sábado, maio 12, 2018

O centenário de Richard P. Feynman


Nesse mês de maio de 2018, Richard P. Feynman, provavelmente o maior físico norte-americano do século XX, estaria comemorando seu centésimo aniversário. Nascido no Queens, na cidade de Nova Iorque, Feynman mostrou grande inteligência desde criança e iria se tornar não só um grande físico teórico, mas também um grande professor de física.
Em 1985 Feynman publicou a primeira parte de sua autobiografia, “Surely You're Joking, Mr. Feynman!”, que seria publicada pela editora Gradiva, de Portugal, em 1988, com o título “Está a Brincar, Sr. Feynman!”. A edição brasileira, “O Senhor Está Brincando, Sr. Feynman”, seria publicada somente em 2006, pela Campus.
Autobiografias de grandes homens ou mulheres são sempre perigosas. Após o lançamento de suas “Notas Autobiográficas”, um livrinho de menos de 100 páginas, Einstein foi criticado por ter discorrido apenas sobre seu trabalho em física e nada sobre sua vida pessoal (assunto do qual, de todo modo, ele nunca falava abertamente). Feynman, por outro lado, foi criticado por ter escrito pouco sobre seu trabalho em física e muito sobre sua vida pessoal, incluindo seus hábitos pouco acadêmicos: frequentava clubes de strip-tease, tocava bongô onde fosse possível, não se preocupava em interagir com “gente comum” e participou de experiências psicológicas sobre “estados alterados”, as quais envolviam a imersão em tanques de privação dos sentidos, com o uso ocasional de um pouco de maconha para potencializar a alteração.
Após o lançamento do livro, um editorial do American Journal of Physics descreveu Feynman como um “gigante com pés de barro”. Feynman teria dito: “a Física fica para o próximo livro”, que viria a ser “What Do You Care What Other People Think?”, publicado em 1988. Neste livro Feynman também fala sobre sua vida pessoal, mas dedica metade do texto ao seu trabalho na Comissão Rogers, criada para investigar o desastre da Challenger. O livro é concluído com um discurso de Feynman dado na reunião da Academia Nacional de Ciências de 1955: “O Valor da Ciência”. Infelizmente não houve tempo para mais autobiografias, pois Feynman faleceu em 1988, vitima de uma forma rara de câncer.
Tivesse pés de barro ou não, as autobiografias de Feynman são certamente atraentes às “pessoas comuns” e ele foi sem dúvida um gigante da física, aos olhos de quem quer que fosse, além de um professor genial.
Feynman iniciou seus estudos de graduação no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), na área Matemática, que ele achou muito abstrata. Passou então para Engenharia Elétrica, que achou um ramo prático demais, acabando na Física, que ficava no meio, como ele disse, mas correndo o risco de que na época a profissão nem mesmo era conhecida. Einstein, por exemplo, era visto pela mídia como um matemático.
Depois da graduação no MIT, Feynman foi para Princeton, onde conheceu pesquisadores como Albert Einstein, Wolfgang Pauli, e John von Neumann. Após receber seu diploma de PhD, Feynman havia lançado as bases para seu trabalho mais importante: a formulação da mecânica quântica por meio de integrais de caminho e os diagramas de Feynman, trabalho que lhe concederia o Nobel de Física em 1965, juntamente com Sin-Itiro Tomonaga, Julian Schwinger.

