Ampliação do Livre Mercado de Energia
Um dos aspectos mais curiosos do livre mercado de energia brasileiro, oficialmente conhecido como Ambiente de Contratação Livre (ACL), é que nem todos os consumidores são qualificados para se tornarem livres. Consumidores conectados antes de 8/7/1995 podem se tornar livres, desde que tenham demanda instalada igual ou superior a 3 MW e tensão de conexão igual ou superior a 69 kV. Se tiverem sido conectados após 8/7/1995, o único requisito passa a ser a demanda igual ou superior a 3 MW. Estes consumidores são livres para contratar qualquer tipo de energia, seja ela proveniente de usinas de grande porte (com capacidade instalada acima de 30 MW, denominada energia convencional) ou de usinas de pequeno porte (capacidade instalada abaixo de 30 MW, denominada energia especial). Caso o consumidor tenha demanda instalada igual ou superior a 500 kW, conectado em qualquer tensão, a migração somente pode ser feita como consumidor especial, com energia contratada junto a fontes incentivadas (PCHs, usinas de biomassa, eólicas ou solares, todas com capacidade instalada igual ou inferior a 30 MW). As fontes incentivadas têm direito a um desconto mínimo de 50% sobre a parcela "fio" da TUSD, repassando tal direito aos consumidores por elas atendidos.
Os consumidores livres e produtores independentes de energia foram criados em 8/7/1995, por meio da Lei 9.074/95. Depois disso as únicas mudanças nos critérios de elegibilidade para migração ao mercado livre ocorreram em 8/7/2000, quando o requisito de demanda, anteriormente fixado em 10 MW, foi reduzido para 3 MW, e em 26/2/2002, quando os consumidores especiais foram criados [1]. Para fins de comparação, em vários países que instituíram seus mercados livres, inclusive países da América Latina, os limites de migração são atualmente inferiores aos brasileiros, mesmo considerando-se os consumidores especiais. Alguns exemplos são: Argentina (30 kW); Colômbia, Guatemala, Paraguai (100 kW); Uruguai (250 kW).
Um dos motivos da paralisação na evolução dos critérios de elegibilidade para o mercado livre foi a eleição de um novo governo federal em 2003, com visão comercial diferente daquela do governo que criou o mercado livre. O modelo anterior do Setor Elétrico, implantado a partir de 1998, havia enfrentado dificuldades para entrar em funcionamento e recebeu, incorretamente, parte da culpa pela crise energética de 2001/2002. Na ânsia por evitar novas crises, o novo governo reestruturou o antigo Mercado Atacadista de Energia (MAE), criando o ACL e o ACR (Ambiente de Contratação Regulada) e as novas regras de contratação de energia. Passados tantos anos, entretanto, o mercado livre já provou sua grande força e muitos agentes acreditam estar na hora de estudar mudanças nos critérios de elegibilidade. Além disso, todos os consumidores de grande porte que poderiam migrar já o fizeram, o que significa que o mercado de energia convencional encontra-se estagnado há algum tempo.
Uma mudança poderá advir com a aprovação de duas emendas à Medida Provisória 540, cujo relator é o deputado Renato Molling (PP-RS). A primeira emenda diz respeito à venda de excedentes pelos consumidores livres, enquanto a segunda determina datas para a ampliação do mercado livre. A partir de 1° de janeiro de 2012 todos os consumidores com demanda igual ou superior a 3 MW, conectados em qualquer tensão, estariam qualificados a migrar para o ACL. Em 1º de janeiro de 2014 o limite seria reduzido para 2 MW [2].
O pleito para ampliação do limite de elegibilidade do mercado livre é antigo. Por exemplo, o Projeto de Lei 402/2009, cujo relator é o senador Delcídio Amaral (PT-MT), estabelece uma flexibilização progressiva, até chegar-se a 1 MW, e elimina o limite mínimo de tensão. Tal projeto ainda se encontra na relatoria e não foi tomada uma decisão sobre ele.
Um problema que surgirá com um novo critério de elegibilidade será o impacto no mercado de energia incentivada. De fato, consumidores com demanda acima de 500 kW já podem se tornar livres, desde que supridos por fontes incentivadas. Com a mudança, consumidores com demanda acima de 1 MW (supondo o pleito do PL 402) poderão contratar energia convencional, mais abundante do que a incentivada. Contudo, um estudo da Andrade&Canellas, contratado pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), concluiu que não haverá competição entre fontes convencionais e incentivadas em 88% da nova faixa aberta aos consumidores livres (1 MW a 3 MW, novamente supondo o pleito do PL 402), por causa do desconto na TUSD obtido quando a energia contratada é incentivada. Para amenizar ainda mais o impacto, outra medida que vem sendo defendida pela Abraceel é a redução do limite de elegibilidade dos consumidores especiais para 300 kW.
Sejam quais forem as mudanças que o mercado livre possa sofrer em um futuro próximo, estas dirão respeito somente ao Grupo A (Alta Tensão), que inclui, grosso modo, os consumidores com demanda acima de 300 kW. O Grupo B, dos consumidores de Baixa Tensão, que inclui os consumidores residenciais, deverá continuar por um bom tempo sendo atendido pelo ACR, monopólio das distribuidoras de energia. Esperemos que um dia os consumidores residenciais possam também migrar para o mercado livre, vindo a obter menores preços e maiores flexibilidades contratuais.
