quarta-feira, julho 23, 2008

"A Arte de Ensinar", de Jay Parini

Jay Parini é um professor e escritor norte-americano, nascido em Scranton, na Pensilvânia. Após uma passagem de sete anos por Dartmouth, ele se estabeleceu como professor de Língua Inglesa no Middlebury College, em Vermont, Estados Unidos, vindo a escrever cinco livros de poesia, seis romances e três biografias. Após 30 anos dedicados ao ensino universitário, Parini decidiu escrever um pouco sobre essa nobre arte, produzindo “A Arte de Ensinar”, um livro leve e sem o menor toque daquele ranço pedagógico das obras usuais sobre o assunto.

“A Arte de Ensinar” não é um livro de dicas sobre ensino, aproximando-se muito mais de uma autobiografia intelectual. Parini discorre sobre aspectos do relacionamento com os estudantes, sobre o comportamento em sala de aula e fora dela e até mesmo sobre a maneira de um professor se vestir ou se comportar quando surgem questões excessivamente pessoais. Nada de regras, nada de conselhos. Parini assume posições absolutas apenas quando se posiciona contra os sistemas de ensino baseados em provas rígidas e contra os “jogos de poder”, freqüentes entre professores e alunos, mas os quais ele julga antieducacionais. Ele também se posiciona definitivamente contra os critérios de efetivação (“tenure”) atualmente em voga nas universidades norte-americanas e em boa parte do mundo, baseados no famoso adágio “publish or perish”. Esse último aspecto, contudo, não afeta muito os professores universitários brasileiros.

Segundo Parini, a viagem essencial na profissão de professor é a do autoconhecimento. “Não há nada natural sobre ensinar”, diz ele, concluindo que a naturalidade em sala de aula é na verdade o produto de uma prática sem fim. Ele também sustenta que o professor é um ator que deve experimentar diversas máscaras durante a vida, nunca cessando de se aperfeiçoar.

O termo “máscara” (ou “persona”), aqui, não tem o tom negativo atual, mas tem muito mais a ver com as máscaras envergadas pelos atores do teatro romano antigo, através das quais as vozes dos atores soavam (per+sona). Um professor deve assim experimentar várias personas ao longo da vida profissional, descartando aquelas que não se adaptam e adotando aquelas que mostram melhor resultado. Esse fenômeno, explicitado com maestria por Parini, é na verdade conhecido por todo bom professor, que já ouviu frases como “Uau, como você fica diferente em sala de aula!”, ou “Você se revela ao entrar em sala, hein?”.

O melhor desse livro sobre ensino, escrito por um poeta e romancista, é a sinceridade que escorre por todas as páginas. Por exemplo, eu jamais havia lido ou ouvido descrição melhor da prática de ensino do que aquela que Parini faz na página 90:

“Poucos fora da profissão de ensinar entendem a coragem necessária para entrar em uma sala de aula, usar uma máscara que você sabe ser uma construção, escondendo-se por trás dela, deixando-a dar forma e substância às suas formulações, deixando a máscara tornar-se a sua face. Requer uma certa bravura, mesmo uma certa selvageria, deixar que os alunos o vejam em tal estado, à mercê de um texto ou idéia imperfeita, tentando formular uma resposta para o texto, dar corpo à idéia em uma linguagem que uma faixa diversificada de alunos possa assimilar. Eu sempre me sinto um pouco assustado quando saio do meu escritório e começo a longa caminhada para a sala de aula, meus braços sobrecarregados de anotações e textos, minha cabeça abarrotada de idéias as quais não tive tempo de formular adequadamente. Fico me indagando que diabo acontecerá quando a aula começar. Vou conseguir fazer sentido? Os alunos vão reagir adequadamente? Vou parecer e soar como um idiota? Estou bem barbeado? Minha braguilha está aberta? Conseguirei passar esses 50 ou 60 minutos sem me sentir um completo imbecil?"

Imagino que essas perguntas tenham ocorrido a um grande número de professores, em todos os tempos e lugares. Imagino também que muitos se protejam delas, ou das respostas a elas associadas, construindo em torno de si uma couraça impenetrável de sabedoria e poder. Isso pode ser um erro. Afinal, adverte Parini, a noção do professor ideal deve ser a de um primus inter pares. Em outras palavras, o professor é o principal aluno, alguém que está sempre aprendendo, sempre se aperfeiçoando, sempre evoluindo.

E esse é um dos principais atrativos dessa profissão exibicionista que atrai tanta gente tímida: é sempre possível fazer melhor na próxima vez, no próximo semestre, no proximo ano. Talvez não exista outra profissão que guarde dentro de si tamanha dose de esperança de que as coisas possam vir a ser melhores.

Um comentário:

  1. Anônimo1:38 AM

    "(per+sona)", hmmm, provavelmente essa não é a etimologia de persona.

    Os filólogos tendem a ligar a expressão ao grego 'proposon' (que era o nome da máscara teatral). 'Prosopon', por sua vez, deveria ser conexo com o grego 'ops' - vista, aparência.

    A derivação de 'persona' a partir de 'prosopon' possivelmente deu-se por intermédio do etrusco 'phersu'.

    []s,

    Roberto Takata

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