De como o Brasil trata a ciência e a tecnologia, 3ª Parte: Brain Drain
Quando eu estava na quarta-série do ensino primário, a escola em que eu estudava organizou um concurso intitulado "esse é um país que vai pra frente", bem ao sabor da ditadura então em voga. Para participar, deveríamos desenhar um cartaz que ilustrasse o inevitável crescimento do Brasil. Meu pai, sempre com seu humor cáustico e inteligente, sugeriu que eu desenhasse um mapa do Brasil repleto de mulheres grávidas, mas comentou que talvez os militares não entendessem muito bem a idéia. Após algum tempo, resolvi desenhar um mapa do Brasil com uma escola ao centro e crianças se dirigindo a ela. Minha mãe me ajudou com o esboço e passei várias horas pintando o mapa, a escola e as crianças com lápis de cor. Um desenho tamanho A-zero com lápis de cor! Até hoje me lembro que um dos meus colegas ficou impressinado com a minha paciência e, até onde me lembro, ganhei a primeira fase do concurso, mas nunca soube o que aconteceu depois.
Era o longínquo ano de 1975 e aquela cena das crianças se dirigindo a uma escola nunca me saiu da memória. Mais tarde, já no segundo grau, posteriormente rebatizado, sabe-se lá com que razão, para "ensino médio", lembro-me de ter participado de um debate sobre desenvolvimento tecnológico, um tema recorrente para quem cursava o técnico em eletrônica. Não me lembro dos detalhes, mas me lembro vividamente de alguém ter comentado que o Japão havia investido maciçamente em educação, e que essa deveria ser a chave do grande sucesso que esses país estava alcançando. Lembro-me também de alguém ter comentado que o Brasil exportava minério de ferro, enquanto o Japão importava aço e ferro e exportava tecnologia. O exemplo de "tecnologia" dado por essa pessoa foi uma mera agulha de toca-discos, mas os tempos eram outros.
Esse debate deve ter ocorrido por volta de 1982, não mais que 1983. Já se passaram, portanto, mais de 20 anos. Durante todo esse tempo, todos os presidentes e governadores brasileiros não deixaram de apregoar seu compromisso perene com a educação. É claro que tivemos que nos virar com a praga da inflação, mas não tivemos que viver com os escombros do pós-guerra, como os japoneses. Hoje, o Japão é para nós inatingível. Tentamos até copiá-los tardiamente, na década de 90, quando a febre da Qualidade Total contaminava todos por aqui. A crise japonesa do final da década de 90 talvez tenha diminuído nosso ímpeto em imitá-los, mas raramente nos lembramos que a "crise" japonesa só existiu quando medida em termos dos altíssimos padrões japoneses. Para nós, teria sido uma mera turbulência.
Desde a década de 70 até agora, alguns países aprenderam que a receita japonesa dá certo. O caso mais bem sucedido talvez seja a Coréia do Sul, seguida recentemente pela China e pela Índia. Tudo indica que vamos ficar para trás.
Uma boa medida da efetividade das políticas educacionais de um país é o brain drain, fenônmeno que pode ser traduzido por "perda de cérebros". Todo país sofre com isso, inclusive os mais avançados. Não é raro toparmos com um norte-americano ou europeu que veio fazer um curso no Brasil, ou participar de algum programa de incentivo, ou assumir uma diretoria temporária em uma multinacional, apaixonou-se por uma brasileira e aqui ficou, apesar dos pesares. Mas, quando o brain drain é excessivo é que a porca torce o rabo.
O jornal O Globo desse domingo dá números assustadores. A cada ano, entre 140 a 160 mil profissionais qualificados deixam o Brasil. É como se, a cada ano, perdêssemos a USP, a UFRJ, a UFF e uma parte da UFMG. O motivo são os baixos salários, a falta de empregos qualificados e, sobretudo, a nossa falta de respeito pela competência profissional.
Franciso Antônio Dória, professor emérito da UFRJ, já havia apontado para esse problema em dezembro do ano passado, em entrevista ao Estadão, quando criticou a política do CNPq e a falta de respeito com a pesquisa. O problema, contudo, é muito maior do que o CNPq. Somos historicamente pouco afeitos à educação. Nosso negócio é praia, churrasco e futebol. O brasileiro cresce sonhando em ser jogador ou pagodeiro, profissões que exigem um quase nada de educação formal. O CNPq, do qual o professor Dória pode falar com muito mais porpriedade do que eu, é apenas um efeito dessa cultura, não a causa.
Enquanto perdemos milhares de profissionais por ano, o governo continua exercendo todo o populismo que os programas assistenciais permite. Mas é fácil perceber que assistencialismo não basta. Somos uma nação formada maciçamente por pobres capazes de absorver qualquer verba assistencial na qual o governo seja capaz de pensar, e que será desviada dos verdadeiros programas educacionais. Quanto mais investirmos em assistencialismo, mais pobres ficaremos, pois nunca haverá dinheiro suficiente. E, dentro de poucos anos, Índia e China terão nos atropelado, apesar dos enormes problemas deles mesmos.
Tenho dúvidas se o Brasil do futuro será um lugar melhor. Seremos mais burros, pois teremos perdido todos nossos gênios e até mesmo os profissionais apenas razoavelmente inteligentes. Seremos mais violentos, pois a falta de educação terá perpetuado a pobreza, que só enxergará o tráfico como meio de sobrevivência. Seremos mais racistas, pois os "brancos" terão se insurgido contra os "negros" detentores de quotas para todos os tipos de cargos públicos. E, finalmente, não tendo outra opção, teremos que retornar à nossa natureza de país exportador de commodities. É claro que nada disso precisa acontecer, bastanto que direcionemos os investimentos para as áreas de educação, ciência e tecnologia, e que administremos os recursos de maneira eficiente, profissional e desburocratizada. Mudanças culturais demoram, são caras e dolorosas, mas são possíveis.
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