[1] FLOREZI, Guilherme. Consumidores livres de energia elétrica: uma visão prática, 2009, Dissertação de Mestrado, USP. Disponível em: http://bit.ly/ouASiX.
[2] JORNAL DA ENERGIA. MP 540 traz mecanismos para ampliar o mercado livre de energia, 13 de out. 2011. Disponível em: http://bit.ly/pGFdI1.
Os consumidores livres e produtores independentes de energia foram criados em 8/7/1995, por meio da Lei 9.074/95. Depois disso as únicas mudanças nos critérios de elegibilidade para migração ao mercado livre ocorreram em 8/7/2000, quando o requisito de demanda, anteriormente fixado em 10 MW, foi reduzido para 3 MW, e em 26/2/2002, quando os consumidores especiais foram criados [1]. Para fins de comparação, em vários países que instituíram seus mercados livres, inclusive países da América Latina, os limites de migração são atualmente inferiores aos brasileiros, mesmo considerando-se os consumidores especiais. Alguns exemplos são: Argentina (30 kW); Colômbia, Guatemala, Paraguai (100 kW); Uruguai (250 kW).
Um dos motivos da paralisação na evolução dos critérios de elegibilidade para o mercado livre foi a eleição de um novo governo federal em 2003, com visão comercial diferente daquela do governo que criou o mercado livre. O modelo anterior do Setor Elétrico, implantado a partir de 1998, havia enfrentado dificuldades para entrar em funcionamento e recebeu, incorretamente, parte da culpa pela crise energética de 2001/2002. Na ânsia por evitar novas crises, o novo governo reestruturou o antigo Mercado Atacadista de Energia (MAE), criando o ACL e o ACR (Ambiente de Contratação Regulada) e as novas regras de contratação de energia. Passados tantos anos, entretanto, o mercado livre já provou sua grande força e muitos agentes acreditam estar na hora de estudar mudanças nos critérios de elegibilidade. Além disso, todos os consumidores de grande porte que poderiam migrar já o fizeram, o que significa que o mercado de energia convencional encontra-se estagnado há algum tempo.
Uma mudança poderá advir com a aprovação de duas emendas à Medida Provisória 540, cujo relator é o deputado Renato Molling (PP-RS). A primeira emenda diz respeito à venda de excedentes pelos consumidores livres, enquanto a segunda determina datas para a ampliação do mercado livre. A partir de 1° de janeiro de 2012 todos os consumidores com demanda igual ou superior a 3 MW, conectados em qualquer tensão, estariam qualificados a migrar para o ACL. Em 1º de janeiro de 2014 o limite seria reduzido para 2 MW [2].
O pleito para ampliação do limite de elegibilidade do mercado livre é antigo. Por exemplo, o Projeto de Lei 402/2009, cujo relator é o senador Delcídio Amaral (PT-MT), estabelece uma flexibilização progressiva, até chegar-se a 1 MW, e elimina o limite mínimo de tensão. Tal projeto ainda se encontra na relatoria e não foi tomada uma decisão sobre ele.
Um problema que surgirá com um novo critério de elegibilidade será o impacto no mercado de energia incentivada. De fato, consumidores com demanda acima de 500 kW já podem se tornar livres, desde que supridos por fontes incentivadas. Com a mudança, consumidores com demanda acima de 1 MW (supondo o pleito do PL 402) poderão contratar energia convencional, mais abundante do que a incentivada. Contudo, um estudo da Andrade&Canellas, contratado pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), concluiu que não haverá competição entre fontes convencionais e incentivadas em 88% da nova faixa aberta aos consumidores livres (1 MW a 3 MW, novamente supondo o pleito do PL 402), por causa do desconto na TUSD obtido quando a energia contratada é incentivada. Para amenizar ainda mais o impacto, outra medida que vem sendo defendida pela Abraceel é a redução do limite de elegibilidade dos consumidores especiais para 300 kW.
Sejam quais forem as mudanças que o mercado livre possa sofrer em um futuro próximo, estas dirão respeito somente ao Grupo A (Alta Tensão), que inclui, grosso modo, os consumidores com demanda acima de 300 kW. O Grupo B, dos consumidores de Baixa Tensão, que inclui os consumidores residenciais, deverá continuar por um bom tempo sendo atendido pelo ACR, monopólio das distribuidoras de energia. Esperemos que um dia os consumidores residenciais possam também migrar para o mercado livre, vindo a obter menores preços e maiores flexibilidades contratuais.
[1] FLOREZI, Guilherme. Consumidores livres de energia elétrica: uma visão prática, 2009, Dissertação de Mestrado, USP. Disponível em: http://bit.ly/ouASiX.
[2] JORNAL DA ENERGIA. MP 540 traz mecanismos para ampliar o mercado livre de energia, 13 de out. 2011. Disponível em: http://bit.ly/pGFdI1.
Gostei muito do blog, didático ,500 KW é em qual período de consumo, favor responder para o e mail- mleonelc@gmail.com
ResponderExcluirCaro Leonel,
ExcluirConforme respondido em particular, note que 500 kW é o valor da demanda contratada, não do consumo. Em geral as concessionárias exigem um período mínimo de contratação igual a 12 meses e o tipo mais simples de contrato é de demanda constante ao longo dos 12 meses. Assim, nesse caso o consumidor teria um máximo de 500 kW à sua disposição em cada um dos 12 meses do contrato.
[ ]s
Alvaro Augusto
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