Ralph Alpher, físico teórico cujos trabalhos deram origem à moderna teoria do Big Bang, faleceu no último dia 12, em Austin, EUA, devido a complicações respiratórias [1].
Alpher ficou conhecido do público brasileiro em outubro do ano passado, quando o programa “Fantástico” exibiu o sexto epísódio da série “Poeira das Estrelas” , apresentado pelo físico Marcelo Gleiser [2]. Alpher, cujos cálculos serviram de apoio à teoria do Big Bang, foi esquecido pela Academia Sueca em 1978, quando o Prêmio Nobel foi dividido entre Arno Penzias e Robert Wilson, responsáveis pela comprovação experimental das previsões de Alpher.
Em 1948, Alpher e Gamow publicaram seus resultados sobre a previsão da existência da “radiação cósmica de fundo”, um resíduo fóssil da grande explosão (“Big Bang”) que deu origem ao universo. George Gamow, um cientista russo exilado, exêntrico e brincalhão, convidou o físico Hans Bethe para assinar o artigo, de modo que os autores formassem o trio “Alpher-Bethe-Gamow”, em analogia às três primeiras letras do alfabeto grego (a pronúncia mais correta de “Bethe” assemelha-se a “Beta”). Essa pequena brincadeira talvez tenha obscurecido a participação de Alpher na descoberta. De fato, Bethe, muito mais conhecido na época e outro grande brincalhão, contribuiu apenas com seu nome, enquanto Alpher fez grande parte do trabalho matemático para o artigo, pois este havia se originado de sua tese de doutorado, orientada por Gamow.
Mesmo assim, não é totalmente correto dizer que o trabalho de Alpher e Gamow não causou impacto. Por exemplo, a defesa da tese de Alpher, em vez de ser conduzida da maneira usual, na presença do orientador, da banca e de algumas outras pessoas, atraiu 300 pessoas ao auditório da George Washington University. No dia seguinte, o Washington Post publicou uma matéria de seis parágrafos, intitulada “O mundo começou em cinco minutos, diz nova teoria”. Poucos meses depois, Alpher publicou outro artigo científico, no qual previa corretamente que a radiação de fundo ainda estava presente e poderia ser medida, apesar do ceticismo a respeito do Big Bang.
Em 1964, Arno Penzias e Robert Wilson, então nos Laboratórios Bell, estavam trabalhando na instalação de um receptor de microondas ultra-sensível, destinado a observações radioastronômicas. Ao apontarem a antena em direção ao espaço, Penzias e Wilson captaram um chiado, que não deveria existir e do qual não conseguiam se livrar.
Após rejeitarem várias hipóteses para o ruído, inclusive tendo limpado as feses de pombos deixadas sobre a antena (às quais Penzias denominou de “material dielétrico branco”), Penzias ouviu falar sobre um radiotelescópio que estava sendo construído por cientistas de Princeton, o qual tinha o objetivo de dedectar a radiação de fundo do Big Bang. Ligando os fatos, Penzias e Wilson concluiram que o ruído captado pela antena era justamente aquele causado pela radiação de fundo e publicaram um artigo científico, o qual, ajudado pela reputação dos Laboratóriso Bell, ganhou grande notoriedade. O artigo não citava os trabalhos de Alpher e Gamow, embora Penzias tenha citado os dois cientistas dezenas de vezes em sua palestra de aceitação do Nobel [3].
Também não é totalmente correto dizer que, tendo sido esquecido pela Academia Sueca, Alpher foi esquecido também pelo mundo científico. Em 1975, ele recebeu o Prêmio Magalhães, da Sociedade Filosófica Americana, e a Medalha John Price Wetherill, do Instituto Franklin. Em 1993, Alpher recebeu a Medalha Henry Draper, da Academia Nacional de Ciências e, em 2005, ele recebeu a Medalha Nacional de Ciências, o maior prêmio científico oferecido a cientistas norte-americanos.
Alpher, o sobrevivente de um derrame que aparece na série “Poeira das Estrelas”, foi certamente injustiçado pela Academia Sueca, mas não foi de forma alguma um fracassado. Talvez tenha faltado a ele uma certa dose de marketing, talvez a ironia do artigo “Alpher-Bethe-Gamow” não tenha sido bem compreendida pela Academia Sueca, talvez ele tenha ficado decepcionado com a curta duração do entusiasmo em torno de sua tese de doutorado. Mesmo assim, ele continuou trabalhando até 2004, publicando artigos e contribuindo para o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da General Electric. A inscrição na Medalha Nacional de Ciências, concedida a ele em 2005 e recebida pelo seu filho Victor Alpher em 2007, diz: “Pelo trabalho sem precedentes nas áreas da nucleosíntese, pela previsão de que a expansão do universo produz uma radiação de fundo remanescente, e por fornecer um modelo para a teoria do Big Bang” [4]. Essa honraria, concedida a menos de 500 cientistas de todas as áreas, desde 1959, é considerada por muitos como mais importante do que o próprio Nobel.
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[1] SULLIVAN, Patricia. “Ralph A. Alpher; Physicist Published Theory of Big Bang. Washington Post. Aug. 14, 2007. Disponível em <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/08/13/AR2007081301014.html>
[2] GLEISER, Marcelo. “Poeira da estrelas: o verdadeiro descobridor do universo”. Disponível em <http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM545706-7823-POEIRA+DAS+ESTRELAS+O+VERDADEIRO+DESCOBRIDOR+DO+UNIVERSO,00.html>
[3] PENZIAS, Arno. “The origin of elements”. Nobel Lecture, Dec. 8, 1978. Disponível em <http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1978/penzias-lecture.pdf>.
[4] The President's National Medal of Science: Recipient Details. Disponível: <http://www.nsf.gov/od/nms/recip_details.cfm?recip_id=5300000000427>.