domingo, outubro 07, 2007

Formatura, mais uma vez

A formatura do curso de Engenharia Industrial Elétrica da UTFPR, turma do segundo semestre de 2007, foi realizada na última sexta-feira, 5 de outubro. Os alunos, mais uma vez, cometeram a temeridade de me escolher como paraninfo. Segue o discurso de formatura que eles tiveram que aguentar.
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Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Paulo Osmar Dias Barbosa, demais autoridades já mencionadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.

Parabéns a todos pela conquista. Parabéns por terem sobrevivido a tantos desafios, por terem enfrentado com sucesso tantas dificuldades. E parabéns também a todos os pais, familiares e amigos, que tornaram essa conquista possível.

É uma satisfação e uma grande honra ter sido escolhido como paraninfo da turma de vocês. É também uma grande surpresa ser lembrado. Digo isso porque os erros que eu cometi no início da minha carreira de professor foram tantos e tão grandes que os alunos provavelmente queriam me esquecer bem rapidinho, de preferência bem antes da formatura.

Um fato do qual eu nunca me esqueço ocorreu por volta do meu quinto ano aqui na UTFPR.

Eu estava chegando ao campus quando me dei conta de que havia esquecido as notas de aula. Pior do que isso: eu havia esquecido também os meus livros e até mesmo o crachá, que me permitiria emprestar um livro da biblioteca. Para piorar, nenhum dos meus colegas presentes tinha um livro que eu pudesse usar como guia.

Em uma situação dessas, o melhor que um professor razoavelmente inteligente poderia fazer seria dar uma aula de exercícios ou cancelar a aula. Mas eu resolvi prosseguir com uma aula expositiva.

Entrei na sala apenas com giz, apagador e adrenalina. Afinal, o pior que poderia acontecer era apenas um desastre completo. Então, aconteceu uma coisa fantástica: ao começar a falar, descobri que eu não precisava de notas de aula. Todo o conteúdo me veio à mente automaticamente, como seu eu tivesse feito aquilo durante toda a vida, não durante apenas cinco anos.

Naquele tempo, as aulas de Conversão 2 começavam às 19h30. Tínhamos duas aulas de 50 minutos, fazíamos um intervalo e voltávamos para mais uma aula de 50 minutos. Durante as duas primeiras aulas, enchi o quadro negro com gráficos, diagramas e equações. Foi incrível. Consegui expor toda a matéria sem que os alunos percebessem que eu quase havia cancelado a aula. Foi um show.

Durante o intervalo, fiquei olhando para o quadro negro e me admirando por ser tão esperto.

Então, os alunos começaram a voltar do intervalo. Um deles veio falar comigo e me perguntou como seria a primeira prova. Eu disse que a prova seria baseada no conteúdo exposto em sala de aula.

“Mas nós vamos fazer exercícios?” – perguntou ele.

Eu disse que sim, e ele continuou:

“É que eu conversei com o pessoal durante o intervalo e eles estão todos preocupados”.

Eu perguntei o porquê da preocupação e ele respondeu:

“É que ninguém entendeu nada da aula”.

Assim, as minhas piores expectativas haviam se concretizado: a aula havia sido realmente um desastre completo.

Eu devo ter demorado mais outros cinco anos para entender o que havia acontecido de fato naquela noite, e isso certamente aconteceu em várias noites antes e depois.

Durante muito tempo, eu planejara as minhas aulas tendo em mente um tipo particular de aluno: um aluno que seria muito parecido comigo mesmo. Na verdade, esse aluno seria eu mesmo. Em minha defesa, tenho que acrescentar que esse tipo de comportamento é muito comum e esperado em seres humanos.

Tanto isso é verdade que os psicólogos dizem que a coisa mais bonita que existe é o espelho.

Não sei se sou hoje um professor melhor do que há 10 anos. Espero que sim. De qualquer forma, o problema da educação sempre me interessou e sempre me preocupou.

Na década de 80, quando eu era aluno do curso técnico, eu ouvi falar pela primeira na Coréia do Sul, quando um professor comentou sobre a receita sul-coreana para o desenvolvimento: investimentos maciços em educação e saúde.

Os dados históricos mostram que a Coréia do Sul investiu antes e cresceu depois. Nós, brasileiros, com essa ânsia latina pelo imediatismo, tentamos fazer tudo ao mesmo tempo.

Hoje, a Coréia do Sul tem uma população de 49 milhões de habitantes e renda per capita de US$ 24.500 (a 34ª maior do mundo).

O Brasil, com uma população de 190 milhões, tem uma renda per capita de US$ 9.500.

A Coréia do Sul é a 12ª economia mundial. O Brasil é a 10ª economia mundial, mas nós temos que dividir um bolo apenas um pouco maior do que o coreano por uma população quase quatro vezes maior.

