Pan 2007, Diogo Silva, Rafael Capote e Desenvolvimento Econômico
Nossa primeira e suada medalha de ouro nesse Pan-americano não veio dos esportes mais conhecidos, como natação e ginástica, mas de um esporte que só se tornou oficialmente olímpico nas olimpíadas de Sydney, em 2000, e não tem tradição no Brasil: o taekwondo.
Nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, o agora medalhista Diogo Silva havia ficado em quarto lugar e aproveitou para desfiar um rosário de lamentações, bem conhecido dos esportistas brasileiros que se dedicam a modalidades amadoras pouco divulgadas: não há patrocínio, muitos atletas competitivos abandonam o esporte por falta de condições financeiras, somente quem tem amor ao esporte consegue continuar, etc. [1]. Na mesma época, Natália Falavinha, outra praticante do esporte, falou sobre falta de transparência na gestão da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD) e sugeriu a existência de uma máfia no esporte [2].
A mensagem que fica é conhecida de todos: no Brasil, praticar esportes é difícil, praticar esportes amadores é ainda mais difícil e praticar esportes amadores sem tradição é quase impossível. Aqueles que o fazem, ou são heróis, ou contam com o famoso “paitrocínio”.
À luz dessas conhecidas dificuldades, foi com surpresa que recebi a notícia de que o cubano Rafael Capote abanbonou a seleção de handebol de seu país e pretende entrar com pedido de asilo junto ao governo brasileiro [3]. No Pan-americano de Winnipeg, em 1999, treze atletas cubanos desertaram, mas Winnipeg fica no Canadá, um país do G7! Se atletas cubanos estão escolhendo o Brasil como destino, e considerando-se ainda o convênio esportivo firmado entre Cuba e Venezuela, que rendeu 50 milhões de dólares ao governo de Fidel Castro em 2006, isso só pode significar uma coisa: Cuba está quebrada!
Os parágrafos anteriores podem ter deixado a impressão de que sou um grande estusista dos esportes e que estou reclamando do reduzido incentivo dado aos esportes “não-futebolísticos” no Brasil. Na verdade, estou apenas relatando fatos e acontecimentos. E ainda que eu reconheça o esforço heróico dispendido por nossos atletas, bem como um certo papel social dos esportes, sou altamente cético quando vejo alguém argumentar que os esportes podem ou devem ser usados para promover o desenvolvimento do pais. Há uma inversão da causalidade aqui: os países desenvolvidos não se tornaram desenvolvidos por se dedicarem aos esportes, mas se dedicam aos esportes porque são desenvolvidos. Cuba é um grande exemplo, embora não o único, de que o desenvolvimento não se dá a custa dos esportes.
Na história das competições pan-americanas, Cuba ocupa o segundo lugar geral no quadro de medalhas, atrás apenas dos Estados Unidos. O desempenho desse país começou a melhorar a partir do Pan-americano de 1971, na Colômbia, quando Cuba saltou para o segundo lugar, posição que também ocupou em várias outras vezes, inclusive em Santo Domingo, em 2003 [4]. Na edição de Havana, em 1991, Cuba finalmente veio a ocupar o primeiro lugar, tendo conquistado 265 medalhas, 140 delas de ouro. No momento em que escrevo esse texto, Cuba já ocupa a segunda colocação no quadro de medalhas do Pan-2007.
Apesar de tudo isso, o incentivo ao esporte em Cuba não trouxe desenvolvimento ao país. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Cuba é 0,826, considerado elevado (o IDH do Brasil é 0,792), mas colocando o país caribenho apenas no 50° lugar geral, atrás de países como Eslovênia, Chipre, Croácia, Argentina, Uruguai e Chile [5]. A renda bruta per capita dos cubanos é de US$ 3.900, o que coloca a ilha em posição pouco melhor do que a da Argélia, mas em posição pior do que a da Jamaica, Costa Rica, Sérvia, Brasil e outros 79 países [6].
A realidade é que Cuba poderia ter melhorado seu IDH se tivesse investido o dinheiro dos esportes em outros setores, como ciência e tecnologia. Uma simples questão de trade-off econômico. E, como acontece em todos os lugares, a situação dos esportes no Brasil melhorará apenas quando nossa situação econômica geral melhorar, não antes disso.
Mas a principal diferença entre Cuba e Brasil não diz respeito a abstratos índices econômicos, a investimentos em esportes ou a classificações em campeonatos internacionais. A principal diferença é que os brasileiros podem vaiar seu presidente ao vivo, em rede nacional, e por repetidas vezes, sem medo de represálias.
Assim, meu caro Rafael Capote, bem-vindo ao mundo livre!
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[1] Terra Esportes, Atenas 2004. 27 ago. 2004. Disponível em: <http://esportes.terra.com.br/atenas2004/interna/0,,OI373231-EI2835,00.html>.
[2] Terra Esportes, Atenas 2004. 4 set. 2004. Disponível em:
< http://esportes.terra.com.br/atenas2004/interna/0,,OI378048-EI2835,00.html>
[3] UOL Pan 2007. 16 jul. 2007. Disponível em: <http://pan.uol.com.br/pan/2007/ultnot/2007/07/16/ult4343u1195.jhtm>
[4] Yahoo! Pan 2007. Disponível em:
< http://br.esportes.yahoo.com/pan2007/paises/cuba>
[5] Wikipedia. List of countries by Human Development Index. Disponível em:
< http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_Human_Development_Index>
[6] Wikipedia. List of countries by GDP (nominal) per capita. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_GDP_%28nominal%29_per_capita>
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