No dia 15 de março tive a honra de ser convidado como paraninfo dos formandos de todas as turmas de Engenharia da UTFPR, campus Curitiba (Eletrônica, Elétrica, Automação, Construção Civil e Mecânica). Uma situação totalmente nova e inusitada, que reuniu no Auditório da UTFPR aqueles formandos que não quiseram participar dos eventos que seriam organizadas pelas respectivas comissões de formatura um mês depois. Segue-se o discurso.
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Ilustríssima senhora Diretora de Graduação e Educação profissional do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professora doutora Denise Rauta Buiar, demais autoridades já nomeadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos Engenheiros e Engenheiras recém-formados.
É sempre uma satisfação e uma grande honra ser escolhido paraninfo de uma turma de formandos. Dessa vez foi também uma grande surpresa, pois tenho a missão de discursar para os alunos de todos os cursos de Engenharia do Campus Curitiba. Espero estar à altura.
Quando me deparo com tantas especialidades da Engenharia, sempre me lembro de uma piadinha, meio de humor negro, de um amigo meu, Engenheiro Civil. Ele diz que não é preciso tanta confusão, pois afinal só existem duas Engenharias: a Engenharia Militar, que constrói as armas, e a Engenharia Civil, que constrói os alvos...
Falando um pouco mais a sério, o que separa uma Engenharia da outra é apenas a frequência de operação. Na Eletrônica a frequência é a maior possível, na faixa dos kHz, MHz, GHz. Na Eletrotécnica a frequência é padronizada: 60 Hz, com alguns harmônicos para lá e para cá. Na Mecânica, embora se meçam mais velocidades do que frequências, os fenômenos não parecem ocorrer com frequências superiores a algumas centenas de Hertz. E, na Engenharia Civil, a frequência ideal é zero. Se alguma coisa deve oscilar, que seja bem devagar! E finalmente temos a Engenharia de Automação, que foge um pouco a essa divisão. Afinal, a Automação é uma espécie de mutante transmorfo, composto por uma mistura de Eletrônica, Mecânica e Eletrotécnica, e opera em várias frequências diferentes.
Mas, se as Engenharias têm muitas diferenças entre si, os estudantes de Engenharia têm muito em comum, especialmente no início e no fim do curso. No início todos vocês estavam se batendo com as mesmas disciplinas (Cálculo, Álgebra, Geometria, Física). No fim, independente das disciplinas que estavam cursando, todos vocês só tinham em mente um único evento: a formatura.
Hoje em dia, para tornar a formatura mais concreta, vocês fazem contagens regressivas e postam vários comentários em redes sociais e blogs. No meu tempo de aluno não havia internet e eu escrevia um diário em papel mesmo. Quem ler meus diários da época de formando terá a impressão de que eu estava passando por uma grande tortura. Só para dar uma ideia, no último semestre havia uma disciplina chamada "Administração Financeira". O professor não era ruim, mas, 40 dias antes do fim do semestre, eu escrevi:
"
Faltam 40 dias. Fui terrivelmente mal na prova de Administração (Financeira). Devo ter tirado menos de 3 e ficado em exame... Uma prova daquele tipo só pode ser bem feita por quem tenha experiência com o mercado financeiro, que não é o meu caso... É incompreensível que alguém pense que um Engenheiro, mesmo o mais idiota deles, deva saber fazer um fluxo de caixa, um balanço patrimonial ou todo o resto. Afinal, ninguém supõe que um Administrador deva saber como funciona um amplificador ou uma subestação."
Em minha defesa, devo dizer que não me lembro de fato de ter escrito essas linhas, mas elas estão lá, escritas com tinta, com essas mesmas palavras. E, só para encurtar a história, cinco anos depois eu estava na Copel, trabalhando com planejamento da expansão da geração, área que exige, dentre muitas outras coisas, o conhecimento de assuntos relacionados a Administração Financeira. Cabe uma nota: apesar das lamúrias, eu passei por média em Administração Financeira.
Os formandos têm mesmo esse costume de achar que são injustiçados e que deveriam ser aprovados automaticamente em todas as disciplinas. Outro costume, que não é só dos formandos, é acharem que o destino já está traçado, quando a realidade é muito longe disso. À frente de vocês se desdobra um enorme leque de possibilidades profissionais. O único problema é que a maior parte de tais possibilidades é desconhecida no momento.
