quarta-feira, dezembro 12, 2007

O leilão da usina Santo Antônio, no rio Madeira

O tão esperado leilão da primeira usina do Complexo do Rio Madeira, a UHE Santo Antônio, foi vencido na última segunda-feira pelo Consórcio Madeira Energia. O preço da energia a ser vendida no Ambiente de Contratação Regulado ficou em R$ 78,87/MWh, mais de 35% inferior ao preço inicial de R$ 122,00/MWh [1].

O Consórcio Madeira Energia é formado pelas empresas Furnas (39%), Cemig GT (10%), Odebrecht Investimentos em Infra-estrutura (17,6%), Construtora Norberto Odebrecht (1%), Andrade Gutierrez Participações (12,4%) e pelo Fundo de Investimentos e Participações Amazônia Energia (Banif e Santander, 20%).

Apesar do sucesso do leilão, ainda não é certo se devemos rir ou chorar. A razão é que o baixo preço oferecido pelo consórcio vencedor contraria todas as expectativas atuais de preços de energia para o médio prazo. O consumidor desavisado pode imaginar que isso se deve à “modicidade tarifária” preconizada pelo atual modelo do setor elétrico, mas o problema é que, em finanças, não existe milagre. Assim, vale a pena fazer uma análise econômico-financeira do projeto, ainda que rápida.

De acordo com dados da ANEEL [2], a energia assegurada da UHE Santo Antônio é de 2.218 MW médios (cerca de 19,43 milhões de megawatts-hora anuais). As regras do leilão prevêem que 70% dessa energia serão vendidos no Ambiente de Contratação Regulado (ACR), destinado ao atendimento de consumidores cativos, ao preço oferecido pelos vencedores e durante um prazo de 30 anos. Os restantes 30% deverão ser vendidos no Ambiente de Contratação Livre (ACL), destinado ao atendimento de consumidores livres, por meio da livre negociação de preços e prazos.

Vamos supor que as despesas de operação e manutenção sejam de R$ 10/MWh e que a entrada em operação das 44 turbinas ocorra entre 2012 e 2015, de acordo com o cronograma previsto. Vamos supor também que o investimento total (R$ 9,5 bilhões) seja distribuido ao longo dos anos de construção (2008 a 2012) nas proporções de 10%, 20%, 30%, 30% e 10%. Algum investimento será também necessário após a entrada da primeira máquina, mas esse item não altera o retorno do projeto.

Outros fatores a considerar são a depreciação do ativo imobilizado, a ser realizada em 25 anos, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (25%) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (9%). Finalmente, consideremos que o preço médio de venda no ACL seja R$ 180/MWh.

Inserindo todos esses dados em um planilha eletrônica, o resultado é uma taxa interna de retorno (TIR) de 10,3% ao ano. Se o preço médio no ACL cair para R$ 122/MWh, que era o preço inicial do leilão, a TIR cairá para 8,7% ao ano. Em outras palavras, nas atuais circunstâncias seria melhor aplicar o dinheiro em Títulos do Tesouro Nacional, que pagam a taxa Selic de 11,18% ao ano.

Qual é a mágica, então, imaginada pelos vencedores do leilão da UHE Santo Antônio? Bem, pode haver várias. Por exemplo, o orçamento de R$ 9,5 bilhões, fornecido pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) pode estar super-estimado. De fato, esse montante resulta em um número-índice de R$ 3.015 por quilowatt instalado, compatível com usinas de muito menor porte, as quais não permitem certas economias de escala. Outra possibilidade é que os investidores, deparados com a redução dos juros e do risco Brasil, passaram a se contentar com TIRs inferiores a 10% ao ano, esperando que dentro em breve a taxa Selic irá cair abaixo desse valor. Talvez. Contudo, tomar decisões estruturais com base em dados conjunturais é sempre arriscado. Mas quem sou eu para dizer ao pessoal da Odebrecht o que eles devem fazer?

Por outro lado, a taxa de retorno de um projeto de investimento deve contemplar também os riscos incorridos, os quais não faltam no caso da usina Santo Antônio. A construção dessa primeira usina do Complexo Rio Madeira não será tarefa trivial e, mesmo desconsiderando-se os riscos inerentes à construção em si, bastará que uma ONG qualquer consiga uma liminar na justiça para provocar um atraso de 12 meses ou mais, impactando o retorno e o custo de geração e confirmando a famosa lei de Quéops: “nada fica pronto dentro do orçamento ou dentro do prazo previstos”.

Outra possibilidade, que está sendo divulgada com certa insistência pela mídia, é que o baixo preço do leilão poderá ser “compensado no mercado livre”. Todavia, como vimos, o preço no mercado livre deverá ser superior a R$ 180/MWh para que tal aconteça. E, ainda que esses preços sejam factíveis no momento atual, é difícil acreditar que isso possa acontecer após 2013, quando deverá haver maior oferta de energia, resultando em preços mais baixos para o mercado livre. Afinal, esse mercado responde muito bem às variações da oferta e da demanda de energia, mas muito mal a preços sugeridos pelo governo ou por associações de classe. Da mesma forma, consumidor livre algum se conformará em comprar energia a preços mais elevados com a desculpa de contribuir para o subsídio dos consumidores cativos.

Finalmente, talvez o Consórcio Madeira Energia esteja esperando vencer também o leilão da segunda usina do Madeira, a UHE Jirau, o que aumentaria a escala do projeto conjunto e melhoraria o retorno dos investimentos. Resta esperar por esse leilão, que deve ocorrer em maio de 2008.

[1] ANEEL. Central de Notícias, 10 dez. 2007. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/noticias/Output_Noticias.cfm?Identidade=2315&id_area=90>
[2] ANEEL. Leilão da UHE Santo Antônio, Disponível em: < <http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/kit%20imprensa%20site.pdf>.

3 comentários:

  1. Minha pergunta é:

    Existirá energia sobrando a partir de 2012 realmente?
    Porque no caso de o país crescer às taxas que vem sendo imaginadas, eu acho muito difícil alguém investir em projetos que não darão o retorno imaginado. Ainda mais nas taxas colocadas em seu texto.
    Não sou entendedor do assunto, mas não consigo imaginar contratos de energia, que trazem consigo todo um cenário de desenvolvimento, serem fechados a preços modicos.

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  2. Caro Augusto,

    Tudo indica que a situação após 2012 será mais confortável do que a atual. Isso depende, é claro, do cumprimento do plano de obras de geração e transmissão. Por outro lado, é difícil acreditar que o país continue crescendo a 5% ao ano durante mais quatro anos, especialmente com essa crise "made in USA" batendo às portas.

    [ ]s

    Alvaro Augusto

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  3. Nessa planície amazônica, fechadas na ramaria, ao longo dos afluentes, dos confluentes, dos defluentes e das tristes choupanas, além da entropia hidráulica existe também a esperança que essas águas retornem as nuvens e vertam sobre os planaltos.

    Terá dito Raimundo Morais.

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