Mas não é suficiente investir em educação. Não é suficiente ter professores e alunos brilhantes. É preciso investir na direção certa. É preciso estimular a iniciativa individual e o respeito a ela. É preciso valorizar o espírito empreendedor, que é o verdadeiro motor de uma economia moderna.

Um exemplo disso, mais uma vez, vem da Coréia do Sul.

Certa vez uma delegação sul-coreana esteve em visita às instalações da Electrolux, aqui em Curitiba. Como os coreanos não falavam português, e os brasileiros não falavam coreano, a língua usada para comunicação era o inglês. Ou uma coisa tão parecida como o inglês quanto possível.

Um dos gerentes brasileiros da Electrolux era o Paulo Roberto Ross, irmão de um colega meu, e que ficou conhecido entre os coreanos com “Mita Lóss”, que significa “Mister Ross” em inglês coreano.

Um belo dia, Mita Lóss percebeu que um dos coreanos havia faltado. Ao preguntar por ele, o chefe da degação respondeu que o moço tinha aproveitado para dar um pulinho na Bolívia e tentar vender alguns refrigeradores.

“Mas ele fala inglês?” – perguntou Mita Lóss.

“Não. Ele não fala nadinha de inglês” – respondeu o coreano.

“Então ele fala espanhol?” – continuou Mita Lóss.

“Não. Nada de espanhol também” – respondeu o coreano.

“Alguma coisa de português, então?” – arriscou Mita Lóss.

“Não. Ele fala menos português do que espanhol” – respondeu mais uma vez o coreano.

“Então, como ele vai fazer para vender refrigeradores na Bolívia?”

E o coreano respondeu:

Ah, Mita Lóss, veli dificult, veli dificult!

Mas os coreanos não queriam nem saber das dificuldades. Eles estavam no Brasil, a milhares de quilômetros de casa, e simplesmente não podiam perder uma oportunidade de aproveitar ao máximo a viagem.

O resumo da história é que não adianta ter a melhor educação do mundo, a tecnologia mais avançada e os melhores empregos. É preciso também ser um pouco maluco.

Esse lado empreendedor meio amalucado é uma das razões do sucesso econômico da Coréia. As maiores empresas sul-coreanas são internacionalmente conhecidas:, como Hyundai, Samsung, LG, SK.

Por causa da educação de primeira e desse espírito empreendedor, a Coréia do Sul ocupa hoje o 30° lugar no índice de facilidade em se fazer negócios.

O Brasil ocupa o 122° lugar.

A facilidade em se fazer negócios e o excelente nível educacional produzem também outros efeitos: a Coréia do Sul ocupa hoje o 42° lugar no índice de percepção da corrupção.

Nessa classificação, o Brasil ocupa um 72° lugar não muito honroso. Pelo menos estamos à frente da Argentina...

O espírito empreendedor, esse lado amalucado que é necessário ao desenvolvimento econômico, já havia sido ressaltado por Joseph Schumpeter, economista que viveu entre 1883 e 1950.

Schumpeter era uma figura difícil e tinha apenas três ambições na vida: ser o maior amante da Europa, ser o maior cavaleiro do mundo e ser o maior pensador econômico que já existiu. Modesto, o moço.

Schumpeter teria algo a dizer sobre o fracasso do modelo econômico da Coréia do Norte, país que compartilha muitas coisas com a Coréia do Sul, como tradições, cultura e língua, mas que fez escolhas históricas diferentes. O fato é qualquer governo que suprima a iniciativa individual e a liberdade, acaba por suprimir também os incentivos econômicos e decreta o próprio fim.

Schumpeter também ressalta que empreendedorismo exige apetite para o risco. E risco implica na possibilidade de fracasso.

Mas risco é com vocês mesmos. Afinal, vocês se arriscaram no vestibular e continuaram se arriscando várias vezes durante cada um dos semestres do curso. Disso tudo ficou a lição de que assumir riscos não é loteria. É necessário estar preparado, é necessário estudo, é necessário planejamento.

Alguns fatos e acontecimentos no Brasil indicam que podemos estar no caminho correto. Nosso investimento em educação já é de 4,5% do PIB, mesmo nível dos investimentos sul-coreanos antes do milagre econômico. Talvez possamos chegar a 7% nos próximos anos.

Além disso, temos coisas que os coreanos não tinham na década de 80, quando aquele país começou a emergir como potência econômica. Temos tecnologia mais avançada, temos mais gente, mais universidades, mais empresas inovadoras e temos duas seleções de futebol muito melhores do que as dos coreanos.

E, acima de tudo, temos uma coisa com a qual os coreanos não podiam contar. Temos vocês. Assim, continuem firme nessa corrida, pisem fundo no acelerador e vamos fazer desse país uma potência. Não por bravata, mas simplesmente porque não existe alternativa.

Obrigado a todos pela paciência. Vocês são ótimos. Vida longa e próspera!

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