Novembro de 1906: um brasileiro nos céus de Paris
Em outubro de 1906, o brasileiro Alberto Santos-Dumont já havia feito seu primeiro vôo com o 14 Bis, a primeira aeronave mais pesada do que o ar a levantar vôo sem equipamentos auxiliares. Pela façanha, recebeu um prêmio de 3.000 francos (cerca de R$ 30.000 atuais). Em 12 de novembro do mesmo ano, o brasileiro voltou ao comando do 14 Bis, realizando o primeiro vôo reconhecido pela Federação Aeronáutica Internacional.
Muitos brasileiros ficam irritados quando os norte-americanos afirmam que o avião foi inventado pelos irmãos Wright. O interessante é que muitos países têm seus pioneiros da aviação. Os neozelandeses têm Richard Pearse, os alemães têm Karl Jatho, os romenos têm Traian Vuia e até mesmo os irmãos Wright têm concorrentes nos Estados Unidos, pois muitos dizem que Gustave Whitehead teria alçado vôo em uma aeronave mais pesada do que o ar em 1901, dois anos antes de Wilbur e Orville. Na época, havia uma grande concorrência entre inventores de diversas partes do mundo, pois, com a invenção do motor a combustão interna, era só uma questão de tempo até que alguém resolvesse o complicado problema do vôo com o mais pesado do que o ar. Assim, para nós, brasileiros, a questão da primazia de Santos-Dumont não é realmente importante.
Lembremos que, por volta do início do século XX, os Estados Unidos já haviam ultrapassado o PIB da Inglaterra. Já havia naquele país, como sempre houve, um grande respeito pela iniciativa privada, por invenções e por inovações. De fato, Wilbur e Orville Wright trabalharam em terra pátria, de olho no potencial comercial do invento, escondendo o projeto dos concorrentes. O Brasil, por outro lado, era uma grande fazenda recém-saída do Império. Não havia aqui indústria de porte, pois ainda sofríamos os efeitos devastadores da administração colonial de um Portugal tão atrasado que impedia que as colônias tivessem indústrias de qualquer espécie ou sequer imprimissem livros. A Santos-Dumont, como a tantos outros antes e depois dele, não restava alternativa a não ser atravessar o Atlântico e instalar-se no centro do mundo civilizado: Paris.
Na França, Santos-Dumont construiu 11 dirigíveis entre 1898 e 1905. Usando o dirigível Número 6, ele conquistou um prêmio de 100.000 francos, após partir do Parque Saint Cloud, contornar a Torre Eiffel e retornar em menos de 30 minutos, mantendo velocidade acima de 22km/h. Depois disso, Santos-Dumont tornou-se uma celebridade em Paris, a ponto de ter seu estilo de vestuário copiado pelos parienses, e viajou aos Estados Unidos em 1904, sendo recebido pelo presidente Theodore Roosevelt. Isso tudo ocorreu antes do 14 Bis e daquele que foi a mais perfeita de todas as aerovaves primitivas: o Número 19, mais conhecido como Demoiselle. Ao contrário dos irmãos Wright, que tinham ambições militares para o Flyer, Santos-Dumont sonhava com um futuro no qual todos teriam um avião particular.
Santos-Dumont não precisa ser lembrado por ter sido o inventor do avião, por ter sido o primeiro a levantar vôo sem equipamentos auxiliares em uma aeronave mais pesada do que o ar ou por ter sido o inventor do ultra-leve. Ele deve ser lembrado simplesmente por ter mostrado que, dadas as condições adequadas, os brasileiros podem concorrer em pé de igualdade em ciência e tecnologia de ponta. É isso que realmente importa.
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