Correndo o risco de me tornar aborrecido, vou contar uma historinha sobre o início da minha vida profissional.
Um dos meus objetivos depois da formatura era entrar no LAC, o Laboratório Central de Pesquisa e Desenvolvimento, que hoje se chama LACTEC. Sabendo que na época o LAC fazia parte da Copel, imaginei que a maneira mais fácil de entrar no LAC era antes entrar na Copel. Depois de ter passado dois anos e meio na Engesp, uma pequena empresa de equipamentos médicos, e mais dois anos na Telepar, finalmente apareceu um concurso para a Copel. Fiz a inscrição, mas esqueci a calculadora e não passei no concurso. Seis meses depois apareceu outro concurso e daí eu passei.
Quando me chamaram para assumir, havia duas vagas. Uma delas era na Transmissão, com sede em Curitiba, mas exigia viagens constantes e, como eu já trabalhava no CEFET, como professor em regime parcial, não pude aceitar. A outra vaga era na Geração, na divisão de planejamento da expansão, com sede em Curitiba, exigia poucas viagens e era perfeita para mim.
Ao chegar lá, descobri que a tal divisão era bem pequena, com
apenas quatro Engenheiros, incluindo o gerente. Todos eles Engenheiros Civis. Para piorar, planejamento da expansão tem pouco a ver com Engenharia Civil, pouco a ver com Engenharia Elétrica, pouco a ver com Engenharia Mecânica, mas muito a ver com Engenharia de Planejamento, e eu não sabia nada daquilo. E eu comecei a pensar: "onde é que fui me meter?"
Mas acabei aprendendo alguma coisa e, depois de quase sete anos de Copel, pedi demissão para me dedicar mais ao Ensino e para atuar como consultor.
Desde então, algumas oportunidades só surgiram por causa do meu relacionamento com assuntos envolvendo planejamento, comercialização de energia e geração. E esse relacionamento só surgiu porque, uma vez, eu esqueci minha calculadora em casa e, outra, tive de recusar uma vaga na Transmissão. Do LAC, que hoje não faz mais parte da Copel, nunca cheguei nem perto.
Por causa daquela escolha, pude conhecer e trabalhar com Engenheiros Civis, Engenheiros Mecânicos, Engenheiros Agrônomos, Engenheiros Químicos, Engenheiros Eletrônicos, Engenheiros Cartógrafos, Engenheiros Florestais, Geólogos, Matemáticos, Físicos, Economistas, Contadores, Administradores, Meteorologistas, Estatísticos, Advogados, Psicólogos, Engenheiros da Computação, Engenheiros de Automação e até mesmo Engenheiros Elétricos.
Assim é a vida, e mesmo a vida profissional não pode ser planejada tão cartesianamente. De uma hora para outra você pode esquecer sua calculadora em algum lugar e uma bifurcação, uma encruzilhada, aparecerá no horizonte. Nesse caso, não se esqueça do conselho do famoso jogador de baseball norte-americano Yogi Berra: "quando você chegar a uma encruzilhada, siga em frente!". Não há nada de mágico nisso. Não é o Universo que está conspirando a seu favor. É física pura!
Paralelamente a isso tudo, estou aqui na UTFPR desde os 14 anos de idade (com um intervalo de um ano entre o curso Técnico e o curso de Engenharia e mais um intervalo de dois anos entre a formatura na Engenharia e o ingresso como professor). Já se vão 29 anos, 20 deles como professor da Engenharia. Talvez eu já tenha lecionado para mais de mil e duzentos alunos.
Mas muitos anos e muitos alunos ainda virão. E, quem sabe, em uma formatura futura, alguns de vocês possam estar aqui novamente, não como formandos, mas como pais, ou quem sabe como Diretores, Chefes de Departamento, Coordenadores de Curso, Professores Homenageados, Paraninfos, Patronos.
Afinal, a vida continua, mas não continua do mesmo jeito, pois, nesse jogo que estamos jogando, vocês apenas acabaram de mudar de nível. E, vocês sabem, cada vez que mudamos de nível, uma nova leva de zumbis, vampiros e lobisomens aparece pela frente. Mas tenho certeza que vocês acabarão com eles da mesma forma que acabaram com todos os bichos que apareceram durante o curso de Engenharia.
Obrigado por tudo. Vocês são ótimos. Vida longa e próspera!