O centenário de Richard P. Feynman
Nesse mês de maio de 2018, Richard P.
Feynman, provavelmente o maior físico norte-americano do século XX, estaria
comemorando seu centésimo aniversário. Nascido no Queens, na cidade de Nova
Iorque, Feynman mostrou grande inteligência desde criança e iria se tornar não só um grande físico teórico, mas também um
grande professor de física.
Em 1985 Feynman publicou a primeira
parte de sua autobiografia, “Surely You're Joking, Mr. Feynman!”, que seria
publicada pela editora Gradiva, de Portugal, em 1988, com o título “Está a Brincar,
Sr. Feynman!”. A edição brasileira, “O Senhor Está Brincando, Sr. Feynman”,
seria publicada somente em 2006, pela Campus.
Autobiografias de grandes homens ou mulheres são
sempre perigosas. Após o lançamento de suas “Notas Autobiográficas”, um livrinho
de menos de 100 páginas, Einstein foi criticado por ter discorrido apenas sobre
seu trabalho em física e nada sobre sua vida pessoal (assunto do qual, de todo
modo, ele nunca falava abertamente). Feynman, por outro lado, foi criticado por
ter escrito pouco sobre seu trabalho em física e muito sobre sua vida pessoal, incluindo
seus hábitos pouco acadêmicos: frequentava clubes de strip-tease, tocava bongô onde
fosse possível, não se preocupava em interagir com “gente comum” e participou
de experiências psicológicas sobre “estados alterados”, as quais envolviam a
imersão em tanques de privação dos sentidos, com o uso ocasional de um pouco de
maconha para potencializar a alteração.
Após o lançamento do livro, um editorial
do American Journal of Physics descreveu Feynman como um “gigante com pés de
barro”. Feynman teria dito: “a Física fica para o próximo livro”, que viria a
ser “What Do You Care What Other People Think?”, publicado em 1988. Neste livro
Feynman também fala sobre sua vida pessoal, mas dedica metade do texto ao seu
trabalho na Comissão Rogers, criada para investigar o desastre da Challenger. O
livro é concluído com um discurso de Feynman dado na reunião da Academia
Nacional de Ciências de 1955: “O Valor da Ciência”. Infelizmente não houve
tempo para mais autobiografias, pois Feynman faleceu em 1988, vitima de uma
forma rara de câncer.
Tivesse pés de barro ou não, as autobiografias
de Feynman são certamente atraentes às “pessoas comuns” e ele foi sem dúvida um
gigante da física, aos olhos de quem quer que fosse, além de um professor
genial.
Feynman iniciou seus estudos de
graduação no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), na área Matemática,
que ele achou muito abstrata. Passou então para Engenharia Elétrica, que achou
um ramo prático demais, acabando na Física, que ficava no meio, como ele disse,
mas correndo o risco de que na época a profissão nem mesmo era conhecida.
Einstein, por exemplo, era visto pela mídia como um matemático.
Depois da graduação no MIT, Feynman foi
para Princeton, onde conheceu pesquisadores como Albert Einstein, Wolfgang
Pauli, e John von Neumann. Após receber seu diploma de PhD, Feynman havia
lançado as bases para seu trabalho mais importante: a formulação da mecânica quântica
por meio de integrais de caminho e os diagramas de Feynman, trabalho que lhe
concederia o Nobel de Física em 1965, juntamente com Sin-Itiro Tomonaga, Julian
Schwinger.
Durante seu doutorado em Princeton Feynman foi para Los Alamos, trabalhar no Projeto Manhattan, onde passou a liderar o grupo responsável pelo trabalho teórico necessário para a construção da bomba atômica. Em sua autobiografia Feynman descreve que sua decisão de trabalhar em Los Alamos tem muito do pensamento de Tomás de Aquino: “para que uma causa seja justa, é necessária uma causa justa”. Contudo, a causa justa para muitos físicos e engenheiros da época, especialmente no caso dos descendentes de judeus, como Feynman, era a derrota dos nazistas na Alemanha. Ninguém poderia imaginar que a bomba seria usada para derrotar os japoneses.