Durante seu doutorado em Princeton Feynman foi para Los Alamos, trabalhar no Projeto Manhattan, onde passou a liderar o grupo responsável pelo trabalho teórico necessário para a construção da bomba atômica. Em sua autobiografia Feynman descreve que sua decisão de trabalhar em Los Alamos tem muito do pensamento de Tomás de Aquino: “para que uma causa seja justa, é necessária uma causa justa”. Contudo, a causa justa para muitos físicos e engenheiros da época, especialmente no caso dos descendentes de judeus, como Feynman, era a derrota dos nazistas na Alemanha. Ninguém poderia imaginar que a bomba seria usada para derrotar os japoneses.
Após o Projeto Manhattan Feynman foi para Cornell, trabalhando como Professor Assistente de Física, e esteve no Brasil algumas vezes. Ele conta ter conhecido o físico brasileiro Jaime Tiomno (n. 1920) em um seminário de Física em Nova Iorque, no final dos anos 1940. Pouco depois, Tiomno conseguiu uma colocação para ele no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio de Janeiro, onde ele viria a passar um semestre em 1951, ensinando física aos estudantes brasileiros.
As observações de Feynman sobre a educação brasileira são pouco lisonjeiras. Por exemplo, ele ficou particularmente irritado quando descobriu que os alunos brasileiros estavam acostumados a decorar tudo, mas não eram capazes de aprender nada. No fim do ano letivo, ao dar uma palestra sobre suas experiências de ensino no Brasil, ele comentou: “O principal objetivo da minha palestra é mostrar que no Brasil não se ensina ciência alguma.”.
Essa passagem é hoje conhecida por qualquer estudante ou professor de Física, mas, em defesa dos professores brasileiros daquela época, vale ressaltar que o ensino da Física no Brasil estava em seu início. O CBPF havia sido fundado somente em janeiro de 1949, por Jaime Tiomno, César Lattes e José Leite Lopes. Os conselhos de Feynman são hoje usados para nos lembrar como deve ser o ensino de Física e de outras disciplinas da área de exatas, embora colocar tais conselhos em prática seja muito mais difícil.
Feynman viria a visitar o Brasil mais algumas vezes. Em 1966, um ano após ter recebido o Nobel, ele veio a convite de Prefeitura do Rio de Janeiro, assistiu os desfiles das Escolas de Samba e participou de alguns bailes. Feynman gostava de samba e falava Português com certa fluência. Após 1966, o governo militar não mais permitiu que Feynman retornasse ao Brasil, por causa de suas declarações a favor de cientistas como Mario Schenberg e José Leite Lopes, inimigos da ditadura.
Entre 1961 e 1963 ele foi convidado pelo Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) para lecionar um curso de Física introdutória (algo parecido com as disciplinas de Física 1, 2 e 3 dos nossos cursos de Engenharia e Física). O resultado foi compilado em quatro volumes e publicado com o título de “Feynman Lectures on Physics”, em 1964. A última edição em inglês é de 2005 e a coleção já vendeu mais de um milhão e meio de exemplares em Inglês e traduções em 12 línguas, tendo se tornado a maior referência de física introdutória (infelizmente, aos olhos dos calouros, as “Lectures” são mais difíceis do que qualquer outra obra do gênero). Em 2008, a Artmed publicou uma tradução em Português com o título “Lições de Física”. É difícil encontrá-las por menos de R$ 450. Aos leitores da língua inglesa, contudo, elas estão disponíveis gratuitamente em http://www.feynmanlectures.caltech.edu/
Feynman é também considerado o pai da nanotecnologia. No fim de 1959 ele proferiu uma palestra no Caltech intitulada “There's Plenty of Room at the Bottom” (“Há Muito Espaço no Fundo”), na qual ele aborda o futuro da engenharia em escala molecular. Em 1984, depois da invenção de circuitos integrados, em um seminário no Instituto Esalen, ele repetiu essa palestra, que pode ser encontrada em https://www.youtube.com/watch?v=4eRCygdW--c (não se espante com suas vestes pouco acadêmicas).
Em sua palestra de 1959, Feynman sugeriu que, em princípio, seria possível construir máquinas em nanoescala (10-9 m). Em 1960, William McLellan, um engenheiro eletricista norte-americano, conseguiu construir um motor elétrico de 250 microgramas, formado por 13 partes separadas, girando a 2.000 rpm, e conquistou o prêmio de US$ 1.000 oferecido por Feynman. Feynman também ofereceu um prêmio à primeira pessoa que conseguisse gravar uma página de livro em uma superfície 25.000 vezes menor. Esse prêmio foi conquistado em 1985 por Tom Newman, um estudante de pós-graduação de Stanford, que conseguiu gravar a primeira página de “Uma História de Duas Cidades”, de Charles Dickens, na ponta de uma agulha, usando um feixe de elétrons. Hoje a nanotecnologia é corriqueira e aplicada em várias áreas, até mesmo em cosméticos.
As biografias de Feynman são mais numerosas do que as de outros físicos, perdendo somente para Einstein. Uma das mais acessíveis é “Genius: The Life and Science of Richard Feynman” (1992), de James Gleick, publicado em 1994 pela Gradiva com o título “Feynman: a Natureza do Gênio”. Gleick é jornalista e não complica muito a parte matemática da física de Feynman. Outra biografia, na ordem de acessibilidade, é “Quantum Man: Richard Feynman’s Life in Science” (2011), de Lawrence M. Krauss, um cosmologista da Universidade do Arizona e divulgador científico. Neste livro, Krauss elogia o trabalho de Gleicke e vai mais a fundo na parte científica, mas deixa a matemática de lado. Finalmente, o terceiro livro que tenho na minha estante é “The Beat of a Different Drum: The Life and Science of Richard Feynman” (1994), de Jagdish Mehra. Neste livro as equações diferenciais, integrais de caminho e diagramas de Feynman pulam das páginas, pois se trata de uma biografia científica. O leitor com certa formação pode usá-la como uma introdução à Eletrodinâmica Quântica. Já o leitor menos afeito à matemática pode seguir a receita de Roger Penrose, colega de Stephen Hawking em Cambridge e autor de “The Road to Reality”: pule as partes matemáticas como se elas não existissem. Tenho que confessar que até o momento só li 56%, sem pular as fórmulas, mas ainda não desisti!

A biografia de Richard Feynman também foi abordada no cinema. Em 1996, Mathew Broderick dirigiu e atuou como personagem principal de “Infinity” (“Infinito – Um Amor Sem Limites”, 62% no “Rotten Tomatoes”). O título é interessante, pois se refere simultaneamente ao trabalho de Feynman em física, que envolvia os infinitos que aparecem na Eletrodinâmica Quântica, e ao seu amor por Arline, que morreu de tuberculose durante o Projeto Manhattan. O segundo é “The Challenger Disaster” (2013, 92% no “Rotten Tomatoes”), um filme de TV que aborda a atuação de Feynman na comissão Rogers, que investigou o desastre do ônibus espacial Challenger. A finalidade da comissão era “enterrar” os motivos do desastre, enquanto Feynman queria desafiar (“to challenge”) os militares e descobrir o que de fato havia acontecido. O motivo principal tinha a ver com a perda de elasticidade dos anéis de vedação (“o-rings”) dos tanques de combustível sólido da nave quando submetidos a baixas temperaturas. A forma didática como Feynman descreveu o problema em público tornou-se um clássico e está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=6Rwcbsn19c0 . Imagino que, mesmo que Feynman não tivesse falecido menos de dois anos depois, ele não teria sido mais convidado para comissões investigativas.

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