terça-feira, novembro 01, 2005

Halloween, dia do saci e outras bobagens

Parece que tudo começou na cidade paulista de São Luís do Paraitinga, em 2003. Indignados com a crescente presença da cultura norte-americana entre as crianças, os vereadores da cidade instituíram o Dia do Saci, comemorado em 31 de outubro. Vereador serve para isso mesmo: para instituir leis de elevada importância para o bem-estar da população.

Pouco depois, Aldo Rebelo pegou carona no projeto. O ilustre deputado, que já propôs a criação de uma lei que proibiria a "importação" de palavras, sugeriu a criação de um dia nacional do saci, como alternativa à celebração do Halloween. A justificativa seria que o Halloween faz parte do plano dos americanos para dominação do mundo por meio da imposição cultural (que, nesse caso, nem é deles, mas emprestadas dos celtas). Assim, em vez da imposição da cultura norte-americana do Halloween, Rebelo oferece a imposição da cultura africana, que transformou o saci, inicialmente uma espécie de curumim de duas pernas, em um menininho negro que havia perdido uma das pernas lutando capoeira.

Mas talvez Rebelo esteja certo. Devemos nos livrar de uma vez por todas dessas influências estrangeiras que deturpam a alma nacional. Depois de instituído o dia do saci, sugiro também inventarmos um feriado nacional para colocar no lugar do Natal. Afinal, o Natal nada tem de brasileiro e é apenas uma invenção do cristianismo primitivo para abafar a celebração das saturnálias, festas pagãs em honra ao deus romano Saturno. As saturnálias começavam no dia 17 de dezembro e prosseguiam até o dia 25, dia do solstício de inverno na época (atualmente, dia 21). Além disso, os mitraístas, adeptos do mitraísmo, religião popular entre os soldados romanos, também celebravam em 25 de dezembro o renascimento do "deus sol invicto". Constantino, que tinha muito mais poder do que Aldo Rebelo, e que havia sido devoto de Mitras antes de sua conversão ao cristianismo, decidiu acabar com a bagunça, e instituiu 25 de dezembro como o dia do nascimento de Jesus de Nazaré. Um feriado sintético, assim como o dia do saci.

Também deveríamos acabar com o carnaval. Se os cristãos primitivos ficavam escandalizados com as saturnálias, o carnaval, que era aparentado destas festas, não lhes causava menor pavor. Alguns papas fizeram de tudo para acabar com o carnaval, que era um período de licenciosidade e afrouxamento da moralidade. Outros, contudo, eram patrocinadores da festa. Mesmo com o fim do império romano, quando o mundo ocidental ficou mais sério e mais chato, o carnaval continuou liberado aos cristãos, desde que estes cumprissem 40 dias de mortificação e abstinência depois de cair na farra, em uma espécie de compromisso entre o paganismo e a nova religião mais bem comportada.

É verdade que o carnaval é muito mais brasileiro do que o Natal, mas há pelo menos uma razão para que Rebelo acabe também com ele: há uma teoria segundo a qual o carnaval era celebrado no início da primavera, como forma de espantar maus espíritos, o que era feito por meio de procissões, com os participantes usando máscaras horripilantes e fazendo bastante barulho. Alguma semelhança com o Halloween?

Indo um pouco mais longe, podemos propor também a proibição da realização de festivais japoneses, como o Haru Matsuri, celebrado no início da primavera. Quem sabe isso não faz parte do plano de dominação do mundo pelos japoneses? É bom não arriscar, pois eles já tentaram isso antes!

O que os nacionalistas não percebem é que nada é tão puro quanto pensamos. Nós vivemos em uma terra que foi arrancada a força de outros povos, falamos uma língua que não é nossa e nos deliciamos com pratos que são mistura de tradições africanas, indígenas, árabes, italianas, portuguesas, etc. Ser brasileiro, se é que existe esse ser mitológico, é ser uma mistura de tudo o que existe. Propor uma festa para abafar a realização de outra é, assim, algo que vai contra o espírito nacional.

Trick or treat?

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