segunda-feira, abril 25, 2011

Energia nuclear, riscos e percepção de riscos

Pouco menos de dois anos antes do acidente na usina nuclear japonesa de Fukushima I, em 11 de março último, outro acidente de enormes proporções ocorreu na usina hidrelétrica russa de Sayano-Shushenskaya, no rio Yenisei, na Sibéria. Em 17 de agosto de 2009, a turbina 2 dessa usina de 6.400 MW, a maior da Rússia e a sexta maior hidrelétrica do mundo, rompeu-se catastroficamente, inundando a sala de máquinas, destruindo ou danificando nove das dez turbinas, espalhando 40 toneladas de óleo de transformador no rio e matando 75 pessoas. Como resultado, a geração de energia cessou imediatamente, causando desligamentos em várias áreas residenciais e cortando o fornecimento de energia para as usinas de alumínio de Sayanogorsk e Khakassia. Os reparos demorarão ainda dois ou três anos e consumirão US$ 1,3 bilhão de dólares.

As fotografias do acidente em Sayano-Shushenskaya, impressionantes do começo ao fim e que podem ser encontradas em vários lugares, tais como [1], percorreram o mundo, atraíram muita atenção de profissionais e estudantes, mas pouca atenção da população e da mídia em geral. Poucas semanas após a destruição da turbina 2, o acidente havia abandonado os noticiários mundiais, passando a figurar como o maior de todos de uma extensa lista de acidentes em usinas hidrelétricas e suas barragens

O acidente em Fukushima I, por outro lado, ainda se encontra nos noticiários mundiais, mesmo passados 45 dias do evento [2]. No futuro, Fukushima I será listado como o segundo pior acidente em usinas nucleares ou usinas de processamento de combustível nuclear desde 1957, atrás de Chernobyl, na Ucrânia (1986), mas à frente de Tokaimura, no Japão (1999), de Three Mile Island, no EUA (1979) e do Incêndio de Windscale, na Inglaterra (1957) [3].

O acidente em Sayano-Shushenskaya foi causado por erros de operação e manutenção na turbina 2, enquanto o acidente em Fukushima I foi causado por um terremoto de magnitude 9,0 na escala MMS (Moment Magnitude Scale). Este terremoto, que ficou conhecido como o "Grande Terremoto do Japão Ocidental", foi o mais potente a atingir o Japão e um dos cinco mais potentes registrados no mundo desde que as medições de terremotos tiveram início em 1900.

Após o acidente de Fukushima I as manifestações contra a construção de novas usinas nucleares cruzaram o mundo. Por outro lado, após o acidente de Sayano-Shushenskaya não houve manifestações contra os riscos operacionais de novas usinas hidrelétricas (manifestações por causa de riscos ambientais sempre há, por certo, mas essa é outra história).

Assim, parece haver uma diferença na mente popular entre risco e percepção de risco: uma barragem de uma usina hidrelétrica é vista como um lugar belo e turístico, enquanto uma usina nuclear é vista como uma bomba prestes a explodir. Embora um acidente nuclear seja diferente de um acidente hidrelétrico, por espalhar radiação durante vários anos, nenhuma de tais percepções é rigorosamente verdadeira.

Outro aspecto da diferença entre risco e percepção do risco é que, mesmo que nenhuma usina nuclear venha a ser construída no futuro, e descartando-se os riscos de guerras nucleares e de armazenamento e movimentação indevidos de armamentos nucleares, isso não evitará o risco de acidentes radioativos. Por exemplo, o acidente ocorrido em Goiânia, em 1987, quando um fragmento de cloreto de césio 137 foi liberado de um aparelho de radioterapia abandonado, foi classificado como de nível 5 em uma escala que vai de 1 a 7. Ninguém sugeriu, contudo, eliminar os equipamentos de radioterapia.

Em resumo, Fukushima I, Sayano-Shushenskaya e outros acidentes, incluindo o de Goiânia, não deveriam nos ensinar a temer a tecnologia, mas sim a usá-la de maneira mais segura. Devemos aprender a desenvolver novos procedimentos de segurança, mais adequados e eficientes, de modo a minimizar os riscos em vez de tentar eliminá-los pela eliminação direta da tecnologia

De qualquer forma, as manifestações contra a energia nuclear indicam que o setor enfrentará dificuldades. Para o Brasil, na opinião deste blogueiro, isto será ruim. Considerando que as futuras hidrelétricas de grande e médio portes estão cada vez mais caras e mais distantes dos grandes centros consumidores, que nossas reservas de carvão são escassas e que é insanidade queimar diesel ou óleo combustível para gerar energia, restam-nos poucas alternativas para suprir todos os gigawatts de que necessitaremos para garantir o crescimentos do país. A energia eólica, como vimos no nosso último post, é uma opção, mas não poderá atingir mais de 20% da nossa capacidade instalada. A construção de centenas de pequenas usinas hidrelétricas ou de biomassa, em uma modalidade conhecida como "geração distribuída", é outra opção interessante e tais pequenas usinas já produzem mais energia do que Angra I e Angra II juntas, mas dificilmente chegarão ao dobro desse montante. Usinas a gás natural, muito menos poluentes do que as a carvão, também deverão ser exploradas, mas ainda somos excessivamente dependentes do gás importado e não será fácil explorar as reservas nacionais, pois na indústria do gás os investimentos em produção e transporte só se viabilizam se já houver mercado garantido. E o problema é que nossas termelétricas operam em grande parte em regime de complementaridade hidrotérmica e dificilmente podem dar tal garantia.

A energia nuclear seria então uma opção viável para o suprimento de grandes blocos de energia, especialmente nessa nossa terra livre de terremotos e tsunamis e abundante em urânio. Fukushima I talvez tenha lançado uma sombra sobre tal opção.

[1] The Boston Globe. The Sayano-Shushenskaya dam accident. Sep 9, 2009. Disponível em: http://www.boston.com/bigpicture/2009/09/the_sayanoshushenskaya_dam_acc.html
[2] Folha.com. Tepco faz medições detalhadas de radiação em Fukushima. 24 abr. 2011. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/906471-tepco-faz-medicoes-detalhadas-de-radiacao-em-fukushima.shtml 
[3] Time. The worst nuclear disasters. Disponível em: http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1887705,00.html

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