segunda-feira, julho 18, 2011

Energia a partir do lixo

Um leitor deste blog, o Sr. Edilson Motta, após ler meu post sobre energia termelétrica, entrou em contato e me lembrou da importante tecnologia de conversão de lixo em energia, que tem sido denominada "Waste-to-Energy", ou WTE. Resolvi então pesquisar um pouco e escrever sobre o assunto.

Se comparado ao sistema elétrico brasileiro, quase todo interligado e bastante avançado tecnologicamente, nosso sistema de tratamento de lixo é um dos mais primitivos. Em países desenvolvidos, como Japão, Alemanha, Dinamarca, Suiça e França, mais de metade do lixo municipal e incinerado. No Brasil, por outro lado, a incineração é utilizada, quando muito, para tratar resíduos perigosos, como é o caso dos resíduos hospitalares, e uma parcela insignificante é transformada em energia. Esse problema é preocupante e duplamente surpreendente, pois o tratamento do lixo poderia, por um lado, ajudar a solucionar o problema da destinação final dos resíduos e, por outro, complementar o fornecimento de energia elétrica aos grandes centros. A União Europeia, por exemplo, produz 8.800 megawatts de energia elétrica a partir de 300 usinas e no mundo já existem mais de 1.700 usinas WTE.

A primeira usina WTE do Brasil e, até o momento, a única do tipo, é a Usina Verde, instalada na Ilha do Fundão, no Rio do Janeiro, que entrou em operação em 2005 e tem capacidade para processar 150 toneladas diárias de resíduos, produzindo energia elétrica que poderia ser vendida a R$ 180/MWh. Uma redução da ordem de 10% nesse preço, que poderia advir de ganhos de escala e da difusão da tecnologia, poderia tornar esse tipo de usina competitiva no mercado livre, no segmento de fontes incentivadas, atualmente formado por PCHs, usinas de biomassa e eólicas. Na Usina Verde, os resíduos são separados manualmente e encaminhados para um forno onde são incinerados a uma temperatura média de 950°C. Os gases quentes são aspirados por meio de uma caldeira de recuperação, que produz o vapor, o qual aciona um turbogerador de 600 kW. Um subproduto do processo é um material inerte, que está sendo testado na fabricação de tijolos e pisos.

Outra usina, da qual fiquei sabendo por meio do Sr. Edilson, é o Projeto Natureza Limpa, vencedor do Prêmio GreenBest 2011 na categoria Júri Popular. Este projeto, desenvolvido pelo Engenheiro Railton Lima e implantado pela TJMC Empreendimentos, consiste na carbonização de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), sem necessidade de separação prévia do lixo e com reduzido impacto ambiental. A usina piloto encontra-se implantada em Unaí, MG, e produz carvão briquetado, óleo vegetal, alcatrão, lignina e água ácida. O carvão pode ser usado como combustível industrial de médio poder calorífico e, futuramente, também para abastecer uma termelétrica. O óleo vegetal pode ser usado na fabricação de biodiesel e os demais produtos encontram também aplicações na indústria.

Além da incineração e da carbonização, existem várias outras tecnologias de WTE, tais como a gasificação, o GDL (Gás do Lixo), a DRANCO (Dry Anaerobic Composting, ou Compostagem Seca Anaeróbia) e a BEM (Biomassa-Energia-Materiais).

A gasificação converte a biomassa oriunda do lixo em CO (monóxido de carbono) e H2 (hidrogênio), a partir de uma reação controlada a temperaturas elevadas na presença de oxigênio, sem combustão. O gás resultante é uma mistura denominada gás de síntese, que pode ser usado como combustível em motores (semelhantes aos motores a gasogênio da segunda Guerra) ou em turbinas a gás.

O GDL é uma mistura usualmente composta por 50% de CH4 (metano, altamente inflamável), 45% de CO2 (dióxido de carbono, mais conhecido como gás carbônico) e 5% de H2S (sulfeto de hidrogênio, gás que libera aquele característico odor de ovo podre). O GDL recuperado dos aterros pode ser aproveitado para produção de energia ou para venda por meio de gasodutos. A geração de energia a partir do GDL pode ser feita por meio de motores de combustão interna, turbinas a gás ou turbinas a ciclo combinado (associadas a caldeiras a vapor). Nesse caso será necessário remover o gás carbônico e instalar uma série de filtros para eliminação de impurezas.

Uma desvantagem que pode ser apontada na tecnologia GDL é que o gás é extraído, mas o lixo não é eliminado, continuando presente nos aterros. Na tecnologia DRANCO, por outro lado, o lixo é recolhido, a matéria orgânica é separada das porções recicláveis e enviada para um biodigestor isento de oxigênio.  No digestor ocorre uma decomposição química que gera adubo (húmus), metano e gás carbônico. O metano pode ser separado do gás carbônico e utilizado de maneira semelhante à da tecnologia GDL. Na Europa existem mais de 10 plantas DRANCO funcionando e a tecnologia, cujas pesquisas se iniciaram em 1980, é hoje considerada bem desenvolvida.

A tecnologia BEM é de origem brasileira e está em desenvolvimento desde o final da década de 80, por um grupo de pesquisadores liderado pelo professor Daltro Pinatti, da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), e pelo Grupo Peixoto de Castro. Nesta tecnologia a biomassa dos resíduos sólidos é picada e compactada em silos especiais, por meio de uma rosca helicoidal. Adiciona-se então ácido sulfúrico residual industrial diluído e o reator é aquecido. Os resultados desse processo são a celulignina, que pode ser usada como combustível, ração animal e madeira sintética, e uma fração líquida (pré-hidrolisado, que pode ser transformado em furfural). A celulignina pode ser pulverizada em um combustor e utilizada em turbinas a gás a ciclo combinado.

No Brasil o lixo é formado por 65% de resíduos alimentares, 25% de papel, 5% de plástico, 3% de metais e 2% de vidro. Considerando que papeis e plásticos podem ser reciclados ou convertidos diretamente em combustível, e que metais e vidro podem ser reciclados, restam os 65% de resíduos alimentares para incineração e produção de energia.

Em um estudo de 2004, Luciano Basto de Oliveira [1] estimou que, quando conjugadas todas as tecnologias, o aproveitamento do lixo em usinas WTE poderia suprir mais do que 20% do consumo de energia elétrica brasileiro, comparável, naquela época, a 65% da produção de Itaipu. Sejamos conservadores e digamos que somente metade desse potencial possa ser efetivado. Ainda assim, trata-se de um montante considerável de energia, que não pode ser desprezado.

[1] OLIVEIRA, Luciano Basto, Potencial de aproveitamento energético de lixo e de biodiesel de insumos residuais no Brasil. Tese de doutorado, COPPE/UFRJ, 2004. http://www.ppe.ufrj.br/ppe/production/tesis/lboliveira.pdf

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