sábado, julho 30, 2011
segunda-feira, julho 18, 2011
Energia a partir do lixo
Se comparado ao sistema elétrico brasileiro, quase todo interligado e bastante avançado tecnologicamente, nosso sistema de tratamento de lixo é um dos mais primitivos. Em países desenvolvidos, como Japão, Alemanha, Dinamarca, Suiça e França, mais de metade do lixo municipal e incinerado. No Brasil, por outro lado, a incineração é utilizada, quando muito, para tratar resíduos perigosos, como é o caso dos resíduos hospitalares, e uma parcela insignificante é transformada em energia. Esse problema é preocupante e duplamente surpreendente, pois o tratamento do lixo poderia, por um lado, ajudar a solucionar o problema da destinação final dos resíduos e, por outro, complementar o fornecimento de energia elétrica aos grandes centros. A União Europeia, por exemplo, produz 8.800 megawatts de energia elétrica a partir de 300 usinas e no mundo já existem mais de 1.700 usinas WTE.
A primeira usina WTE do Brasil e, até o momento, a única do tipo, é a Usina Verde, instalada na Ilha do Fundão, no Rio do Janeiro, que entrou em operação em 2005 e tem capacidade para processar 150 toneladas diárias de resíduos, produzindo energia elétrica que poderia ser vendida a R$ 180/MWh. Uma redução da ordem de 10% nesse preço, que poderia advir de ganhos de escala e da difusão da tecnologia, poderia tornar esse tipo de usina competitiva no mercado livre, no segmento de fontes incentivadas, atualmente formado por PCHs, usinas de biomassa e eólicas. Na Usina Verde, os resíduos são separados manualmente e encaminhados para um forno onde são incinerados a uma temperatura média de 950°C. Os gases quentes são aspirados por meio de uma caldeira de recuperação, que produz o vapor, o qual aciona um turbogerador de 600 kW. Um subproduto do processo é um material inerte, que está sendo testado na fabricação de tijolos e pisos.
Outra usina, da qual fiquei sabendo por meio do Sr. Edilson, é o Projeto Natureza Limpa, vencedor do Prêmio GreenBest 2011 na categoria Júri Popular. Este projeto, desenvolvido pelo Engenheiro Railton Lima e implantado pela TJMC Empreendimentos, consiste na carbonização de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), sem necessidade de separação prévia do lixo e com reduzido impacto ambiental. A usina piloto encontra-se implantada em Unaí, MG, e produz carvão briquetado, óleo vegetal, alcatrão, lignina e água ácida. O carvão pode ser usado como combustível industrial de médio poder calorífico e, futuramente, também para abastecer uma termelétrica. O óleo vegetal pode ser usado na fabricação de biodiesel e os demais produtos encontram também aplicações na indústria.
Além da incineração e da carbonização, existem várias outras tecnologias de WTE, tais como a gasificação, o GDL (Gás do Lixo), a DRANCO (Dry Anaerobic Composting, ou Compostagem Seca Anaeróbia) e a BEM (Biomassa-Energia-Materiais).
A gasificação converte a biomassa oriunda do lixo em CO (monóxido de carbono) e H2 (hidrogênio), a partir de uma reação controlada a temperaturas elevadas na presença de oxigênio, sem combustão. O gás resultante é uma mistura denominada gás de síntese, que pode ser usado como combustível em motores (semelhantes aos motores a gasogênio da segunda Guerra) ou em turbinas a gás.
O GDL é uma mistura usualmente composta por 50% de CH4 (metano, altamente inflamável), 45% de CO2 (dióxido de carbono, mais conhecido como gás carbônico) e 5% de H2S (sulfeto de hidrogênio, gás que libera aquele característico odor de ovo podre). O GDL recuperado dos aterros pode ser aproveitado para produção de energia ou para venda por meio de gasodutos. A geração de energia a partir do GDL pode ser feita por meio de motores de combustão interna, turbinas a gás ou turbinas a ciclo combinado (associadas a caldeiras a vapor). Nesse caso será necessário remover o gás carbônico e instalar uma série de filtros para eliminação de impurezas.
