Na semana que passou o movimento Gota D'água publicou um vídeo, encenado por atores conhecidos, criticando a construção da UHE Belo Monte, a entrar em operação em 2015, no Rio Xingu (Pará). A capacidade instalada da usina, 11.233 MW, fará dela a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, quando classificadas pela capacidade. Contudo, restrições ambientais farão com que a usina funcione a fio d'água, com capacidade reduzida de armazenamento, gerando 4.571 MW médios, o que corresponde a um fator de capacidade de 40,7%. Para fins de comparação, o fator de capacidade médio das hidrelétricas brasileiras é 55%. A média mundial é menor do que isso, talvez chegando a 45%. Isso ocorre porque o Brasil é um dos poucos países de fato hidrotérmicos, que baseia mais de 90% de sua produção energética em usinas hidrelétricas e usa as termelétricas como complementação. Outros países detêm pouca capacidade hidrelétrica, usando-a em períodos críticos e optando pelas termelétricas ou nucleares como fonte energética principal. Por exemplo, a famosa Barragem Hoover, de 2.080 MW, localizada no Rio Colorado, na fronteira entre os estados norte-americanos de Arizona e Nevada, tem fator de capacidade de 23%.
Um dos argumentos dos ambientalistas que se opõem à construção de Belo Monte é o tamanho do reservatório da usina, que terá 516 km². Tal número, que resultou da revisão do projeto (a área anterior era de 1.225 km²), equivale à área de um quadrado de 22,7 km de lado e deve ser colocado em perspectiva. Primeiramente, a área conjunta dos reservatórios das duas usinas do Complexo Rio Madeira, por exemplo, já em construção em Rondônia, é semelhante à de Belo Monte: o reservatório da UHE Jirau tem 258 km² e o reservatório da UHE Santo Antônio tem 271 km². Juntos, ambos somam 529 km². Por outro lado, a área do reservatório da UHE Tucuruí, em operação no Pará desde 1984, é de impressionantes 2.850 km². Em outras palavras, as usinas amazônicas mais recentes fazem uso mais eficiente de seus reservatórios, pelo menos em termos de sustentabilidade ecológica, em comparação à quase balzaquiana Tucuruí. Este fato fica evidente a partir da análise da densidade de energia, conforme a tabela abaixo, que mostra os dados de algumas hidrelétricas amazônicas (clique sobre a tabela para ampliá-la).
Em segundo lugar, podemos comparar o reservatório de Belo Monte ao desmatamento na região amazônica. Uma das várias estatísticas disponíveis indica um desmatamento mensal de 110 km², somente no estado do Pará [3]. Em um mundo ideal, nem desmatamentos nem alagamentos existiriam e ainda haveria comida e energia para todos. Todavia, ao construirmos em nossas mentes um mundo ideal e depois compará-lo aos fatos reais, incorremos em um argumento conhecido como
falácia do Nirvana, que denota nossa tendência de buscar soluções ideais para problemas reais. No mundo real, contudo, devemos buscar alternativas concretas para o ideal. E, se for possível escolher, é certamente muito melhor construir usinas hidrelétricas, que operarão por 30 anos ou mais e ajudarão no crescimento do Brasil, do que queimar 1.320 km² anuais em florestas (duas vezes e meia Belo Monte) e substituí-las pelas pobres pastagens que podem crescer no solo amazônico ou, pior ainda, substituí-las por uma grande desolação. Ainda assim, caso decidamos não construir Belo Monte (o que será muito difícil, pois o leilão já foi realizado e efetivado), algum substituto real, não utópico, não nirvânico, deverá ser encontrado.
Uma opção interessante são as usinas eólicas, que estão se tornando cada vez mais competitivas. Entretanto, além de terem baixos fatores de capacidade (40% a 45%, no máximo), é bem conhecido que o vento não pode ser armazenado. Por causa disso estima-se que a capacidade das eólicas não deva ultrapassar 20% da capacidade instalada total de um sistema interligado. No nosso caso, esse limite corresponderia atualmente a 23.250MW, pouco mais de duas vezes Belo Monte (que, coincidentemente, terá o fator de capacidade de uma eólica de fator elevado). Considerando que temos 1.260 MW de capacidade eólica em operação, que outros 4.113 MW foram outorgados entre 1998 e 2010 e que 6.052 MW foram habilitados no leilão A-3/2011, talvez não demore muito para atingirmos tal limite. Depois disso, contaremos apenas com a expansão eólica na margem de crescimento.
Outra opção é a construção de usinas solares, mas estas são ainda muito caras, a ponto de a Espanha já estar optando por uma pausa nos investimentos solares [4]. Temos também as termelétricas a gás natural, com 11.424 MW em operação, 1.818 MW outorgados, mas apenas 13,16 MW em construção [1]. Pode parecer estranho, mas temos mais capacidade termelétrica a óleo combustível, óleo diesel e carvão mineral em construção (351 MW, 1.700 MW e 1.440 MW, respectivamente) do que a gás natural [1], o combustível menos poluente e mais fácil de transportar dentre todos . Mesmo assim, os movimentos ambientalistas contra usinas a carvão, a óleo e a diesel são poucos e pouquíssimo representativos quando comparados aos movimentos contra Belo Monte.
As usinas nucleares são uma opção interessante, mas tornaram-se mais caras e problemáticas depois de Fukushima e certamente enfrentarão oposição das mesmas ONGs que se opõem a Belo Monte e de muitas mais. E, finalmente, temos a opção da eficiência energética, que certamente deve ser buscada por uma simples questão de redução de custos e de desperdícios. Contudo, esperar que um país detentor de um discretíssimo consumo anual de 2,14 MWh per capita, como é o caso do Brasil, que ocupa o 64° lugar nesse requisito, encontre sua solução energética na busca por consumos mais eficientes é, mais uma vez, parte de uma utopia. A solução real será, como sempre, uma composição de todas as soluções disponíveis, inclusive das hidrelétricas de todos os portes. E deixemos a questão do desmatamento para algum especialista na área, talvez algum ator famoso.
[1] ANEEL. Banco de Informações de Geração - BIG. Disponível em:
http://bit.ly/vJO0L9.
[2] ANEEL. Perguntas e respostas sobre Belo Monte. Disponível em:
http://bit.ly/rBuysl.
[3] EXAME.COM. Pará lidera desmatamento na Amazônia, 1 de ago. 2010. Disponível em:
http://bit.ly/sTe9EL.
[4] JORNAL DA ENERGIA. Setor elétrico espanhol pede pausa nos investimentos em energia solar, 18 de nov. 2011. Disponível em:
http://bit.ly/v0VWbo.