Sir Arthur C. Clarke (1917 – 2008)
Da cidade de Colombo, no Sri Lanka, chegou-nos, no último dia 18, a notícia de que Sir Arthur C. Clarke havia falecido, aos 90 anos de idade. Mesmo que triste, a notícia não é exatamente uma supresa, considerando-se a idade avançada de Clarke e as complicações causadas por uma poliomielite que o mantinha preso a uma cadeira de rodas, embora lúcido e produtivo.
Para o grande público, o nome de Clarke estará para sempre associado ao filme “2001 – uma Odisséia no Espaço”, dirigido por Stanley Kubrick e lançado em 1968. O livro homônimo é na verdade uma decorrência do filme, cujo roteiro foi escrito por Clarke e Kubrick. Sobre o filme, Clarke se declararia mais tarde insatisfeito com aquilo que Kubrick via como o maior mérito da obra: a ambigüidade e a falta de explicações racionais. Sobre o livro, Clarke afirmaria: “Meu livro favorito é Canções da Terra Distante. 2061 é muito melhor do que 2001. Este, na verdade, não é um bom livro, pois foi escrito apenas para fazer um filme e não passa de um roteiro glorificado”.
Contudo, Clarke já era um escritor de sucesso antes de “2001” e continuou a sê-lo após o lançamento do filme. Longe de ser tão prolífico quanto Isaac Asimov (1920 - 1992), a quem é tão freqüentemente comparado, Clarke, um cético de mente aberta, escrevia de maneira mais técnica e científica do que vários de seus contemporâneos da ficção científica “hard”, mas não sem mesclar a suas histórias uma boa dose de poesia e imaginação, muitas vezes ultrapassando os limites do conhecimento atual.
O estilo literário de Clarke também é radicalmente diferente dos de Asimov, Robert Heinlein (1907 - 1988) e outros. Como romancista, Clarke não empregava o estilo “best seller”, tão caro a Asimov, que resulta em romances repletos de viradas e finais-surpresa, ingredientes que os leitores da literatura de massa consideram essenciais para que uma obra possa ser lida “sem cansar”. Como contista, Clarke era imbatível. Exemplo disso são os contos reunidos em “O Outro Lado do Céu”, coletânea publicada originalmente em 1958 e traduzida pela Nova Fronteira em 1984. O livro traz o que há de melhor em contos de ficção científica, alguns de tirar o fôlego, e é encerrado com “As Canções da Terra Distante”, conto que Clarke transformaria em romance vinte e oito anos depois.
Formado em matemática e em física, inglês de nascimento e residente no Sri Lanka desde 1956, Clarke se esforçava para construir universos ficcionais cientificamente plausíveis, ainda que sempre levando em conta que “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistingüível da mágica”, afirmação conhecida como a “terceira lei de Clarke”.
No prefácio de “As Canções da Terra Distante” (Nova Fronteira, 1987), por exemplo, Clarke adverte que “...a presente versão foi direta – e negativamente – inspirada pelo recente surto de space-operas nas telas de televisão e do cinema”. A seguir, ele esclarece que gostou de Star Trek e dos épicos de Steven Spielberg e George Lucas, mas observa que tais trabalhos são melhor caracterizados como de fantasia, não como de ficção científica, acrescentando ainda que “Nenhuma Dobra Fator Seis poderá nos levar de um episódio a outro a tempo do capítulo da próxima semana”. Apesar disso, a espaçonave utilizada pelos personagens do livro, embora viajando abaixo da velocidade da luz, é impulsionada por um hipotético sistema de “propulsão quântica”, baseado na extração da energia do vácuo. Aí reside o salto de imaginação de Clarke: a energia do vácuo não é uma construção ficcional, como o "hiperespaço" ou os "campos de tétrions", mas sim uma hipótese científica verificada experimentalmente (vide efeito Casimir e desvio de Lamb). De acordo com um cálculo conservador do físico Richard Feynman (1918 – 1988), por exemplo, um centímetro cúbico de vácuo teria energia suficiente para ferver todos os oceanos da Terra. Todavia, como extrair tal energia, caso possível, é tarefa da qual ainda se ocuparão os engenheiros de várias gerações futuras. No livro, Clarke supõe simplesmente que os engenheiros e físicos do ano 3600 já terão resolvido esse singelo problema, suposição consubstanciada na “segunda lei de Clarke”: “A única forma de descobrir os limites do possível é avançar um pouco além deles e penetrar no impossível”.
