A irrelevância da Copa do Mundo
Conta a lenda que o grande lógico-matemático brasileiro Newton da Costa chegou certa vez para dar aulas na Universidade de São Paulo e encontrou o campus deserto. Em busca de respostas, talvez temendo uma revolução ou hecatombe nuclear, logo descobriu que as aulas haviam sido suspensas por causa de um jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo.
Newton da Costa, internacionalmente conhecido por seus trabalhos em lógica paraconsistente, certamente tinha mais o que fazer da vida do que assistir uma mera partida de futebol e deve ter voltado para casa reclamando desses brasileiros "cabeça-de-torpedo".
Ninguém pretende, obviamente, que brasileiros comuns tenham a dimensão intelectual de da Costa, nem mesmo que cheguem perto disso. Do brasileiro pobre, que passa a vida se espremendo em filas de ônibus, fugindo de balas perdidas e esperando que o fim do mês chegue logo, infelizmente não se pode esperar grandes arroubos intelectuais. Não se pode esperar isso nem mesmo do brasileiro razoavelmente escolarizado, mas que pensa que "Quem mexeu no meu queijo" é um livro de Administração.
Desses brasileiros eu entendo o apego excessivo ao futebol e à Copa do Mundo. Também entendo quando é o caso de pessoas que nasceram em uma "família futebolística", na qual a paixão pelo esporte se propaga como um meme de uma geração a outra. Sei disso, pois vivo com uma delas, atleticana fanática. Nos outros casos, é melhor abandonar qualquer esperança de se encontrar uma explicação racional.
É claro que a nossa não é a primeira civilização a prezar os esportes a ponto de considerá-los manisfestações divinas. Na Grécia antiga, por exemplo, as competições esportivas eram dedicadas aos deuses do Olimpo.
Os atletas gregos, assim como os atuais, passavam uma vida dedicada ao esporte, recebiam tratamento especial, eram venerados e idolatrados.
E, ao contrário aos atletas atuais, que não passam de dondocas milionárias hospedadas em hotéis cinco estrelas, reclamando de febre e bolhas nos pés, os atletas gregos se dispunham a competir até a morte, coisa que acontecia com frequência inadmissível na atualidade.
Apesar disso, alguém sabe quem foram esses atletas gregos? Alguém, que não seja um professor de história, sabe citar ao menos o nome de um deles? Quem eram esses semi-deuses que dedicavam a vida ao esporte? Ninguém sabe. Contudo, qualquer estudante de ensino médio sabe (ou deveria saber) citar uma meia dúzia de filósofos gregos, uns três artistas e talvez um ou dois estadistas.
Os Jogos Olímpicos da antigüidade, que inspiraram os jogos modernos, foram totalmente ofuscados pelas outras contribuições gregas à cultura ocidental, todas elas muito mais importantes.
Ninguém sabe quem foi Leônidas de Rodes, mas todos sabem quem foi Aristóteles. Ninguém sabe quem foi Milo de Croton, mas todos sabem quem foi Euclides. Ninguém sabe quem foi Quiônis de Esparta, mas todos sabem quem foi Arquimedes.
E, da mesma forma que aconteceu com os gregos, nossa herança para as gerações futuras deverá ser intelectual, não desportiva, ao menos se quisermos ser vistos como uma civilização digna de alguma consideração.
Descontando a questão do condicionamento físico, esporte é irrelevante. O corredor mais rápido que existe perderia o fôlego se tentasse alcançar uma chita manca. O nadador mais rápido seria humilhado por um golfinho com uma nadadeira nas costas. O halterofilista mais bem preparado não teria chances contra um gorila adolescente.
E, ainda que esportes coletivos dependam mais de coordenação e trabalho em equipe do que de força bruta e velocidade, qualquer grupo de humanos que tentasse acompanhar uma matilha de lobos durante uma caçada veria que há muitas coisas que é melhor deixar que os (outros) animais façam.
As únicas coisas que fazemos melhor do que os animais dizem respeito ao raciocínio e à comunicação. É nessas coisas que devemos nos esmerar, não em correr, pular e nadar, coisas que os outros animais fazem muito melhor.
Dentro de um ou dois milênios, ninguém mais se lembrará de Pelé, Maradona, Ronaldo, Ronaldinho e outros, mas os nomes de Einstein, Feynman, Hawking, Newton da Costa, Leonardo, Picasso e outros ecoarão ecoarão pela eternidade. Além disso, se for para escolher um esporte, prefiro muito mais tênis feminino do que esses marmanjos peludos que são pagos para brincar de bola.
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