Da série “Filmes Que Vimos Ontem”: “Sociedade dos Poetas Mortos”
“Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) se passa em uma escola dos anos 50, a ficitícia Academia Welton, um internato dedicado a preparar os jovens da elite norte-americana para ingresso nas principais Universidades. Baseada em quatro pilares (tradição, honra, disciplina e excelência), a educação de Welton é rígida a um ponto impensável no Ocidente atual: os alunos usam uniformes (terno e gravata), devem se levantar quando o professor entra na sala, enfrentam aulas maçantes e tradicionais, são submetidos a castigos físicos e, em caso de indisciplina grave, são ameaçados com o maior de todos os castigos: a expulsão. Mas tudo é feito de uma forma tão refinada e elegante que os sobreviventes da tortura têm certeza de que foram de fato educados.
Então, chega a Welton o professor John Keating (Robin Williams), com a missão de ensinar poesia aos jovens. Em vez de seguir o programa oficial, Keating retira os alunos da sala, encoraja-os a viverem suas paixões, lembra-lhes do poema do romano Horácio (“Carpe diem”) e incita os mais ousados a chamá-lo de “Oh Captain! My Captain”, em referência a um poema de Walt Whitman (1819 – 1892), tradicionalmente tomado pelos americanos como uma homenagem a Abraham Lincoln.
Pouco depois, alguns alunos descobrem que Keating, um ex-aluno de Welton, havia participado de um clube literário chamado Sociedade dos Poetas Mortos. Após conversarem brevemente com o professor, sete alunos resolvem recriar a Sociedade: Todd Anderson (Ethan Hawke), Neil Perry (Robert Sean Leonard), Knox Overstreet (Josh Charles), Steven Meeks Jr. (Allelon Ruggiero), Charlie Dalton (Gale Hansen), Richard Cameron (Dylan Kussman) e Gerard Pitts (James Waterston). Todos esses sete atores continuaram suas carreiras no cinema e na televisão, mas apenas os três primeiros tornaram-se mais conhecidos do grande público.
Os conflitos não tardam a surgir. Afinal, aquilo que os alunos querem fazer raramente coincide com aquilo que as escolas querem que eles façam. E, no caso de Welton, conhecida como “Helton” entre os alunos, o que a escola quer é o que os pais querem. Os pais de Neil e de Todd, em particular, querem que os filhos se formem em Medicina e em Direito, respectivamente, de preferência em Harvard. O fato de Neil querer ser ator pouco importa para seu pai, vivido por um Kurtwood Smith sério e ameaçador. Quando Neil, incentivado pelo ambiente liberal criado por Keating, decide participar de uma peça de teatro, à revelia dos desejos de seu pai, este se sente traído e, furioso, decide enviá-lo para uma escola militar, de forma que ele possa se preparar mais adequadamente para Harvard. Neil , incapaz de atender simultaneamente os desejos seus e de seu pai, e certamente querendo feri-lo profundamente, suicida-se.
A reviravolta causada com a morte de Neil faz com que a diretoria da escola descubra a nova Sociedade dos Poetas Mortos, até então secreta, acarretando na demissão de Keating. A cena final, quando Keating se despede, é belíssima e emocionante, com os membros da Sociedade subindo em suas carteiras e dirigindo-se ao professor como “Oh Captain! My Captain”, enquando o diretor de Welton, acumulando o papel de professor temporário de poesia, tenta controlá-los, sem sucesso [1].
"Sociedade dos Poetas Mortos" é um daqueles raros filmes a ter lançado um bordão, uma frase que passa a ser repetida por muitos, mesmo que fora do contexto original. Embora retirada diretamente das páginas da antiguidade, "Carpe diem", traduzida usualmente como "aproveite o dia", tornou-se famosa a ponto de ser considerada a 95ª frase mais popular da história do cinema [2]. Mesmo o poeta romano Horácio (65 aC – 8 aC), autor da frase, que confiava tão pouco no futuro, talvez viesse a ficar orgulhoso de tal sucesso, quase dois mil anos depois de sua morte. Em Português a frase não “pegou” tanto, mas talvez fosse diferente se o tradutor tivesse preferido algo como “curtam a vida” em vez do quase seco “aproveitem o dia”.
Embora tenha conquistado o Oscar de melhor roteiro original (Tom Schulman), bem como deixado claro que Robin Williams deveria ganhar o Oscar de melhor ator cedo ou tarde (o que aconteceu em 1997, com “Good Will Hunting”), o filme, visto em retrospecto, tem uma série de problemas. Em primeiro lugar, que academia tradicional é essa, que deixa um professor liberal como Keating lecionar? Não houve processo de seleção, ninguém lhe examinou o currículo, niguém deu uma olhada no seu “livro de formatura”, onde estava clara sua associação com a antiga Sociedade? Será que uma escola tão exigente teria confiado apenas em alguns dados esparsos sobre um professor, ex-aluno da instituição, graduado em Cambridge, com sete anos de experiência em uma escola londrina, para conferir-lhe uma cadeira? Duvidoso, mas é claro que, sem Keating em Welton, não haveria filme. Então, talvez sem saber como explicar o inexplicável, o roteirista simplesmente introduziu Keating sorrateiramente na escola, omitindo todo o processo de seleção prévio.
Um problema mais grave é o suicídio de Neil. Um menino que se mata ao primeiro sinal de dificuldade teria feito o mesmo quando da primeira desilusão amorosa, quando da primeira briga com um professor da Universidade, quando da primeira dificuldade profissional. Keating teve nada ou muito pouco a ver com isso. E, na verdade, Neil deixou de seguir os conselhos do próprio Keating: “façam de suas vidas experiências extraordinárias”. Nesse ponto, o roteirista não precisava ter ido tão longe. Bastaria ter feito Neil pegar carona em uma trupe de teatro ou tê-lo feito embarcar em um ônibus para Los Angeles, em busca do sonho de ser ator, deixando seu pai com seus sonhos harvardianos em casa. Ele certamente perderia a herança, mas seria melhor do que perder a vida.
Um grande problema do filme é, aparentemente, a frase que o tornou famoso. O verso completo do poema de Horácio é “carpe diem, quam minimum credula postero”, que pode ser mais apropriadamente traduzido como “colha o dia, confiando o mínimo possível no futuro”. Ora, levado a extremos, esse pensamento significaria a extinção da humanidade. Tudo bem, vamos curtir a vida, mas também devemos pagar as contas, planejar o futuro, trabalhar para o desenvolvimento humano. Contudo, algo me diz que alguém com John Keating não poderia levar Horácio de fato tão a sério. Afinal, o Keating do filme era um professor, e não há profissional que deposite maior dose de confiança no futuro.
[1] Oh Captain! My Captain! http://www.youtube.com/watch?v=s8UL_9R_W-Y
[2] AFI's 100 Years...100 Movie Quotes, http://bit.ly/qYHbnK
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