Uma desvantagem que pode ser apontada na tecnologia GDL é que o gás é extraído, mas o lixo não é eliminado, continuando presente nos aterros. Na tecnologia DRANCO, por outro lado, o lixo é recolhido, a matéria orgânica é separada das porções recicláveis e enviada para um biodigestor isento de oxigênio. No digestor ocorre uma decomposição química que gera adubo (húmus), metano e gás carbônico. O metano pode ser separado do gás carbônico e utilizado de maneira semelhante à da tecnologia GDL. Na Europa existem mais de 10 plantas DRANCO funcionando e a tecnologia, cujas pesquisas se iniciaram em 1980, é hoje considerada bem desenvolvida.
A tecnologia BEM é de origem brasileira e está em desenvolvimento desde o final da década de 80, por um grupo de pesquisadores liderado pelo professor Daltro Pinatti, da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), e pelo Grupo Peixoto de Castro. Nesta tecnologia a biomassa dos resíduos sólidos é picada e compactada em silos especiais, por meio de uma rosca helicoidal. Adiciona-se então ácido sulfúrico residual industrial diluído e o reator é aquecido. Os resultados desse processo são a celulignina, que pode ser usada como combustível, ração animal e madeira sintética, e uma fração líquida (pré-hidrolisado, que pode ser transformado em furfural). A celulignina pode ser pulverizada em um combustor e utilizada em turbinas a gás a ciclo combinado.
No Brasil o lixo é formado por 65% de resíduos alimentares, 25% de papel, 5% de plástico, 3% de metais e 2% de vidro. Considerando que papeis e plásticos podem ser reciclados ou convertidos diretamente em combustível, e que metais e vidro podem ser reciclados, restam os 65% de resíduos alimentares para incineração e produção de energia.
Em um estudo de 2004, Luciano Basto de Oliveira [1] estimou que, quando conjugadas todas as tecnologias, o aproveitamento do lixo em usinas WTE poderia suprir mais do que 20% do consumo de energia elétrica brasileiro, comparável, naquela época, a 65% da produção de Itaipu. Sejamos conservadores e digamos que somente metade desse potencial possa ser efetivado. Ainda assim, trata-se de um montante considerável de energia, que não pode ser desprezado.
[1] OLIVEIRA, Luciano Basto, Potencial de aproveitamento energético de lixo e de biodiesel de insumos residuais no Brasil. Tese de doutorado, COPPE/UFRJ, 2004. http://www.ppe.ufrj.br/ppe/production/tesis/lboliveira.pdf
terça-feira, julho 12, 2011
Da série "Filmes Que Vimos Ontem": "A Teoria do Amor" (1994)
O filme se passa na casa de Einstein em Princeton (Rua Mercer, 112), no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e em localidades próximas. Um aspecto estranho é que a casa de Einstein, que até hoje tem um jardim gramado, no filme tem a porta de frente para a rua. Em compensação, há um quintal com uma quadra de badminton, hábito que nenhum biógrafo de Einstein havia revelado.
Durante a abertura vemos Einstein caminhando na companhia de dois colegas cientistas, que mais tarde descobrimos serem Kurt Gödel e Boris Podolsky. Também é estranho que Gödel, um dos sujeitos mais magros e tímidos da Princeton da época de Einstein, seja representado por um extrovertido Lou Jacobi, bem gordinho à época da realização do filme. Os três discutem sobre a natureza do tempo e Einstein aproveita para enunciar uma de suas famosas frases: "Deus não joga dados com o Universo". Em outro lugar, Catherine, que é sobrinha de Einstein no filme e tem pretensões científicas, está conversando com seu noivo, que não a leva a sério.
O enredo do filme é simples. Ed Walters, um mecânico de automóveis interessado por ciência, apaixona-se à primeira vista por Catherine Boyd. Ao mesmo tempo, Einstein e Ed se conhecem e Einstein simpatiza com ele. Após saberem do interesse de Ed por Catherine, Einstein, Gödel e Podolsky resolvem tecer um plano para escantear James Moreland e fazer Catherine se interessar pelo mecânico: basta transformar Ed em um cientista! Einstein recupera então um artigo seu, não publicado, sobre fusão a frio, e instrui Ed a apresentá-lo no Simpósio Internacional de Física a ser realizado nos próximos dias.
