Licença-maternidade e incentivos econômicos
Em seu livro The Economist's View of the World, o economista Glen Whitman conta uma historinha muito boa, embora provavelmente apócrifa. A cidadezinha italiana de Abruzzi sofria com uma grande infestação de cobras venenosas. Preocupados, os legisladores locais instituiram uma recompensa por cobra eliminada, a ser paga em dinheiro.
Alguns meses depois, o número de cobras capturadas havia batido todos os recordes possíveis, mas a infestação havia aumentado. De fato, as pessoas começaram a criar cobras secretamente, para então “vendê-las” à prefeitura local.
A historinha acima mostra o que pode acontecer quando se fornece os incentivos errados às pessoas. Os legisladores de Abruzzi podem ter imaginado que, após implantada a recompensa, todos os cidadãos iriam se comportar da maneira “correta”. Afinal, era do mais estrito interesse da cidadezinha que as cobras fossem mortas, não criadas aos montes. Só que os legisladores não perceberam que o problema a ser resolvido era reduzir o número de cobras à solta, não aumentar o número de cobras capturadas. Não percebendo tal diferença, permitiram que as pessoas se comportassem de maneira oportunista.
Dentro de alguns anos ficará evidente que a licença-maternidade de seis meses, recentemente aprovada pelo Senado Federal, fornece o incentivo econômico errado às futuras mães brasileiras. Não tenho dúvidas de que a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), autora do projeto, está imbuída das melhores intenções. Contudo, boas intenções apenas não bastam.
A licença-maternidade atualmente em vigor é de quatro meses, remunerada integralmente pelo Governo. A adesão aos dois meses adicionais de licença será voluntária, tanto para a empresa quanto para a trabalhadora. O incentivo para a adesão das empresas será puramente fiscal: insenção total do imposto de renda sobre o salário pago durante os dois meses adicionais de licença.
É claro que as empresas terão outros custos além do imposto de renda, tais como salários e encargos sociais, sem falar nos dois meses não trabalhados. A essa hora, esses custos já devem ter sido precificados pelo mercado de trabalho, resultando em um inescapável efeito adverso: a redução do salário médio das novas trabalhadoras brasileiras (mesmo daquelas que não pretendem ter filhos). As empresas, mesmo devendo aderir voluntariamente ao programa de licença-maternidade de meio ano, entenderão que tal licença representa um risco adicional. E, cedo ou tarde, todo risco acaba descontado pelo mercado.
Outro efeito adverso poderá ser um aumento da taxa de natalidade. Da mesma forma que os legisladores de Abruzzi, os proponentes da nova licença-maternidade devem ter imaginado que o recado enviado às trabalhadoras é: “fiquem tranqüilas, pois, caso vocês tenham filhos, estarão protegidas por mais dois meses”. Todavia, o recado entendido pelas trabalhadoras poderá ser apenas “tenham mais filhos, pois o Governo está pagando”.
O projeto de lei segue agora para a Câmara dos Deputados. Se aprovado, o presidente Lula poderá ainda vetá-lo, mas duvido que o faça. Será muito mais seguro deixar que os legisladores e presidentes futuros façam o trabalho sujo de cancelar a lei, quando tiver ficado evidente que as trabalhadoras e empresas não se comportaram da maneira como deveriam ter se comportado.
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