Clarke também escreveu vários livros de divulgação científica e, a partir da década de 50, tornou-se um palestrante bastante requisitado, especialmente nos Estados Unidos. Também ficou conhecido por ter proposto, em 1945, o conceito de satélite de telecomunicações, contribuição que ele desdenhava: “Acredito que minha prioridade (sobre os satélites geoestacionários) deve ter avançado a causa das comunicações espaciais por uns 15 minutos”. A partir de 1970, contudo, Clarke parou de escrever sobre divulgação científica para se concentrar somente à ficção, reservando a não ficção para palestras e documentários. Dentre os documentários, um dos mais famosos é “O Misterioso Mundo de Arthur C. Clarke” (1981), que seria seguido pelo documentário “O Mundo dos Estranhos Poderes de Arthur C. Clarke” (1984). Em ambos, Clarke dá explicações naturais para fenômenos estranhos, tais como discos voadores, monstros marinhos, telepatia, caminhada sobre brasas, entortadores de colheres (como Uri Geller) e outros.
Outra particularidade de Clarke era se manter em dia com inovações tecnológicas e científicas. Enquanto Asimov usou uma máquina de escrever elétrica até o fim, Clarke já usava computadores no início dos anos 80. Pouco mais tarde, em vez de remeter seus livros para o editor em um disquete, passou a transmití-los diretamente de Colombo, usando uma linha de dados. Clarke também foi o primeiro habitante do Sri Lanka, e provavelmente do mundo, a ter uma antena parabólica residencial, instalada no longínquo ano de 1976. Tal ânsia de atualização talvez decorra parcialmente do cuidado para não entrar em conflito com a “primeira lei de Clarke”: “Quando um cientista notável, mas idoso, diz que algo é possível, ele estará, na maioria das vezes, certo. Quando ele afirma que algo é impossível, estará, muito provavelmente, errado”.
No momento em que finalizo este post, devo ter lido pouco mais de 20% dos livros de Clarke, incluindo quatro deles escritos em conjunto com Gentry Lee, os quais não podem ser considerados “puro Clarke”. Isso não me torna uma autoridade nesse autor, mas pelo menos me permite afirmar que ele vale a pena ser lido, não pelo caráter “profético” atribuído a muitas de suas obras, não por ter co-assinado o roteiro de um dos mais famosos filmes de ficção científica de todos os tempos, mas especialmente por nos lembrar de sonhar e acreditar que a humanidade poderá, algum dia, ser algo melhor do que essa raça de macacos pelados e cabeçudos que hoje somos. Entretanto, Clarke seria um dos primeiros a afirmar que tal objetivo jamais será alcançado sem auxílio da ciência. Nesses tempos em que religiosos modernos recorrem a conceitos medievais para atacar as pesquisas com células-tronco, e em que as pseudociências e embustes vicejam, o habitante mais ilustre do Sri Lanka vai fazer falta.
No dia de sua morte passei o dia enlutado. Até minha esposa notou: "Puxa! Como vc tá pra baixo hoje!". Aconteceu o mesmo quando Asimov e Sagan morreram. Tristeza à parte, parabéns pelo artigo. Abraços. Medeiros.
ResponderExcluirTambém fiquei cabisbaixo. Mas, como eu acompanhava de longe a situação de Clarke, pelo menos não foi tão inesperado quanto nos casos de Asimov (que morreu na era pré-internet, quando tínhamos pouca informação sobre o mundo) e de Sagan (que durante um tempo pareceu ter se recuperado da doença).
ResponderExcluir[ ]s
Alvaro Augusto