Que eu saiba, Einstein nunca trabalhou com fusão a frio. Embora o assunto tenha sido investigado pela primeira vez na década de 20, o termo "fusão a frio" em si só foi cunhado em 1956, pouco menos de um ano após a morte de Einstein. Ainda assim, Ed apresenta o artigo no simpósio, naquela que pode ser só descrita como a pior e mais sofrível apresentação de todos os tempos. Inacreditavelmente, todos levam as ideias dele a sério, as quais consistem em usar a fusão a frio para impulsionar um foguete até as estrelas, coisa que os russos também estariam tentando.
Pouco depois, Catherine descobre um erro no artigo de Ed, que na verdade é de Einstein, mostrando que a fusão a frio é impossível. A trapaça é revelada após a intervenção do Presidente Eisenhower, de uma declaração de Einstein à imprensa e da aparição do cometa Boyd, descoberto anos antes pelo pai de Catherine. Apesar de tudo, Ed e Catherine acabam juntos, é claro, pois estamos falando de uma comédia romântica.
Tenho de confessar que sempre assisto partes desse filme quando ele é exibido na TV. Vale pelo cenário (Princeton da década de 50, na primavera) e por outras coisas, mas, no cômputo geral, realmente não gosto dele. Por um lado, é uma pena que Walter Matthau tenha desperdiçado um papel de Einstein em um filme tão bobo. Por outro, é realmente deprimente que trapaças científicas sejam mostradas de maneira tão natural, deixando a impressão de que deveriam ser aceitas, desde que por uma "boa causa".
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Marcadores: Einstein, Gödel, I.Q., Podolsky, Teoria do Amor
segunda-feira, julho 04, 2011
Produção de energia termelétrica no Brasil
Houve um tempo em que a produção de energia elétrica brasileira era basicamente de origem hidrelétrica, com usinas termelétricas acionadas somente em situações de graves restrições hídricas. Este quadro começou a mudar particularmente após o racionamento de 2001/2002, quando usinas termelétricas emergenciais foram contratadas para evitar o agravamento do quadro. Nossa produção ainda é bastante hidrelétrica, como mostra a figura abaixo, mas, em alguns momentos dos últimos cinco anos, nossa produção termelétrica (nucleares inclusas) chegou a ultrapassar 15% do total.
Os maiores níveis de produção termelétrica ocorreram no início de 2008, quando todas as termelétricas disponíveis foram convidadas a despachar, e entre agosto e dezembro de 2010. No primeiro caso o ONS autorizou o despacho termelétrico, fato totalmente inusitado no início do ano, por causa do atraso da chegada do período úmido, que estava deplecionando os reservatórios do Sudeste a uma taxa preocupante. O segundo caso é talvez mais complicado. Por causa dos desligamentos ocorridos nas linhas de Itaipu em novembro de 2009, esta usina passou a operar com produção reduzida entre dezembro de 2009 e junho de 2010. O decréscimo de produção de Itaipu foi compensado pelas demais hidrelétricas, especialmente até maio de 2010, como indica o gráfico, quando o período seco já estava em curso. O resultado foi que, embora o armazenamento do Sudeste tenha iniciado o ano de 2010 no melhor nível dos últimos cinco anos (73%), em meados de novembro de 2010 este nível estava em 41%, ainda pior do que o nível no mesmo período de 2007 (50%). Como resultado, as termelétricas foram novamente acionadas.
A figura abaixo mostra a variação produção termelétrica (carvão, gás, diesel e óleo combustível - nucleares exclusas), em MW médios diários e em termos médios mensais, do início de novembro de 2007 ao final de junho de 2011. O pico de 8.000 MW médios em setembro de 2010 corresponde a 16% da produção eletroenergética total do período, evidenciando que temos lançado mão de todos nossos recursos disponíveis quando necessário (mesmo que tais medidas tenham sido severamente criticadas, como foi o caso de 2010). Já se foi a era de um sistema predominantemente hidrelétrico, composto por vários reservatórios plurianuais. E esta era acabou tão rápido que alguns livros-texto talvez nem tenham sido ainda atualizados.