Energia nuclear, riscos e percepção de riscos
As fotografias do acidente em Sayano-Shushenskaya, impressionantes do começo ao fim e que podem ser encontradas em vários lugares, tais como [1], percorreram o mundo, atraíram muita atenção de profissionais e estudantes, mas pouca atenção da população e da mídia em geral. Poucas semanas após a destruição da turbina 2, o acidente havia abandonado os noticiários mundiais, passando a figurar como o maior de todos de uma extensa lista de acidentes em usinas hidrelétricas e suas barragens
O acidente em Fukushima I, por outro lado, ainda se encontra nos noticiários mundiais, mesmo passados 45 dias do evento [2]. No futuro, Fukushima I será listado como o segundo pior acidente em usinas nucleares ou usinas de processamento de combustível nuclear desde 1957, atrás de Chernobyl, na Ucrânia (1986), mas à frente de Tokaimura, no Japão (1999), de Three Mile Island, no EUA (1979) e do Incêndio de Windscale, na Inglaterra (1957) [3].
O acidente em Sayano-Shushenskaya foi causado por erros de operação e manutenção na turbina 2, enquanto o acidente em Fukushima I foi causado por um terremoto de magnitude 9,0 na escala MMS (Moment Magnitude Scale). Este terremoto, que ficou conhecido como o "Grande Terremoto do Japão Ocidental", foi o mais potente a atingir o Japão e um dos cinco mais potentes registrados no mundo desde que as medições de terremotos tiveram início em 1900.
Após o acidente de Fukushima I as manifestações contra a construção de novas usinas nucleares cruzaram o mundo. Por outro lado, após o acidente de Sayano-Shushenskaya não houve manifestações contra os riscos operacionais de novas usinas hidrelétricas (manifestações por causa de riscos ambientais sempre há, por certo, mas essa é outra história).
Assim, parece haver uma diferença na mente popular entre risco e percepção de risco: uma barragem de uma usina hidrelétrica é vista como um lugar belo e turístico, enquanto uma usina nuclear é vista como uma bomba prestes a explodir. Embora um acidente nuclear seja diferente de um acidente hidrelétrico, por espalhar radiação durante vários anos, nenhuma de tais percepções é rigorosamente verdadeira.
Outro aspecto da diferença entre risco e percepção do risco é que, mesmo que nenhuma usina nuclear venha a ser construída no futuro, e descartando-se os riscos de guerras nucleares e de armazenamento e movimentação indevidos de armamentos nucleares, isso não evitará o risco de acidentes radioativos. Por exemplo, o acidente ocorrido em Goiânia, em 1987, quando um fragmento de cloreto de césio 137 foi liberado de um aparelho de radioterapia abandonado, foi classificado como de nível 5 em uma escala que vai de 1 a 7. Ninguém sugeriu, contudo, eliminar os equipamentos de radioterapia.
Em resumo, Fukushima I, Sayano-Shushenskaya e outros acidentes, incluindo o de Goiânia, não deveriam nos ensinar a temer a tecnologia, mas sim a usá-la de maneira mais segura. Devemos aprender a desenvolver novos procedimentos de segurança, mais adequados e eficientes, de modo a minimizar os riscos em vez de tentar eliminá-los pela eliminação direta da tecnologia
De qualquer forma, as manifestações contra a energia nuclear indicam que o setor enfrentará dificuldades. Para o Brasil, na opinião deste blogueiro, isto será ruim. Considerando que as futuras hidrelétricas de grande e médio portes estão cada vez mais caras e mais distantes dos grandes centros consumidores, que nossas reservas de carvão são escassas e que é insanidade queimar diesel ou óleo combustível para gerar energia, restam-nos poucas alternativas para suprir todos os gigawatts de que necessitaremos para garantir o crescimentos do país. A energia eólica, como vimos no nosso último post, é uma opção, mas não poderá atingir mais de 20% da nossa capacidade instalada. A construção de centenas de pequenas usinas hidrelétricas ou de biomassa, em uma modalidade conhecida como "geração distribuída", é outra opção interessante e tais pequenas usinas já produzem mais energia do que Angra I e Angra II juntas, mas dificilmente chegarão ao dobro desse montante. Usinas a gás natural, muito menos poluentes do que as a carvão, também deverão ser exploradas, mas ainda somos excessivamente dependentes do gás importado e não será fácil explorar as reservas nacionais, pois na indústria do gás os investimentos em produção e transporte só se viabilizam se já houver mercado garantido. E o problema é que nossas termelétricas operam em grande parte em regime de complementaridade hidrotérmica e dificilmente podem dar tal garantia.
A energia nuclear seria então uma opção viável para o suprimento de grandes blocos de energia, especialmente nessa nossa terra livre de terremotos e tsunamis e abundante em urânio. Fukushima I talvez tenha lançado uma sombra sobre tal opção.
[1] The Boston Globe. The Sayano-Shushenskaya dam accident. Sep 9, 2009. Disponível em: http://www.boston.com/bigpicture/2009/09/the_sayanoshushenskaya_dam_acc.html
[2] Folha.com. Tepco faz medições detalhadas de radiação em Fukushima. 24 abr. 2011. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/906471-tepco-faz-medicoes-detalhadas-de-radiacao-em-fukushima.shtml
[3] Time. The worst nuclear disasters. Disponível em: http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1887705,00.html