação e gestão”) atraiu tão pouca atenção que tive que iniciar com um público de menos de 10 pessoas, as quais ocuparam esparsamente os mais de 50 assentos do lugar. Além disso, talvez houvesse dentre os presentes apenas uma ou duas pessoas com uma boa noção do que é um curso superior de Tecnologia. Todos os demais pareciam interessados em assuntos relacionados a pesquisa e financiamente de atividades de pesquisa e consultoria. Talvez eu deva levar o assunto ao próximo Cobenge, em 2008.

Minha palestra da terça-feira (“Custos de transação e forças propulsoras: uma visão estratégica da desverticalização no Setor Elétrico”) foi um pouco melhor, mas não muito. É difícil apresentar dois assuntos desconhecidos em apenas quinze minutos e, de fato, as duas perguntas feitas revelaram que não fui totalmente bem sucedido. Infelizmente, o Edvaldo Alves de Santana, diretor da Aneel, que entende de custos de transação mais do que muita gente no Setor Elétrico, só conseguiu chegar na quarta-feira, e não tenho certeza se ele assistiria minha palestra mesmo que chegasse antes. Da mesma forma que no trabalho anterior, talvez eu deva levar esse trabalho a um forum mais especializado, como o encontro nacional de economia da Anpec.

O SNPTEE continua sendo um evento mais estatal do que privado, pois as empresas de geração e transmissão são estatais em sua maior parte. Uma pena. Mas as coisas não vão bem para todas as estatais. A Copel, por exemplo, enviou cerca de 70 funcionários, quase todos eles de ônibus, pois o setor de RH teve dificuldades para estimar de maneira correta as vantagens em se enviar todos de avião. Eles fretaram dois ônibus e fizeram todos perderem dois dias na estrada, contando ida e volta. A mensagem que a empresa envia a seus funcionários é: despesas com passagens de avião são preto no branco, mas as horas de trabalho perdidas por vocês realmente não nos interessam. Coisas do Brasil.

Ao final dos três dias do encontro, não consegui assistir a todas as palestras que pretendia, mas consegui assistir a quase todas as palestras de colegas e ex-alunos. Também consegui assistir à seção técnica especial, com palestras do Edvaldo, da Aneel, e do Dorel, diretor da Bandeirantes e professor da USP, ambas muito boas. O Dorel, uma das cabeças mais brilhantes do Setor Elétrico e que já transitou pelas áreas de geração, transmissão e distribuição, mostrou-se um pouco hostil ao Mercado Livre, o que talvez se justifique pelo cargo que ele ocupa atualmente em uma distribuidora. Uma pena.

Essa 19ª edição do SNPTEE teve alguns pecadilhos em sua organização, mas foi encerrada de forma triufal, com um jantar no Copacabana Palace, ao qual não pude comparecer, por causa de uma reunião na manhã de quinta-feira, em Curitiba.

A próxima edição do SNPTEE será realizada em Recife, em 2009, e terá a Chesf como empresa anfitriã. Se tudo der certo, estarei lá. Aos futuros organizadores, ficam duas sugestões: (a) um tablado é essencial aos palestrantes que não gostam de falar a partir de um púlpito; (b) o pessoal contratado para trabalhar nas mesas de som, etc, deve estar preparado para responder com mais do que meros monossílabos; se eles conseguirem evitar aquela expressão de sono e desprezo, melhor ainda.

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[1] Constatações Técnicas do XIX SNPTEE. Disponível em : <http://www.xixsnptee.com.br/snptee/Constata%E7%F5es%20T%E9cnicas%20XIX%20SNPTEE_Plen%E1rio_1.ppt>.

[2] Relação de trabalhos premiados no XIX SNPTEE. Disponível em: <http://www.xixsnptee.com.br/snptee/Relação%20dos%20ITs%20Premiados%20por%20Grupo%20de%20Estudo.doc>.

Um comentário:

  1. Ainda falta muita logística de pessoas treinadas para realmente facilitar com boas informações a vida de quem vai participar de eventos. Em boa parte do Brasil é assim! Valoriza-se demais o evento e deixa de lado a excelência de atendimento ao público ou participantes (excelência de informações) e também deixa de lado a excelência de prestação de serviço ao público! Sem contar o atendimento e prestação de serviço na rede de hotelaria que precisa melhorar para conquistar uma verdadeira excelência. Não basta ter muitas estrelas em um hotel se os seus funcionários não correspondem com um excelente serviço ao público (educação, simpatia, rapidez, eficiência, etc). Não basta realizar um evento cheio de glamour se os funcionários não correspondem com um excelente serviço ao público. Infelizmente... Um dia alguns administradores de hotéis acordam... Um dia alguns administradores de eventos acordam... Até que tudo melhore o público vai enfrentando situações desagradáveis...

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