quinta-feira, agosto 10, 2006

Heloísa Helena e falácias lógicas

A entrevista da senadora Heloísa Helena ao Jornal Nacional, em 8/8, me deixou mais surpreso pela forma do que pelo conteúdo. Não tenho dúvidas de que ela é uma das candidatas mais simpáticas do momento atual, mas a impaciência apresentada não revela uma pessoa preparada para assumir a presidência da República. Cortar perguntas pelo meio e respondê-las começando com um "meu amor" me dá a idéia de uma pessoa que está mais preocupada em apresentar uma visão de mundo do que em construir a sociedade igualitária que ela tanto prega. A primeira tarefa pode ser realizada isoladamente, pois cada um pode ter a visão de mundo que bem entenda, por absurda que seja. Mas construir uma sociedade melhor do que atual exige compreender as necessidades dos outros e parece-me que Heloísa Helena está muito mais preocupada em adivinhar tais necessidades, adaptando-as à sua ideologia, do que em entendê-las.

Esses detalhes, contudo, poderão ser polidos por um marketeiro qualquer em todas as campanhas futuras da qual a senadora participará. O problema é o conteúdo da entrevista, já esperado. Os "ismos" (socialismo, marxismo, catolicismo, etc) escorrem da boca da senadora a cada palavra, assim como as falácias lógicas. Perguntada se invadiaria fazendas improdutivas, ela respondeu que não poderia fazê-lo, pois, como presidente da República, deverá seguir a lei. Um belo exemplo de non sequitur, uma falácia lógica que ocorre quando o argumento não decorre logicamente das premissas. Ora, o que o entrevistador desejava saber era se a senadora era favorável à invasão de terras, não se ela conhecia a lei, coisa que se espera de qualquer candidato minimamente preparado. Em outra oportunidade, Heloísa afirmou saber mais de reforma agrária do que a entrevistadora, esbarrando perigosamente em um imperdoável argumento de autoridade.

A distorção do conceito de "democracia" também ficou evidente, mas tal distorção é tão comum em nossos dias que quase não a percebemos. Democracia é simplesmente um sistema de governo no qual o povo tem o poder de decisão, ao contrário da monarquia absolutista, onde o monarca é detentor de tal poder, ou da ditadura, onde o poder de decisão é exercido por um tirano que tomou o governo a força. Decorre que os regimes democráticos são mais liberais e o povo pode se manisfestar livremente, dentro dos limites de leis escritas por ele mesmo, sem temor de represálias. Isso não significa, contudo, que regimes democráticos impliquem automaticamente em desenvolvimento econômico. Heloísa Helena cai nesse erro ao afirmar que a democracia não está consolidada no Brasil porque "48% de toda a riqueza produzida nacionalmente fica com 0,005% da população". As raízes de nossa péssima distribuição de renda estão muito mais relacionadas à nossa cultura patrimonialista e cartorial, além da nossa exuberante incapacidade administrativa, do que à consolidação imperfeita da democracia.

Outra confusão da senadora é o argumento de que o socialismo não pode ser criticado porque nunca existiu verdadeiramente em nenhuma parte do mundo. Essa afirmação não é original, muito menos verdadeira. O socialismo pode ser criticado em tese e de fato. Pode ser criticado em tese porque parte de hipóteses incorretas a respeito da natureza humana. Marx, por exemplo, relevou grandemente o papel do egoísmo humano. E o socialismo pode ser criticado de fato porque as dificuldades de implantação são tão grandes que a tarefa nunca foi levada a cabo. Muitos experimentos não precisam ser completamente realizados para que o fracasso se evidencie. Por exemplo, não precisamos percorrer uma estrada do início ao fim para percebermos que tomamos o caminho errado.

Finalmente, a senadora Heloísa Helena nos apresentou sua já célebre confusão entre socialismo e cristianismo, dizendo que "aprendeu socialismo na Bíblia". Ora, isso é o mesmo que tentar aprender mecânica quântica lendo Aristóteles! Embora alguns dos fundamentos do socialismo utópico sejam semelhantes aos do cristianismo primitivo, misturar ambos significa confundir política e religião, confusão da qual Jesus de Nazaré foi hábil em fugir. E, se eu tenho medo de um socialista ateu, tenho muito mais medo de um socialista cristão, que tem Deus a seu lado para justificar todos os seus atos. Destes, nunca se sabe o que esperar.

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