Durante seu doutorado em Princeton Feynman foi para Los Alamos, trabalhar no Projeto Manhattan, onde passou a liderar o grupo responsável pelo trabalho teórico necessário para a construção da bomba atômica. Em sua autobiografia Feynman descreve que sua decisão de trabalhar em Los Alamos tem muito do pensamento de Tomás de Aquino: “para que uma causa seja justa, é necessária uma causa justa”. Contudo, a causa justa para muitos físicos e engenheiros da época, especialmente no caso dos descendentes de judeus, como Feynman, era a derrota dos nazistas na Alemanha. Ninguém poderia imaginar que a bomba seria usada para derrotar os japoneses.
Após o Projeto Manhattan Feynman foi
para Cornell, trabalhando como Professor Assistente de Física, e esteve no
Brasil algumas vezes. Ele conta ter conhecido o físico brasileiro Jaime Tiomno
(n. 1920) em um seminário de Física em Nova Iorque, no final dos anos 1940.
Pouco depois, Tiomno conseguiu uma colocação para ele no CBPF (Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio de Janeiro, onde ele viria a passar um
semestre em 1951, ensinando física aos estudantes brasileiros.
As observações de Feynman sobre a
educação brasileira são pouco lisonjeiras. Por exemplo, ele ficou
particularmente irritado quando descobriu que os alunos brasileiros estavam
acostumados a decorar tudo, mas não eram capazes de aprender nada. No fim do
ano letivo, ao dar uma palestra sobre suas experiências de ensino no Brasil,
ele comentou: “O principal objetivo da minha palestra é mostrar que no Brasil
não se ensina ciência alguma.”.
Essa passagem é hoje conhecida por
qualquer estudante ou professor de Física, mas, em defesa dos professores
brasileiros daquela época, vale ressaltar que o ensino da Física no Brasil
estava em seu início. O CBPF havia sido fundado somente em janeiro de 1949, por
Jaime Tiomno, César Lattes e José Leite Lopes. Os conselhos de Feynman são hoje
usados para nos lembrar como deve ser o ensino de Física e de outras
disciplinas da área de exatas, embora colocar tais conselhos em prática seja
muito mais difícil.
Feynman viria a visitar o Brasil mais
algumas vezes. Em 1966, um ano após ter recebido o Nobel, ele veio a convite de
Prefeitura do Rio de Janeiro, assistiu os desfiles das Escolas de Samba e
participou de alguns bailes. Feynman gostava de samba e falava Português com
certa fluência. Após 1966, o governo militar não mais permitiu que Feynman
retornasse ao Brasil, por causa de suas declarações a favor de cientistas como
Mario Schenberg e José Leite Lopes, inimigos da ditadura.
Entre 1961 e 1963 ele foi convidado pelo
Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) para lecionar um curso de
Física introdutória (algo parecido com as disciplinas de Física 1, 2 e 3 dos
nossos cursos de Engenharia e Física). O resultado foi compilado em quatro
volumes e publicado com o título de “Feynman Lectures on Physics”, em 1964. A
última edição em inglês é de 2005 e a coleção já vendeu mais de um milhão e
meio de exemplares em Inglês e traduções em 12 línguas, tendo se tornado a
maior referência de física introdutória (infelizmente, aos olhos dos calouros,
as “Lectures” são mais difíceis do que qualquer outra obra do gênero). Em 2008,
a Artmed publicou uma tradução em Português com o título “Lições de Física”. É
difícil encontrá-las por menos de R$ 450. Aos leitores da língua inglesa,
contudo, elas estão disponíveis gratuitamente em http://www.feynmanlectures.caltech.edu/
Feynman é também considerado o pai da
nanotecnologia. No fim de 1959 ele proferiu uma palestra no Caltech intitulada “There's
Plenty of Room at the Bottom” (“Há Muito Espaço no Fundo”), na qual ele aborda o
futuro da engenharia em escala molecular. Em 1984, depois da invenção de
circuitos integrados, em um seminário no Instituto Esalen, ele repetiu essa
palestra, que pode ser encontrada em https://www.youtube.com/watch?v=4eRCygdW--c
(não se espante com suas vestes pouco acadêmicas).
Em sua palestra de 1959, Feynman sugeriu
que, em princípio, seria possível construir máquinas em nanoescala (10-9
m). Em 1960, William McLellan, um engenheiro eletricista norte-americano,
conseguiu construir um motor elétrico de 250 microgramas, formado por 13 partes
separadas, girando a 2.000 rpm, e conquistou o prêmio de US$ 1.000 oferecido
por Feynman. Feynman também ofereceu um prêmio à primeira pessoa que
conseguisse gravar uma página de livro em uma superfície 25.000 vezes menor.
