Muletas e manias linguísticas
Muletas linguísticas são locuções, frequentemente vazias, usadas para ligar diferentes partes de um texto. Na linguagem falada elas podem servir como apoio enquanto se pensa um pouco melhor na frase que se seguirá. Na linguagem escrita, só ocupam espaço, mas seu uso pode se tornar irresistível quando um jornalista, por exemplo, precisa de mais algumas palavras para fechar a matéria. Exemplos são expressões como "a nível de", "de repente", "na verdade", "por conta de" e muitas outras.
Uma muleta que tenho observado não é uma locução claramente definida, mas um jeito de falar. Por exemplo, em vez de dizerem "esse menino é bom em matemática", as pessoas dizem "esse menino, ele é bom em matemática". A muleta nesse caso é a vírgula seguida de "ele é". Tenho observado esse jeito de falar em novelas e filmes, dublados ou não, e também em entrevistas e outros tipos de produções televisivas. Mesmo pessoas graduadas e pós-graduadas, elas estão adotando esse jeito de falar. Pode verificar.
Outra muleta relacionada à muleta acima é mais estranha ainda. É a muleta do "eu sou uma pessoa que". Por exemplo, esses dias eu assistia uma entrevista com uma dessas atrizes de novela e ela queria dizer algo como "certa vez eu fiz um exame psicológico" ou, mais simplesmente, "certa vez fiz um exame psicológico". No entanto, o que ela disse foi "eu sou uma pessoa que uma vez fiz um exame psicológico". Muito estranho! Doi mais nos ouvidos do que o famigerado "a nível de", mas essa mania está se alastrando. Por que será? Eu sou uma pessoa que não sabe a resposta.
Uma mania linguística que tenho observado não é propriamente uma muleta, pois não serve para dar mais tempo para as pessoas pensarem. Apenas se tornou mania. É a expressão "há tantos anos atrás". Pode anotar aí: cada vez que alguém, falando na televisão, no rádio, na internet, etc., começar uma locução com "há tantos anos", ela quase certamente a encerrará com "atrás". Mas, se você usa o verbo haver dessa forma, já fica implícita a ideia de que a ação se deu no passado, não é? E, se você acaba a frase, ou um segmento dela, com "atrás", por que usar o verbo haver? Basta dizer "estive em Roma há cinco anos", ou "cinco anos atrás estive em Roma". Os professores de língua portuguesa começaram a insistir nisso desde que o português se tornou língua oficial de Portugal, há mais de 700 anos atrás!
A pior mania que conheço, e que tem se alastrado cada vez mais pelo português falado, não é um desperdício de palavras, mas um verdadeiro assassinato. Trata-se da tortura e morte do infinitivo do verbo vir. O infinitivo, como sabemos, é o nome do verbo. Exemplo: o infinitivo do verbo escrever é escrever. O problema com o verbo vir é ter o infinitivo muito parecido com "vim". Enquanto está correto dizer "eu vim aqui falar com você", está totalmente errado dizer "pergunte se ele pode vim aqui". Ainda assim, o infinitivo do verbo vir está sendo lentamente removido da linguagem falada e talvez no futuro venha a ter sua morte solenemente declarada. Espero que não. Afinal, já me peguei usando as outras muletas e manias que comentei aqui, além de muitas outras, embora me policie, mas seria horrível ter de perguntar a um aluno algo como "você pode vim fazer a prova hoje?!".
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