Eu devia ter menos de 10 anos quando fiquei sabendo que aqueles motores de carrinhos de "
Autorama" podiam ser usados também como geradores. Bastava retirar o motor do carrinho, conectar os terminais dele a uma lâmpada e girar o eixo bem rápido. Pelo que me lembro, o brilho era tênue, mas estava lá. Então me veio aquela ideia fantástica, que já ocorreu a milhares de pessoas em todo o mundo: se eu unisse dois motores pelo eixo, ligasse os terminais de ambos em paralelo e desse um "peteleco" inicial, um deles funcionaria como gerador, alimentando o segundo, que funcionaria como motor, que forneceria energia mecânica para o gerador, que forneceria energia elétrica para o motor e assim por diante por toda a eternidade. Parece uma ideia ótima, se não fossem dois detalhes. O primeiro é que não funciona. O segundo é que não pode funcionar.
Muito tempo depois vim a saber que essa montagem era um dos muitos tipos de "moto perpétuo" (ou moto contínuo), uma máquina que alimentaria a si mesma por toda a eternidade. Esse invento somente funcionaria se todas as perdas de energia fossem nulas, resultando em rendimento igual a 100%.
Em qualquer máquina elétrica existem pelo menos três tipos de perdas: as perdas mecânicas (por exemplo, atrito e ventilação, que causam o aquecimento do ar e das partes mecânicas), as perdas elétricas (que causam o aquecimento dos enrolamentos) e as perdas magnéticas (que causam o aquecimento dos núcleos de ferro). Em um moto perpétuo tais perdas deveriam ser rigorosamente nulas. Se elas correspondessem mesmo que a uma fração infinitesimal da potência de entrada, nossa conjunto motor-gerador deixaria de funcionar tão rapidamente que nenhum funcionamento como moto perpétuo poderia ser detectado.
Mas a pergunta é: mesmo que um conjunto motor-gerador com rendimento de 100% pudesse ser construído, para que serviria ele? De fato, para que serviria uma máquina que alimenta a si mesmo e a mais ninguém? Se tentássemos extrair um infinitésimo de watt dessa máquina, ela deixaria de funcionar, não servindo para nada. E, ainda assim, até hoje recebo e-mails de pessoas que dizem estar "quase chegando lá", faltando apenas alguma pesquisa.
Esse motor com rendimento de 100% é de vez em quando chamado de "moto perpétuo de primeira espécie". Para que um moto perpétuo tivesse alguma utilidade prática, ele deveria ser de "segunda espécie", ou seja, deveria ter rendimento superior a 100%. Contudo, isso somente seria possível se este motor retirasse energia de fora do universo conhecido ou simplesmente criasse energia a partir do nada, fenômenos proibidos pelas leis da termodinâmica.
Caso alguém ainda tenha alguma esperança, deixo os endereços de três ensaios que escrevi sobre o assunto, publicados aqui mesmo neste blog:
Máquinas impossíveis
Moto contínuo: o sonho que não quer morrer
Motos contínuos revisitados
Eu também gostaria que não fosse assim, mas, infelizmente, como diria o economista Milton Friedman (1912 - 2006), "não existe almoço de graça".