Esse prêmio foi conquistado em 1985 por Tom Newman, um estudante de pós-graduação
de Stanford, que conseguiu gravar a primeira página de “Uma História de Duas
Cidades”, de Charles Dickens, na ponta de uma agulha, usando um feixe de
elétrons. Hoje a nanotecnologia é corriqueira e aplicada em várias áreas, até
mesmo em cosméticos.
As biografias de Feynman são mais numerosas
do que as de outros físicos, perdendo somente para Einstein. Uma das mais
acessíveis é “Genius: The Life and Science of Richard Feynman” (1992), de James
Gleick, publicado em 1994 pela Gradiva com o título “Feynman: a Natureza do
Gênio”. Gleick é jornalista e não complica muito a parte matemática da física
de Feynman. Outra biografia, na ordem de acessibilidade, é “Quantum Man:
Richard Feynman’s Life in Science” (2011), de Lawrence M. Krauss, um cosmologista
da Universidade do Arizona e divulgador científico. Neste livro, Krauss elogia
o trabalho de Gleicke e vai mais a fundo na parte científica, mas deixa a matemática de lado. Finalmente, o
terceiro livro que tenho na minha estante é “The Beat of a Different Drum:
The Life and Science of Richard Feynman” (1994), de Jagdish Mehra. Neste livro
as equações diferenciais, integrais de caminho e diagramas de Feynman pulam das
páginas, pois se trata de uma biografia científica. O leitor com certa formação
pode usá-la como uma introdução à Eletrodinâmica Quântica. Já o leitor menos afeito
à matemática pode seguir a receita de Roger Penrose, colega de Stephen Hawking em Cambridge e autor de “The Road to
Reality”: pule as partes matemáticas como se elas não existissem. Tenho que
confessar que até o momento só li 56%, sem pular as
fórmulas, mas ainda não desisti!
A biografia de Richard Feynman também foi abordada no cinema. Em 1996, Mathew Broderick dirigiu e atuou como personagem principal de “Infinity” (“Infinito – Um Amor Sem Limites”, 62% no “Rotten Tomatoes”). O título é interessante, pois se refere simultaneamente ao trabalho de Feynman em física, que envolvia os infinitos que aparecem na Eletrodinâmica Quântica, e ao seu amor por Arline, que morreu de tuberculose durante o Projeto Manhattan. O segundo é “The Challenger Disaster” (2013, 92% no “Rotten Tomatoes”), um filme de TV que aborda a atuação de Feynman na comissão Rogers, que investigou o desastre do ônibus espacial Challenger. A finalidade da comissão era “enterrar” os motivos do desastre, enquanto Feynman queria desafiar (“to challenge”) os militares e descobrir o que de fato havia acontecido. O motivo principal tinha a ver com a perda de elasticidade dos anéis de vedação (“o-rings”) dos tanques de combustível sólido da nave quando submetidos a baixas temperaturas. A forma didática como Feynman descreveu o problema em público tornou-se um clássico e está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=6Rwcbsn19c0 . Imagino que, mesmo que Feynman não tivesse falecido menos de dois anos depois, ele não teria sido mais convidado para comissões investigativas.
A biografia de Richard Feynman também foi abordada no cinema. Em 1996, Mathew Broderick dirigiu e atuou como personagem principal de “Infinity” (“Infinito – Um Amor Sem Limites”, 62% no “Rotten Tomatoes”). O título é interessante, pois se refere simultaneamente ao trabalho de Feynman em física, que envolvia os infinitos que aparecem na Eletrodinâmica Quântica, e ao seu amor por Arline, que morreu de tuberculose durante o Projeto Manhattan. O segundo é “The Challenger Disaster” (2013, 92% no “Rotten Tomatoes”), um filme de TV que aborda a atuação de Feynman na comissão Rogers, que investigou o desastre do ônibus espacial Challenger. A finalidade da comissão era “enterrar” os motivos do desastre, enquanto Feynman queria desafiar (“to challenge”) os militares e descobrir o que de fato havia acontecido. O motivo principal tinha a ver com a perda de elasticidade dos anéis de vedação (“o-rings”) dos tanques de combustível sólido da nave quando submetidos a baixas temperaturas. A forma didática como Feynman descreveu o problema em público tornou-se um clássico e está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=6Rwcbsn19c0 . Imagino que, mesmo que Feynman não tivesse falecido menos de dois anos depois, ele não teria sido mais convidado para comissões investigativas.
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